Milhares de mulheres dos musseques de Luanda saem de casa às primeiras horas da manhã para procurar água, que levam depois em bacias à cabeça, uma hora a pé, várias vezes ao dia, mas que sabem não ter qualidade.

Sem água canalizada em casa, nos bairros nos arredores do centro histórico da capital, famílias inteiras convivem com a necessidade de consumir água recolhida em fontenários públicos, a mesma que afirmam estar na origem das diarreias, febres e mesmo malária.

Elisângela Neves, de 19 anos, tem uma filha pequena e todos os dias chega a fazer sete viagens a pé, de mais de 30 minutos, para acartar água para as necessidades da casa.

De bacia à cabeça, tenta fintar o trânsito, as lamas e outros perigos, por entre as ruas em terra batida e esburacadas do bairro do Sambizanga. No final sabe que a água não está em condições para ser consumida, mas ainda assim não tem outra solução.

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“Não é boa, traz doenças nas crianças, diarreias, paludismo [malária] “, reconhece à Lusa a jovem mãe.

Também Madalena de Carvalho ainda faz duas a três viagens por dia a pé para arranjar água para uma casa com seis filhos, apesar dos seus 70 anos. Só nos dias melhores, de bom negócio na praça, consegue pagar ao moço’ do bairro para encher os bidões no fontanário mais próximo.

“A água não é boa, vem toda turva e castanha. Mas não temos outra, mete só um bocadinho de lixívia, vamos fazer o quê”, atira.

A situação é reconhecida pelo Governo angolano, que destinou um investimento de 4,6 mil milhões de euros, entre 2013 e 2017, na execução de programas relativos ao fornecimento de água à população, nomeadamente às populações rurais.

Ainda assim, mesmo nos bairros com fontenário próprio, onde milhares de famílias se abastecem, as consecutivas e prolongadas falhas obrigam a procurar água nos bairros vizinhos.

E só o problema da qualidade se mantém: “A água não é boa para beber, é muito turva. E quando a consumimos faz muita diarreia, vómitos”, conta à Lusa Domingas Manuela, de 45 anos.

Comprar água engarrafada, mais de um euro por litro, é uma solução para poucos, até porque para famílias como a de Domingas, em que numa casa de chapas e madeira vivem dez pessoas, o custo é incomportável.

Por isso, paga aos jovens do bairro para irem buscar 12 bidões de água ao fontenário mais próximo. Água que serve para as necessidades de quatro dias.

“É só para a cozinha e para lavar a roupa”, diz, por seu turno, Conceição Nunes, que aos 40 anos faz quatro viagens por dia para levar água para uma casa com cinco filhos.

Além de quilómetros que percorrem a pé pelas ruas dos bairros da capital, de bacia na cabeça, estas mulheres enfrentam também, por vezes, a disputa da pouca água que o fontenário público deixa correr para a sempre habitual muita procura, numa província com 6,5 milhões de habitantes.

“Mais difícil para conseguir água é quando o chafariz está muito cheio. As pessoas ficam muito agitadas”, confessa Maria da Conceição, de 54 anos, com quatro filhos a quem tem de servir água, a mesma que sabe estar na origem das diarreias lá de casa.

“Fazer o quê”, questiona-se, conformada, mas alimentando o sonho de um dia ainda ter água canalizada em casa.