“A Assembleia da República não é, por natureza, competente para se pronunciar sobre perda de mandatos a assembleias terceiras, nomeadamente sobre perda de mandato ao Parlamento Europeu, nem lhe foi expressamente fixada essa competência por lei prévia, não podendo pois intervir no procedimento, na ausência de comando que lhe confira essa competência.”
É desta forma que o Parlamento responde à queixa feita pelo Movimento Partido da Terra (MPT) à Assembleia da República para retirar o mandato de eurodeputado a Marinho e Pinto, na sequência de ter fundado um novo partido, diferente daquele através do qual conseguiu um lugar em Estrasburgo. Ou seja, o Parlamento nacional não recomenda a perda de mandato porque não acha ser da sua competência decidir essa questão.
Por isso, Marinho Pinto fica. Pelo menos até às eleições legislativas, onde vai concorrer como líder do recém-fundado Partido Democrático Republicano (PDR) na expectativa de conseguir um lugar de deputado na Assembleia da República. Na verdade, a avaliar pela legislação portuguesa e europeia atualmente em vigor, ninguém é competente para retirar o mandato de eurodeputado a Marinho e Pinto. É preciso clarificar a lei, diz ainda o Parlamento.
No parecer, elaborado pelo deputado socialista Pedro Delgado Alves, e aprovado esta manhã na comissão parlamentar para a Ética, Cidadania e Comunicação, conclui-se não só que o tema não está debaixo da alçada da Assembleia, como também que o direito da União Europeia não prevê como motivo de perda de mandato de um eurodeputado o facto de se ter inscrito num partido diferente pelo qual foi eleito. Há uma ressalva, contudo, que é o facto de a legislação comunitária admitir que isso pode entrar no domínio do direito dos Estados-membros individualmente.
“O Direito da UE não consagra como causa de perda de mandato dos deputados ao Parlamento Europeu a inscrição em partido diferente daquele pelo qual foi eleito, ainda que admita que o direito nacional disponha nesse sentido, ao remeter no n.º3 do artigo 13.º do Ato de 20 de setembro de 1976 para outras causas de perda de mandato previstas expressamente no direito dos Estados-membros”, lê-se.
Mas também nesse ponto, o Parlamento português considera que não se pode daí depreender que o eurodeputado deve perder o mandato, uma vez que a legislação nacional não prevê essa situação “de forma expressa”. “O direito interno português prevê aquela causa de perda de mandato de forma expressa apenas para os casos de deputados eleitos para a Assembleia da República, para as Assembleias Legislativas das Regiões Autónomas ou para os eleitos locais”, conclui-se. Ou seja, só os deputados eleitos para Estrasburgo ficam de fora deste regime jurídico.
Mais: as remissões operadas pelo Estatuto dos Deputados ao Parlamento Europeu para o Estatuto dos Deputados à Assembleia da República não abrangem a consequência direta da perda de mandato com o fundamento da filiação noutro partido. A não ser que haja um “comando expresso” nesse sentido, nomeadamente por exigência da Constituição, em função dos princípios básicos dos direitos, liberdades e garantias, lê-se no parecer. O Tribunal Constitucional, no entanto, também já se pronunciou sobre o tema e considerou igualmente que não tem competência para retirar o mandato.
Perante vazio legal, Parlamento sugere alterações
Neste sentido, e sem nada a fazer quanto ao caso do ex-bastonário da Ordem dos Advogados, o parecer hoje votado na comissão de Ética sugere que se faça uma revisão do regime jurídico nacional que se aplica aos eurodeputados, para os deputados não voltarem a deparar-se com impasse semelhante.
O Parlamento sugere assim que a inscrição num partido diferente daquele pelo qual se foi eleito seja “fator que determina a perda de mandato dos deputados ao Parlamento Europeu”, tal como já acontece nos restantes casos de mandatos representativos. Tudo em nome da “defesa da lealdade democrática” e do respeito pela vontade expressa pelos eleitores”, para que não seja possível “adulterar essa vontade por opção de transfuguismo parlamentar”, lê-se.
Por fim, o Parlamento recomenda ainda que se esclareça legalmente qual é afinal a “autoridade nacional” com competência para comunicar ao Parlamento Europeu as matérias relativas às “vicissitudes” a que podem estar sujeitos os mandatos dos eurodeputados portugueses.