Por estes dias, o parque Maximilien, na capital da Europa, transformou-se num campo com dezenas e dezenas de tendas e centenas de refugiados que chegam do Iraque, Síria, Eritreia, Somália, Afeganistão. Neste gigantesco dormitório a céu aberto, junta-se a miséria do mundo e a generosidade dos belgas. Os cidadãos de Bruxelas estão a mobilizar-se para prestar apoio e dar o mínimo de dignidade a estas pessoas.

Numa reunião este sábado entre o primeiro-ministro, o presidente da Câmara de Bruxelas e várias ongs foi alcançado um consenso sobre a necessidade de desmantelar o acampamento de forma “progressiva e organizada” nos próximos dias, e instalar as pessoas num local com condições.

Tendas e refugiados contrastam com os arranha-céus que rodeiam este parque do ultra moderno bairro norte, centro de negócios da capital belga com as suas torres de escritórios e enormes edifícios onde estão sediadas grandes empresas.

Ali estão, a escassas centenas de metros do centro da cidade, a 10 minutos de carro do bairro das instituições da UE. Optam por ficar no parque, porque o organismo nacional que regista os pedidos de asilo e trata das autorizações de residência, o Office des Etrangers, está mesmo em frente, do outro lado da rua.

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O fluxo de chegadas ao país não para, os centros de acolhimento não têm mãos a medir e não há lugares para todos. Há dias, as autoridades ainda disponibilizaram um edifício ali perto mas só está aberto de noite, não tem duches nem comida, e quase ninguém lá vai dormir. Mas este edifício, equipado com duches e distribuição de alimentos, poderá ser o indicado para receber as pessoas, se avançar o desmantelamento do campo.

Durante estes dias, a solução tem sido mesmo ficar no parque. Cedo pela manhã, começam as filas de centenas de pessoas para apresentar os pedidos no Office des Etrangers. Nem todos conseguem ser atendidos e é necessário voltar no dia seguinte. Há muitos homens jovens e de meia-idade, mas também há mulheres e famílias com crianças pequenas. Quantos são? Ninguém sabe ao certo. As estimativas apontam para várias centenas. No acampamento o vaivém é constante, entre os que chegam e os que partem. Num enorme pano pendurado entre duas árvores lê-se: “Todos os refugiados bem vindos”.

O campo aumentou nos últimos dias e as condições de higiene são extremamente precárias. Apesar do movimento constante de pessoas, rapidamente se constata a inquietação e a tristeza nos rostos. A agitação quase ilude a razão de ser deste acampamento: aqui espera-se, só resta isso. Esperar pelo estatuto de refugiado, pelo asilo. Entretanto, há fome. Em várias barracas é distribuída comida, sobretudo conservas, alimentos empacotados, bebidas quentes, uma peça de fruta. Por ali perto, uma voluntária remexe uma enorme panela num fogão de campismo. Há voluntários a ajudar por todo o lado e em diversas tarefas, reconhecem-se pelos coletes verde florescente.

Há a tenda dos cuidados médicos, e mais ao lado tudo está preparado para haver distribuição de novas tendas. Aqui está Hassan que chegou há dias do Iraque. Fugiu de Bagdade por causa das milícias. A melhor forma que encontra para esquecer a espera é ajudar os outros na distribuição de tendas e dar informações aos que vão chegando. É difícil falar com ele, está constantemente a ser solicitado.

Ali ao pé, um grupo de homens estica a cabeça à frente do local de triagem da roupa, tentando perceber que peças de vestuário estão a ser distribuídas, e o que lhes vai calhar. Há pessoas a dormir no chão, outras sentadas, à espera. Noutra barraca, membros de uma associação organizam uma sessão de esclarecimento sobre os procedimentos relativos ao pedido de asilo. Há por todo o lado cartazes com indicações em francês, inglês e árabe. Os voluntários que falam árabe são muito requisitados para a interpretação e tradução.

Mais adiante, jovens e crianças jogam à bola num pequeno campo de futebol que já fazia parte do parque. Ouvem-se os risos de uma pequena multidão que assiste a um espectáculo de palhaços oferecido por uma associação de voluntários. Numa zona lateral do parque estão meia dúzia de contentores que servem de casa de banho. É também por ali que um grupo está atarefado em trabalhos de carpintaria, mesas de madeira estão a ser construídas.

Por todo o lado, grupos de pessoas conversam, muitos em árabe. Alguns arriscam umas (poucas) palavras em inglês. Como Mohamad, 19 anos, que fez uma longa viagem de um mês. Deixou o seu país, a Somália, passou pela Líbia, atravessou de barco o Mediterrâneo e “subiu” a Europa até ao parque Maximilien. O que espera agora? “Que me tratem bem. Poder ficar bem aqui”, limita-se a responder.

A escola do acampamento

São inúmeros os relatos da angústia e do desespero. E repetem-se. Mas às vezes não são necessárias palavras para contar o sofrimento por que alguns passaram. Basta um desenho de uma criança. Na “escola” do acampamento há vários desenhos expostos que revelam o drama que os mais novos viveram até chegar à Europa.

Isabelle, a “directora” da “escola”, mostra alguns desses desenhos e exclama: “Acho que não é preciso dizer mais nada”. É constantemente interpelada, vai dando instruções ao mesmo tempo que responde a perguntas. Ajuda “simplesmente porque lhe parece normal”. “Acolhemos as crianças para elas poderem pensar noutras coisas. Oferecemos actividades como pintura, plasticina, puzzles, leitura e aulas de francês”. “Estas crianças precisam de calor e de reconforto. Há crianças que choram, outras que já não sorriem. Gostaríamos de ter aqui psicólogos, pedo-psiquiatras e outros técnicos que falem árabe e que possam acompanhar estas crianças”.

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As voluntárias estão atarefadas. Como Hayat, educadora no pré-escolar, e que decidiu colocar competências e solidariedade ao serviço destes refugiados. É necessário acorrer aos pedidos, às perguntas, aos que chegam, aos donativos. Dentro da “escola”, tentaram recriar um lugar acolhedor, parecido com uma sala de aula, onde até há uma biblioteca. Também há professores voluntários que falam francês, neerlandês e árabe. Numa mesa da tenda, duas crianças desenham e trocam palavras em árabe com uma voluntária. A poucos metros dali, faz-se a triagem dos donativos: cadernos, lápis e canetas, livros, brinquedos. Em frente, numa longa mesa de campismo mulheres maquilham crianças com pinturas artísticas.

Os refugiados e outros migrantes que se encontram no parque Maximilien estão a receber assistência de várias organizações, designadamente a autarquia de Bruxelas, a Cruz Vermelha e os Médicos Sem Fronteiras. Mas o que salta aos olhos é mesmo a generosidade demonstrada pelos belgas. A situação no acampamento gerou um élan de solidariedade na sociedade. Muitos cidadãos mobilizam-se de forma espontânea e deslocam-se até aqui com todo o tipo de ajuda. Há constantemente pessoas a chegarem com donativos ou a oferecer trabalho voluntário no acampamento.

Apesar da miséria, da pobreza extrema, da angústia e da espera sem fim que se vive, o acampamento vai funcionando. Mas alguns já receiam que esta situação se torne permanente e o campo se transforme num gueto.