“Eu respeito-o, mas ele tem que deixar o seu lugar”. A declaração é de Michel Platini, o presidente da UEFA, e foi feita no Mónaco, em agosto do ano passado. Até aqui, a relação dos dois sempre foi pacífica. O francês apoiou as candidaturas de Joseph Blatter em 1998, 2002 e 2007. Na última, em 2011, a rotura já se fazia notar e a UEFA absteve-se de dar apoio ao presidente da FIFA, que acabaria por ser reeleito. Em agosto, porém, Platini não foi de meias palavras: “Não terá o meu apoio, porque a FIFA, na minha opinião, precisa de um novo fôlego. Ele vem da administração e não deveríamos tolerar mais administradores para este tipo de cargo.”

Quando o disse, Platini assumia-se, nos bastidores, com um putativo candidato ao lugar de Blatter, algo que acabou por se desvanecer pouco a pouco, mantendo-se na UEFA e sendo reeleito em março para o seu terceiro mandato. “Quem gosta de mim, quer-me na UEFA. Quem não gosta de Blatter, quer-me na FIFA.”, ironizou o francês.

A verdade é que o não apoio da UEFA — e sendo a UEFA a mais importante das confederações futebolísticas, quer a nível de clubes (tem a Champions League, que é recordista no número de espectadores, de receitas publicitárias e de prémios pagos aos clubes), quer de seleções (há onze campeões do mundo europeus em 20 edições da prova, e os três últimos também são do velho continente) — até poderia ser problemático para Blatter. Mas não é.

E não é porque o sistema de votação existente para a eleição do presidente da FIFA atribui o mesmo número de votos, por exemplo, à Federação Inglesa de Futebol, tendo a Inglaterra mais de 53 milhões de habitantes e um Campeonato do Mundo (o de 1966, de má  memória para os magriços) no seu historial, como atribui o mesmo número de votos às Ilhas Cook, que têm pouco mais de 10 mil habitantes, e ocupam o antepenúltimo lugar no ranking de seleções da FIFA, só à frente de Anguilla (território britânico no Caribe) e do Butão: ou seja, um voto.

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Quem vota e em quem vota

Ao todo, têm poder de voto 209 federações espalhadas pelos quatro cantos do mundo. Confederações, são seis: a CAF, de África, que tem 54 federações; a Concacaf, da América no Norte, Central e Caraíbas, com 35 federações; a Conmebol, da América do Sul, com 10 federações; a OFC, da Oceania, com 11; a AFC, da Ásia, com 46; e, por fim, a UEFA, com 53 federações votantes na eleição. Cada federação entrega o seu voto à Confederação respetiva, que, por sua vez, os envia para a FIFA. O que quer dizer que, por exemplo, mesmo dando a UEFA o apoio a um determinado candidato, as Federações que a compõem têm liberdade total de voto, sendo que o voto é secreto. A Rússia já fez saber que apoiará Joseph Blatter, tendo Vladimir Putin considerado que o atual presidente da FIFA está a ser “perseguido” como o foram Snowden ou Assange.

No início apresentaram-se como candidatos a destronar Joseph Blatter seis nomes. Os franceses David Ginola, ex-futebolista, e Jerome Champagne, antigo vice-secretário-geral da FIFA, rapidamente desistiram das candidaturas. Coube a Luís Figo, Michael van Praag, presidente da Federação Holandesa de Futebol, Ali bin al-Hussein, príncipe da Jordânia, e ao próprio Joseph Blatter, correr as capelinhas todas em busca de apoios. Figo acabaria por desistir, falando de “episódios, em todo o mundo, que deveriam envergonhar qualquer pessoa que deseje que o futebol seja livre, limpo e democrático”, e Michael van Praag daria o seu apoio a Ali bin al-Hussein, saindo igualmente da disputa.

Os apoios a Blatter são evidentes e foram declarados nos últimos meses, não restando dúvidas sobre a sua reeleição. Citado pela agência AFP, em abril, o presidente da AFC, o Xeque Ebrahim Al Khalifa, garantiu que a Confederação a que presidente vai votar no suíço, e que nem o facto de Ali bin Al Hussein ser jordano e a Jordânia pertencer àquela região, alteraria a tendência de voto. “A candidatura de Ali bin Al Hussein está votada ao insucesso”, atirou. Também em abril, o presidente da Confederação Africana de Futebol (CAF), Issa Hayatou, declarou como certo o voto em Blatter por parte das federações daquele continente. “O seu trabalho para com África fala por ele. Para nós é um homem de ação”, afirmou Hayatou, no Cairo, durante a abertura da assembleia-geral da CAF.

Antes, em março, David Chung, presidente da OFC, explicou da seguinte forma a sua orientação de voto: “A administração atual teve um impacto significativo no desenvolvimento e popularidade do futebol por todo o Pacífico”. Oceania? Check. Na América do Sul, a Conmebol não teve uma declaração presidencial, mas fê-la, à Associated Press, pela voz de uma fonte da Confederação. Um apoio que não é propriamente uma surpresa, até porque, historicamente, a Conmebol sempre apoiou Blatter, desde que o suíço substituiu o brasileiro João Havelange na presidência da FIFA, em 1998.

Na Concacaf, o último congresso de abril foi polémico. Figo denunciou a “falta de democracia” por nenhum dos candidatos ter tido oportunidade de falar, exceto Blatter, que até foi comparado a Jesus Cristo, e, no final, messiânico, prometeu uma vaga extra no Campeonato do Mundo da Russia, em 2018, a mais um país daquela Confederação. Importa dizer que um dos detidos ontem em Zurique foi Jeffrey Webb, presidente da Confederação das Américas Central e do Norte (Concacaf) e vice-presidente da FIFA.

As detenções poderiam ter sido um problema para Blatter, há até federações, como a inglesa, que pretendem o boicote da eleição de amanhã até que a investigação dê conta se Blatter está ou não envolvido no escândalo — o Daily Mail avança que Joseph Blatter foi proibido de sair da Suíça e deve ser ouvido esta quinta-feira pela polícia –, mas o suíço de 79 anos não tardou em dizer, num comunicado, que a FIFA vai “trabalhar vigorosamente para descobrir todas as irregularidades, para recuperar a verdade e garantir que o futebol mundial está livre de corrupções”. Quanto aos sete altos responsáveis da FIFA detidos por terem, alegadamente, recebido vários milhões em subornos, Blatter adiantou que a organização “baniu provisoriamente os indivíduos acusados pelas autoridades, de qualquer atividade futebolística a nível nacional ou internacional”.

Sacudida a poeira, Blatter está praticamente reeleito. O primeiro ato, o da eleição, é amanhã, em Zurique. Mas a verdade é que ninguém pode (por enquanto) prever um final para esta história.