Os negócios entre o Brasil e Portugal cresceram visivelmente nos últimos anos. Um dos responsáveis por esse crescimento foi inegavelmente Lula da Silva, o ex-presidente brasileiro, que valorizou as ligações a Portugal. Quando se descobrem casos suspeitos do outro lado do Atlântico é normal que alguns deles cheguem a Portugal. Mas o Lava Jato, o escândalo de corrupção que agora agita o Brasil (depois do Mensalão e do Petrolão) não se cruza apenas com um processo, mas sim com vários. Uma teia de relações entre empresas e pessoas que o Observador tentou simplificar em 5 gráficos.

No cruzamento de linhas do Brasil para Portugal (com passagens por África e Suíça), o Lava Jato entra pelo processo Operação Marquês dentro, pelo qual estão detidos José Sócrates (prisão preventiva), Armando Vara, ex-administrador da CGD, Joaquim Barroca, ex-administrador do Grupo Lena, e o empresário Carlos Santos Silva (todos em prisão domiciliária).  Toca também no caso Monte Branco, via Akoya, a empresa suíça gestora de fortunas representada em Portugal por Francisco Canas. É no âmbito deste processo que, entre muitos outros, é arguido Ricardo Salgado, que teve de pagar uma caução de três milhões de euros para aguardar julgamento em liberdade. E nem o BPN escapa, uma vez que o banco de Oliveira e Costa (que aguarda julgamento em prisão domiciliária) seria usado para a circulação de dinheiro.

Até Passos Coelho acabou por ser citado, alegadamente por ter recebido de Lula da Silva um pedido para interceder a favor da Odebrecht aquando da privatização da EGF. A construtora brasileira acabou por nem concorrer e Passos negou que Lula lhe tivesse metido qualquer “cunha” a favor de empresas brasileiras.

E ao mesmo tempo que se multiplicam as notícias e as ligações entre Lula da Silva, o processo Lava Jato, a empresa Odebrecht e os processos em investigação em Portugal, a Procuradoria-Geral da República portuguesa já confirmou ter recebido um pedido de ajuda das autoridades brasileiras e garantiu o seu apoio à investigação que acaba de incluir o próprio Lula da Silva. “Confirma-se a receção de pedido de cooperação judiciária internacional, através de carta rogatória”, diz a Procuradoria-Geral da República (PGR). Mas o caso parece ir muito além da simples suspeita de tráfico de influências do ex-presidente brasileiro como representante da construtora Odebrecht, quando deixou o cargo no Palácio do Planalto.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Comecemos pelo Brasil e pelas últimas notícias sobre o caso. São de sexta-feira, primeiro, quando se soube que Lula da Silva ia mesmo ser investigado. E depois de domingo, quando se conheceram alguns telegramas diplomáticos que envolviam o ex-presidente do Brasil em várias ligações que iam além do lobby a favor da construtora brasileira Odebrecht. O ex-presidente é investigado por suspeitas de tráfico de influência em transação comercial internacional.

A Odebrecht, uma das maiores construtoras do Brasil, está no centro de uma das maiores redes de corrupção no Brasil, a Operação Lava Jato. O seu presidente, Marcelo Odebrecht, está detido desde 19 de junho, juntamente com mais 7 executivos da empresa. São suspeitos de fraude, lavagem de dinheiro, corrupção ativa e passiva, crime contra a ordem económica e organização criminosa. Na mesma investigação, diga-se de passagem, foram também detidos o presidente da Andrade Gutierrez e oito outras pessoas da empresa que esteve ligada aos negócios entre a PT SGPS e a brasileira Oi. Apesar disso, a empresa fez chegar ao Observador o seguinte comunicado: “Andrade Gutierrez reafirma que não tem ou teve qualquer relação com os fatos investigados pela Lava Jato. A empresa reitera que nunca participou de formação de cartel ou fraude em licitações, assim como nunca fez qualquer tipo de pagamento indevido a quem quer que seja. A empresa reafirma ainda que não existem fundamentos ou prova que justifiquem a prisão e o indiciamento de seus executivos e ex-executivos. A Andrade Gutierrez volta a afirmar que sempre esteve à disposição das autoridades para colaborar com as investigações e esclarecer todas as dúvidas o mais rapidamente possível, restabelecendo de vez a verdade dos fatos e a inocência da empresa e de seus executivos.”

Voltando a Lula. Dois telegramas analisados pela Polícia Federal brasileira vieram sustentar a suspeita do Ministério Público do Brasil e o pedido de ajuda a Portugal. E porquê? A rede de ligações de Lula da Silva, e de empresários detidos no âmbito do processo Lava Jato, a empresários e altos quadros do Estado portugueses, que por sua vez estão envolvidos nos processos investigados em Portugal, começam a surgir, umas atrás das outras.

As viagens de Lula de Silva

Viagens de Lula da Silva

Lula da Silva terá utilizado as suas viagens pelo mundo para ajudar a construtora brasileira Odebrecht, da qual se tornou representante após deixar de ser presidente brasileiro, em várias frentes. Mas Lula terá ido além do simples lobby. Terá usado os seus conhecimentos para interceder a favor da empresa. Em Cuba e em países africanos, entre 2011 e 2014, terá colaborado para a angariação de novos contratos para a empresa. Essa é uma das razões para o ex-presidente ser suspeito de tráfico de influências em transação internacional dentro do processo Lava Jato.

Mas não só. Lula da Silva terá intercedido a favor da construtora para que o Banco Nacional de Desenvolvimento Económico e Social (BNDES), ligado ao Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior do Brasil, financiasse obras da empresa, mas fora do país. O aeroporto de Cuba é um exemplo. Em troca, a Odebrecht terá pago contrapartidas a Lula da Silva.

Quando se deslocou a Portugal, as viagens do ex-presidente terão sido pagas pela Odebrecht. Seis das deslocações, pelo menos, terão sido suportadas pela empresa brasileira. Numa dessas viagens, em 2013, Lula da Silva apresentou o livro de José Sócrates, “A Confiança no Mundo”. O presidente da Odebrecht Portugal, Fábio Januário, garantiu ao Expresso, que aquela viagem financiada pela construtora foi apenas para trazer Lula às comemorações dos 25 anos da empresa.

A apresentação do livro teria sido apenas um extra, justificado com a relação pessoal entre Lula e Sócrates.

Mas terá havido mais. Num telegrama diplomático, datado de 25 de outubro de 2013, o Ministério Público brasileiro encontrou suspeitas. No documento, o embaixador brasileiro em Lisboa comenta com o ministério dos Negócios Estrangeiros do Brasil a visita de Lula da Silva a Portugal, nos dias anteriores: entre 21 e 23 de outubro. O documento deixa claro que o convite da viagem partiu da Odebrecht Portugal e revela reuniões em Lisboa com empresários brasileiros ligados à construtora. Investiga-se agora com que propósitos.

Lula da Silva e as conversas com Passos Coelho

Lula da Silva e Passos Coelho

O atual primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, também vê o seu nome associado às notícias sobre o processo Lava Jato, por alegadas conversas com Lula da Silva.

De acordo com um relatório da Polícia Federal brasileira, o ex-presidente brasileiro terá contactado Passos Coelho para demonstrar o interesse da construtora Odebrecht no processo de privatização da portuguesa Empresa Geral de Fomento (EGF) e para lhe pedir que intercedesse a favor dos brasileiros.

O negócio de privatização da EGF foi anunciado no início de 2014 e fechado em novembro do mesmo ano. Recorde-se que a Suma, consórcio liderado pela Mota-Engil, foi a vencedora e comprou a EGF por 149,9 milhões de euros. Nenhuma empresa brasileira chegou a concorrer.

Mas um segundo telegrama diplomático investigado pelas autoridades brasileiras, trocado em maio de 2014, entre o embaixador brasileiro em Lisboa e o ministro brasileiro dos Negócios Estrangeiros, analisa a privatização da EGF. E nele, o embaixador Mário Vivalva destaca que as empresas brasileiras Odebrecht e Solvi, em parceria com o grupo português Visabeira, tinham interesse no negócio. A atenção teria gerado “simpatia dos formadores de opinião em Portugal”. É depois desta informação que “a ação direta de Lula em favor da Odebrecht” terá sido referida, avança o Globo.

Por causa destas notícias, e das alegadas conversas com Lula da Silva, Passos Coelho teve de fazer um desmentido claro esta segunda-feira: “A empresa brasileira que é referida não apresentou candidatura”. A garantia de negação foi mais longe e o primeiro-ministro decidiu mesmo utilizar vocabulário corrente “para que todos percebam de forma direitinha: o ex-presidente do Brasil nunca me veio meter nenhuma cunha”.

Operação Monte Branco e Caso BPN

Francisco Canas

Mais conhecido por Zé das Medalhas, Francisco Canas, antigo quadro do banco suíço UBS, é suspeito por ter montado uma rede para fugir ao fisco e branquear capitais. O esquema, considerado o maior caso de fraude fiscal e branqueamento de capitais em Portugal, surge dentro da Operação Monte Branco (o único caso pelo qual Ricardo Salgado foi constituído arguido, tendo de pagar uma caução de três milhões de euros).

Canas estaria ligado aos administradores da Akoya Asset Management, Michel Canals, Nicolas Figueiredo e José Pinto, que foram detidos em maio de 2012 no âmbito deste processo. É que, através daquela empresa gestora de fortunas, a rede (que funcionaria entre Portugal, Cabo Verde e Suíça) incluiria um esquema de lavagem de dinheiro para os clientes portugueses, utilizada por pessoas influentes. Canas faria com que dinheiro não declarado em Portugal chegasse à Akoya Asset Management, a tal empresa de gestão de fortunas. Daí, o dinheiro regressava a Portugal já sem pagar impostos, através do Banco Português de Negócios (BPN). Outro dos grandes casos em investigação em Portugal.

Segundo o DCIAP, o caso começou a ser investigado “tendo por base factos identificados na investigação do caso BPN”, tendo sido detetados fluxos financeiros, ocorridos entre 2006 e 2012, que atingem cerca de 200 milhões de euros.

É aqui que entra a Bento Pedroso Construções, sucursal portuguesa da Odebrecht. A empresa era cliente de Francisco Canas e, através deste esquema de lavagem de dinheiro, terá movimentado, pelo menos, 6,1 milhões de euros.

Também Duarte Lima, ex-deputado do PSD, que foi condenado a 10 anos de prisão no processo Homeland (um processo que nasceu de um certidão paralela à investigação do BPN), era cliente de Francisco Canas.

Operação Marquês e Armando Vara

Armando Vara

Também Armando Varas, o mais recente arguido na Operação Marquês – o processo que mantém José Sócrates em prisão preventiva – poderá estar ligado a negócios no processo Lava Jato.

Como se sabe, Vara foi administrador da Caixa Geral de Depósitos (CGD) entre 2005 e 2007, e é suspeito de ter intercedido no financiamento do resort de Vale do Lobo, negócio investigado na Operação Marquês, pelo qual o ex-ministro socialista estará em prisão domiciliária.

Mas o alegado conflito de interesses parece não ser único. E chega à Camargo Corrêa – nomeadamente ao ramo da construção.

Comecemos pelo princípio. Entre 2005 e 2007, a CGD adquiriu participações na cimenteira portuguesa CIMPOR: 1,21% em 2005 e 0,87% no ano seguinte. Em 2007, o banco público vendeu o total, 2,08%, que tinha comprado. A CIMPOR é propriedade da Camargo Corrêa, fazendo parte do ramo cimenteiro da empresa brasileira, desde 2012 (com o mesmo acionista de referência da construtora). Dalton Avancini, que era presidente da construtora brasileira, abandonou o cargo quando o seu nome saltou para o processo Lava Jato. O ex-presidente está em prisão domiciliária e a Camargo Corrêa é agora liderada por Artur Coutinho.

E é aqui que Armando Vara poderá estar, novamente, no centro das atenções por alegado conflito de interesses. Quando abandonou a CGD, o ex-ministro entrou para o Banco Comercial Português (BCP) como vice-presidente. Em novembro de 2009, quando foi constituído arguido no Processo Face Oculta (condenado a 5 anos de prisão efetiva, aguarda recurso), o ex-ministro abandona o cargo.

Mas no ano seguinte, Armando Vara é convidado para presidente do conselho de administração da Camargo Corrêa em África. O ex-ministro foi administrador da construtora entre 2010 e 2014. Dalton Avancini (ex-presidente da empresa, agora em prisão domiciliária) foi seu patrão durante essa época.

TGV e Operação Marquês

TGV

O projeto do TGV, aprovado no governo de José Sócrates, caiu com a chegada da crise e intervenção da troika

A Bento Pedroso Construções, sucursal portuguesa da Odebrecht, integrava ainda o consórcio ELOS, vencedor da construção do troço Poceirão Caia do TGV. Do ELOS, fazia ainda parte o Grupo Lena. Recorde-se que o controverso negócio do TGV ficou suspenso com a intervenção da troika em Portugal e foi chumbado pelo Tribunal de Contas.

O Grupo Lena tem aparecido ligado diversas vezes ao processo Operação Marquês. O seu ex-administrador, Joaquim Barroca, está em prisão domiciliária. Terá sido através da empresa de Leiria que o empresário amigo de José Sócrates, Carlos Santos Silva (também em prisão domiciliária), terá feito grande parte dos negócios suspeitos no caso pelo qual está detido o ex-primeiro-ministro.

Esta terça-feira o Grupo Lena emitiu um comunicado onde afirma: “Não existe nenhuma ligação do Grupo Lena à Odebrecht no mercado brasileiro, onde a nossa atividade se cinge apenas à construção civil”. Em relação às ligações com o consórcio Bento Pedroso, a administração do grupo de Leiria explica que “apenas fez duas obras em consórcio com a Bento Pedroso”, uma delas pública, a construção do prolongamento da Linha Amarela do Metro do Porto.

Sobre o TGV e o consórcio ELOS, onde tinham uma participação de 13%, referem o que já se sabe: que nada chegou a avançar. “O Grupo Lena lamenta que queiram envolvê-lo em situações sem qualquer tipo de racional ou sustentação, às quais é alheio”, remata.

Cabe agora às autoridades brasileiras, com a ajuda do Ministério Público português, conseguir unir as pontas de tantas linhas cruzadas. Que podem continuar a ser apenas isso: um emaranhado de ligações, cujo nexo está por provar.