Fatos bem desenhados e cabelos esculpidos permitem distinguir os Interpol da imagem encardida preconizada por algumas bandas do mesmo território sonoro. Um figurino adequado ao som temperamental e soturno, largamente influenciado pela atmosfera da Joy Division ou de Echo and the Bunnymen. O fundador, Daniel Kessler, lembra-se de ver vídeos dos The Jam em miúdo e sentir o impacto das roupas que eles usavam. Ficou-lhe na memória. Por isso sempre quis fazer dos Interpol uma afirmação igualmente inspiradora, na música e na moda.

Tocaram no domingo, em São Paulo, num dos palcos do Lollapalooza Brasil que decorreu neste fim de semana no autódromo de Interlagos. A setlist continha 13 canções, na maior parte êxitos dos primeiros álbuns. Apenas tocaram três músicas novas, significando porventura alguma cautela perante a recepção do público brasileiro. Em Portugal são muito conhecidos e regressam para o oitavo concerto, marcado para a noite de abertura do NOS Primavera Sound no Porto, a 4 de junho.

O agora trio minimalista está de regresso após quatro anos de licença sabática na sequência da saída de Carlos Dengler. Nada preocupante para uma banda que nunca viu na música um emprego. Afirmam regularmente que funcionam de modo orgânico, sem prazos estabelecidos. Dizem que a música é a sua arte. “El Pintor” editado em setembro é o quinto álbum de estúdio. O título propõe um desafio à perspicácia: trata-se de um anagrama do nome da banda.

É o primeiro álbum sem Dengler mas com o impetuoso vocalista e guitarrista Paul Banks a acumular funções no baixo. Representa um retorno às origens com uma sonoridade mais consistente. É um disco atmosférico, com ares de outono e em alguns momentos hipnótico. O actual singleAnywhere” saiu no início deste mês. É o terceiro depois do tema de apresentação “All the Rage Back Home” e de “Everything is Wrong” que deu origem a um filme. Gravado em Manhattan a preto e branco com os elementos da banda e a namorada de Paul Banks a aparecer logo no início. A modelo Helena Christensen, aos 46, continua a gostar de rock. Nos anos 1990 ela viveu durante cinco anos com o malogrado Michael Hutchence dos INXS. Veja o filme de “Everything is Wrong”:

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Na caixa de correio dos Interpol ainda aparecem emails a fazer denúncias sobre criminosos procurados. Talvez a Interpol receba mensagens a pedir entrevistas e passes para concertos. Com o mesmo nome da organização internacional de polícia de 190 países, o grupo reuniu os talentos de quatro músicos que não tinham a mínima ambição de formar uma banda mundialmente conhecida. Tocavam apenas para se divertir entre aulas e exames na Universidade de Nova Iorque.

O guitarrista Daniel Kessler foi o elemento aglutinador do grupo. Em 1997 andava à procura de músicos para formar uma banda quando abordou o colega Greg Drudy nos corredores da universidade. Drudy estava ainda a aprender a tocar bateria por isso no início faziam sessões de jamming.

Kessler convidou depois Carlos Dengler que conhecera nas aulas de filosofia. Na época apenas procurava pessoas com quem tivesse algo em comum. Usava uns sapatos old-school da Doc Martens que herdou do irmão mais velho. Dengler andava com uns iguais e isso colocava-os em destaque num meio onde já ninguém usava aquilo. Levado pela aparência excêntrica do colega que usava roupa preta justa, cordões com crucifixo ao pescoço e cabelo desalinhado, Kessler apostava em mais um recruta. “Carlos D.” era já um conhecido DJ pelas atuações em alguns clubes. Ele sabia tocar guitarra mas acabou por se afirmar no baixo. Tomou conta dos teclados e até foi vocalista nos primeiros espetáculos do colectivo ainda sem nome definido.

O último a chegar foi Paul Banks, talento dividido entre o teatro, a guitarra e a escrita, a que se juntam performances como DJ Fancypants. Nasceu em Inglaterra mas a família mudou-se para Nova Iorque quando ele tinha apenas três anos de idade. Viveu no México e também em Espanha. Conheceu Kessler em Paris durante um programa de intercâmbio da universidade. Quando voltaram a encontrar-se em Nova Iorque Banks já atuava sozinho como cantor/compositor, mas aceitou integrar o grupo que viria a animar as noites de vários clubes na zona leste de Manhattan, entre 1998 e 2001. Abriram os concertos de inúmeras bandas e atuaram com os The Strokes e The Yeah Yeah Yeahs.

À procura de uma identidade apresentaram-se sob uma série de nomes diferentes como “Las Armas” ou “The French Letters” até adoptarem “Interpol”. O nome resultou aparentemente da alcunha de Paul Banks. Alguns amigos chamavam-lhe “Inter Paul” numa alusão ao seu percurso multinacional.

No final de 2000, a editora Chemikal Underground, a mesma de Mogwai e Arab Strap, garantiu a publicação de “Fukd ID #3”, o primeiro EP. Em seguida Drudy deixou a bateria e foi substituído por Sam Fogarino. Editaram mais três EPs por conta própria antes de serem contactados por um agente da Matador Records.

O álbum de estreia “Turn on the Bright Lights” em 2002 combina o registo melodramático com fatias de rock energético. A sonoridade específica das canções, escritas em “Ré” e “Si” menor, foi bem recebida pela crítica e provocou inevitáveis comparações com os grandes ícones da cena pós-punk dos finais de 1970 e inícios de 1980. No décimo aniversário da edição original a banda revisitou o primeiro disco nesta entrevista:

https://www.youtube.com/watch?v=noB6u54bZZM

O nome do disco sugeria uma eventual associação ao monumento instalado no “ground zero” do World Trade Center em memória da tragédia de 11 de setembro de 2001. Algumas canções como “NYC” ou “Say Hello to the Angels” contêm referências premonitórias mas o próprio Kessler clarificou em múltiplas entrevistas que o disco ficou pronto muito antes do ataque, em finais de 2000.

Seguiu-se o aclamado “Antics” em 2004 num tom semelhante, com linhas de guitarra progressivas e mais ousadas. O sucesso permitiu que a banda fosse apontada como cabeça de cartaz nos grandes festivais. Com vendas superiores a meio milhão de cópias, os dois primeiros álbuns dos Interpol são considerados obrigatórios na galeria de melhores discos da primeira década deste século.

Em 2007 chegou o contrato com a Capitol Records, que abriu caminho para o terceiro álbum. Com produção de Rich Costey (o mesmo de “Kintsugi” dos Death Cab for Cutie), “Our Love to Admire” foi a primeira composição em que usaram instrumentos eletrónicos. Graças à maior presença de teclados e à finesse melódica, a crítica dividiu-se entre a evolução contínua do som Interpol, por um lado, e a perda da identidade punk rock, por outro.

De novo com a Matador lançaram o homónimo “Interpol” em 2010. Após a conclusão do disco, Carlos Dengler abandonou o quarteto de forma amigável. Licenciado em filosofia, filho de pai alemão e de mãe colombiana, Dengler diz-se influenciado pelo estilo do baixista Peter Hook, da Joy Division e dos New Order. Também usa a guitarra quase ao nível do joelho e toca com uma palheta. Ter-se-à cansado do estrelato ao fim de 13 anos, quatro álbuns e muitas milhas.

Andavam em digressão há mais de um ano quando anunciaram uma pausa em 2011. Sem promessa de regresso, separaram-se para se dedicarem a projetos pessoais. Paul Banks gravou dois discos em nome próprio, o primeiro assinado pelo alter ego Julian Plenti. Fogarino também editou um álbum com outros dois músicos. Kessler formou o duo Big Noble com o sound designer Joseph Fraioli.

Após a reunião do trio no ano passado decidiram voltar a estúdio para compor novas canções. Fizeram um disco com menos de 40 minutos de duração, num processo criativo onde volta a sobressair o sentido de urgência das canções. “El Pintor” marca também os 18 anos de carreira dos Interpol. A digressão iniciada nos Estados Unidos chega à Europa em maio e deverá prolongar-se pelo resto do ano. Depois de terem ficado retidos durante mais de 50 horas no autocarro por causa de uma tempestade de neve, a noite do Porto a 4 de junho promete ser de Primavera.

Veremos se os fãs tiram as mãos dos bolsos para dançar ao som de “All the Rage Back Home” como fazem quando soam “C’mere” e “Obstacle 1”. Será uma boa oportunidade para conferir se os alfaiates do indie rock reencontraram a sua alma sonora.

interpolnyc.com / NOS Primavera Sound