A escolha do tema para o programa “Prós e Contras” (RTP) – “Há ou não partidarização e politização da justiça?” – deixou os socialistas à beira de um ataque de nervos. Com a prisão de José Sócrates na cabeça de todos e a frase de Paulo Rangel ainda ecoar nos ouvidos dos intervenientes, o debate conduzido por Fátima Campos Ferreira acabou por ficar marcado pela troca de galhardetes entre Miguel Sousa Tavares e Octávio Ribeiro, diretor do Correio da Manhã [CM]. “Aquilo a que pomposamente o Octávio chamou de investigação jornalística do [CM] limita-se a receber as informações das fontes“, atirou o primeiro. “Se tu nunca fizeste jornalismo de investigação isso é um problema teu, se quiseres visitar o CM eu mostro-te como se faz“, respondeu o segundo.

Na Fundação Champalimaud, em Lisboa, a jornalista Fátima Campos Ferreira tomou a palavra para lembrar que o “Prós e Contras” manteve sempre, ao longo dos seu 13 anos de existência, “uma matriz independente” e uma “forma de estar no jornalismo independente e séria” – palavras que podem ser lidas como uma resposta às críticas de vários socialistas, que chegaram a acusar a RTP de ter feito “uma opção partidária” com o objetivo de “atacar o PS, maltratar os seus militantes e provocar os seus votantes“.

A partir daí, Miguel Sousa Tavares e Octávio Ribeiro roubaram o palco. O jornalista começou por argumentar que “não há partidarização da justiça”, mas que existem “duas coisas claras: a judicialização da justiça e a politização da justiça de dentro para fora”, acusando “os magistrados, enquanto corporações que são”, de terem “uma agenda política própria” e de terem “capturado o Estado”. E acrescentou:  “A pior perversão do Estado de Direito é a tentação de uma ‘República de Juízes’. Entre as duas coisas há uma fronteira muito ténue: a fronteira é os juízes deixarem de ser juízes e passarem a ser justiceiros“. Pelo meio, o escritor denunciou aquilo que acredita ser uma relação pouco saudável entre magistrados e jornalistas, referindo-se às sucessivas violações do segredo de justiça.

Ora, Octávio Ribeiro não gostou do que ouviu. O diretor do CM começou por lembrar que “o jornalismo atinge os seus momentos mais nobres quando investiga e trabalha à frente seja do que for” e que “o segredo de justiça é um conceito contra-natura para o jornalista”, que mantém o dever deontológico de informar sempre que tal se revista de interesse público. Os argumentos não convenciam Miguel Sousa Tavares e o diretor do Correio da Manhã partiu para o ataque: se antes respeitava o escritor, deixou de o fazer depois de Sousa Tavares ter caído numa “cegueira de fé em relação a José Sócrates” e de se ter “enredado numa teia de compromissos” em relação ao BES. “Tens ligações familiares [a Ricardo Salgado]”, chegou a dizer Octávio Ribeiro.

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O caldo estava entornado e os outros intervenientes passaram quase a figurantes.

— “Aquilo que o CM faz não é jornalismo. Isso é vender jornais”, dizia Sousa Tavares.

— “Pode-te incomodar o facto de José Sócrates ter um nível de vida que lhe exigem 15 a 20 mil euros por mês“, respondia Octávio Ribeiro, defendendo a investigação jornalística do CM – independente à investigação judicial, insistia.

— “Não consigo dormir“, ironizava Sousa Tavares, já depois de ter acusado Octávio Ribeiro de ter uma relação privilegiada com a equipa de investigação da Operação Marquês. “Aquilo a que pomposamente o Octávio chamou de investigação jornalística do CM limita-se a receber as informações das fontes. Quando toca o telefone do teu gabinete [para divulgar dados da investigação] não são os advogados de José Sócrates“.

— “Se tu nunca fizeste jornalismo de investigação isso é um problema teu. Se quiseres visitar o CM eu mostro-te como se faz. Se nunca deste uma notícia, ainda estamos a tempo de corrigir isso”.

— “Não me queres convidar para ser estagiário, pois não?”

— “Diz-me uma notícia tua que mexeu com alguém neste país que tinha poder“, atirava Octávio Ribeiro.

O debate acabou por centrar-se, sobretudo, na “tabloidização da justiça”, com Miguel Sousa Tavares a perguntar diretamente a Otávio Ribeiro se gostaria de ser “filmado pela CMTV” a ser preso e com o diretor do CM a admitir, a certa altura, que “havia uma casta de pessoas, nomeadamente na área política mas também na financeira, que eram pouco menos que intocáveis“.

O advogado Magalhães e Silva, por sua vez, chegou mesmo a dizer que o “poder judicial está refém da comunicação social naquilo que diz respeito à administração da justiça”. Uma tese defendida, em parte, pelo também advogado Paulo Farinha Alves, que lembrou que a “justiça tem um tempo de resposta e de aplicação das suas reformas que não é compatível com as exigências das redes sociais ou da comunicação social”.

Nuno Garoupa, jurista e presidente da Fundação Francisco Manuel dos Santos e professor de Direito na Universidade do Texas A&M, tentou centrar o debate. “Eu não vim aqui discutir justiça e comunicação social“. E partiu para a sua análise: estamos numa realidade em que as magistraturas não “são chamadas a prestar contas” sobre as decisões que tomam. E que a classe política está manietada, com receio de ser acusada de tentar condicionar o sistema judicial. “Estamos numa situação em que os partidos estão de tal forma condicionados por esta questão que nenhum propõe qualquer reforma do Ministério Público”.

Uma posição partilhada, de resto, por todos os intervenientes no debate, com Elina Fraga, bastonária da Ordem dos Advogados, à cabeça. “Temos assistido com alguma ausência total de debate às propostas sobre as propostas dos diferentes partidos sobre a Justiça em Portugal. Falar em justiça é um assunto tabu“, reforçava.