Havia sol na cidade, mas junto ao mar o primeiro dia do NOS Primavera Sound abriu com céu carregado e vento fresco. Muitos casacos vestidos, relva seca com gente sentada, pouca ainda uma hora depois da abertura das portas, às 16h00. Como nas anteriores edições, o primeiro dia foi o fácil de gerir, com apenas dois palcos em funcionamento, lado a lado (houve uma exceção, mas já lá vamos). É fácil ocupar o lugar no recinto, as pessoas circulam sem atropelos, não há mais por onde escolher. No final do dia, foram 21 mil as pessoas que marcaram presença no primeiro dia da quarta edição do festival. E sairam de lá contentes.

Foi um ambiente morno mas interessado que recebeu Bruno Pernadas, o primeiro dos três nomes portugueses no alinhamento e o artista a quem coube marcar o início do festival, uma escolha que se revelou acertada. Um total de nove músicos foi rodando pelo palco, secção de metais, teclas, guitarra, baixo, uma orquestra com inspiração jazz, a fazer jus à escola do Hot Clube. Arrancaram com “Ahhhhh” e desde aí os temas desfilaram quase sempre em contínuo e com a passagem feita. Longos instrumentais tocados com arte, competência e um bom gosto que caberia no cartaz de qualquer festival do mundo. A atuação concentrou-se no disco “How can we be joyful in a world full of knowledge?” mas fecharam a atuação com “Galaxy”, um tema novo. O NOS Primavera Sound começou como devia: bem.

Seguiram-se os Cinerama (17h55), a banda que é o lado mais pop do britânico David Gedge dos The Wedding Present. Disse que gosta de atuar durante o dia porque assim vê a cara das pessoas na plateia, que por aquela hora se ia compondo, final de dia de trabalho para muitos. O californiano Mikal Cronin acelerou o final da tarde com pop/rock energético, a dar balanço para a atuação do canadiano Mac DeMarco, que se lançou às feras dois minutos antes das 20h. Mas o enfant terrible não se apressou, tinha uma plateia compacta e pronta para o ver e ouvir “Salad Days”. Álcool e cigarros por todo o palco, postura de pirralho provocador, lançou gritos e graças que funcionam bastante bem, é um pacote coerente, música e figura. Depois da atuação, cruzámo-nos com ele no backstage e a postura era exactamente a mesma: garrafa na mão, sorriso sincero e boa conversa. Uma coerência que passa dele para a música e para o público, um sentimento genuíno que lhe dá caráter e o destaque que, goste-se ou não, merece.

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À mesma hora (20h) a tal exceção no primeiro dia do NOS Primavera Sound, a romper com as atuações nos palcos principais. Patti Smith teve honras de abrir um palco só para ela (a tenda Pitchfork) e o pretexto era o melhor: uma sessão de “poesia em palco” (spoken word) com direito a lugares sentados. A sugestão era por isso a de uma sessão intimista, uma cadeira e uma guitarra em palco, se tanto. Mas quando lá chegámos o que vimos foi uma banda inteira e eletrificada a tocar temas do álbum “Horses”, o disco que, é promessa feita, será tocado na íntegra esta sexta-feira, no palco principal. Fomos tentar saber o que se tinha passado, sabe-se lá tivesse havido um imprevisto ou alteração, mas a resposta que encontrámos ilustra a importância da cantora e compositora norte-americana: “ela é um espírito livre”, faz o que lhe apetece. Porque pode, e aqui explicamos porquê. Entre músicas disse frases bonitas. Confessou a alegria de ser avó, a sensação da areia fria nos pés e homenageou o recém-falecido John Nash. Foi uma plateia à pinha, revivalista e entusiasmada, que acolheu Patti Smith ao pôr do sol. Mais logo serão muitos mais, às 19h00, no palco principal.

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Foi pouco depois, no backstage, enquanto aguardávamos pela entrevista com os Interpol, que passou por nós a jovem Tahliah Barnett. À saída do camarim, com um ar tenso mas sem desmanchar a produção. Concentração apenas, talvez, seguiu para uma das atuações mais esperadas do dia. FKA twigs entrou em palco às 21h10 e rapidamente preencheu todo o espaço e atenção. Pela batida hipnótica e assíncrona, quase experimental (bem ensaiada), a contrastar com a pose feita de movimentos sensuais a dar corpo a uma belíssima voz. A plateia apertada lá à frente, os gritos e palmas, muitos telemóveis no ar, à procura de uma imagem clara num palco escuro, onde só uma silhueta e voz brilhavam. Performance e música encheram o Parque, FKA twigs é, sem sombra de dúvida, uma das artistas mais interessantes da sua geração: uma boneca surrealista que veio do futuro.

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Ainda o espetáculo de FKA twigs não tinha acabado e já se via a massa humana que se apertava à espera para ver os Interpol. Presença habitual nos palcos portugueses, foram eles quem mais pessoas levaram até à frente do palco principal neste primeiro dia. Certos como um relógio, desfilaram sucessos durante quase uma hora e meia, concentraram-se em “El Pintor” mas deram mais do que isso, muito do que o público queria ouvir. Uma máquina bem oleada que sabe como cativar, sem cerimónia despacharam serviço com competência, era para e pelo rock que ali estavam. A produção gráfica foi cuidada (mas sem exageros) e nem o vento que abanou o som para os que assistiam mais atrás fez mossa. Braços no ar, letras na ponta da língua. Músicas umas coladas às outras, non stop, que o rock é para mexer. Até a voz monocórdica de Paul Banks é facilmente compensada pelo ritmo e precisão da banda experiente. Os Interpol são sempre uma aposta ganha.

Entrevistámos Daniel Kessler, membro fundador e guitarrista da banda nova-iorquina. Foi uma conversa sobre o trajeto da banda e da música, mas também sobre restaurantes e francesinhas. Oiça o essencial da entrevista (em inglês):

https://soundcloud.com/observadorpt/daniel-kessler-interpol-04-jun

Muita gente saiu depois do espetáculo dos Interpol. Sexta-feira é dia de trabalho para uns, para outros o ritmo do que vinha a seguir não compensava a espera. Mas fizeram bem os milhares que ficaram e responderam à chamada dos The Juan MacLean, meia-noite em ponto, o relógio da dança bateu as horas e na cabeça de muitos. Um som poderoso levantou gente do chão para assistir à dupla Nancy Whang e John MacLean, no palco desdobrada em dois casais, as vozes femininas afinadas, eles na bateria e caixa de ritmos. É uma tendência crescente, levar para as atuações ao vivo músicos de carne e osso para interpretar temas desenhados em computador.

E resulta tal com se viu, outra vez, logo a seguir, na última chamada da noite (01h10). O canadiano Caribou atuou com mais três, guitarra, bateria e baixo juntaram-se aos processadores de som. O lado mais experimental da música de Daniel Snaith (que não se deixou fotografar) dá-lhe margem de manobra para todas as evasões. “Our Love” esteve no centro das atenções, com vozes processadas, meias silabas e outros efeitos que sublinham a estranheza e lhe dão ritmo.

Foi o que ali se ouviu e sentiu no final da noite, eletrónica feita de máquinas e gente, contas feitas, aquilo de que é feito um (grande) festival de música. E o NOS Primavera Sound está na lista. Hoje há mais, muito mais. Os quatro palcos vão estar a funcionar em pleno, por isso recomendamos que organize a agenda. Nós por lá estaremos a dar notícias, siga-nos no Twitter.