Francisco de Oliveira Dias (CDS) e Fernando Amaral (PSD) foram eleitos presidentes da Assembleia da República sem pertencerem aos partidos com o maior número de mandatos no Parlamento. Como? Os seus partidos, embora minoritários, integravam a coligação de Governo. A eleição de Ferro Rodrigues fez com que PSD e CDS falassem em “quebra de tradição”. Na Assembleia da República e nas redes sociais, o PS e o PCP retorquiram afirmando que a tradição vigente foi quebrada há muitos anos.

Alguns deputados que estavam na Assembleia da República aquando das eleições de Francisco de Oliveira Dias e Fernando Amaral não se recordam de quaisquer incidentes ou contestação à eleição destas figuras e a resposta foi unânime: “Sem problemas”. Ribeiro e Castro, ex-deputado do CDS e que nessa altura já exercia o seu mandato na Assembleia da República, distinguiu o caso de Francisco de Oliveira Dias, deputado centrista que exerceu o seu mandato como presidente do Parlamento entre 1981 e 1983, da atual situação vivida por Ferro Rodrigues e o que aconteceu em 1981. “Oliveira Dias era um presidente do CDS, mas pertencia à AD [Aliança Democrática] que detinha maioria absoluta e foi votada como coligação pré-eleitoral, as listas eram conjuntas”, sublinhou o antigo deputado.

Para um deputado socialista nos anos 80 que prefere não ser identificado, as situações “são muito diferentes”. “Não me lembro de quaisquer complicações na altura. Uma comparação entre o caso de agora e os casos dos anos 80, não fazem sentido. Tanto Oliveira Dias, como Fernando Amaral partiam de uma base de maioria absoluta. Agora vivemos uma situação completamente nova”, afirmou ao Observador. Fernando Amaral, deputado do PSD foi eleito presidente da Assembleia entre 1984 e 1987, iniciando o seu mandato num Governo de Bloco Central e mantendo-se durante o Governo minoritário de Cavaco Silva.

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Nuno Abecassis, então presidente da Câmara de Lisboa, e Francisco de Oliveira Dias (à direita)

Ribeiro e Castro lembra que Francisco de Oliveira Dias era um parlamentar “respeitado” por todas as bancadas do Parlamento. “Não havia nenhuma crítica contra ele, mantinha muito boas relações com todas as bancadas e tinha muita experiência. Além disso, era uma pessoa muito respeitada porque perdeu a mulher durante o cerco à Assembleia da República em 1975, pois ela sofria do coração e com o susto do cerco de 12 de novembro, acabou por falecer“, afirmou ao Observador.

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Enquanto Oliveira Dias foi presidente por uma sessão legislativa, ou seja, cerca de um ano entre a abertura e encerramento para férias da Assembleia da República, Fernando Amaral foi durante um período mais longo de cerca de três anos. Atualmente, os presidentes são eleitos para toda a sessão legislativa, ou seja, até que se voltem a realizar eleições.

Presidentes de Governos de minoria e distribuição de lugares

Apesar destes nomes da direita serem os mais falados atualmente, o PS conseguiu eleger presidentes da Assembleia mesmo sem ter maioria e em alturas de Governos de minoria. Exemplos disso são Vasco da Gama Fernandes, primeiro presidente da Assembleia da República entre 1976 e 1978 que foi eleito durante o mandato de Soares – em Governo minoritário -, e no segundo mandato de Jaime Gama, entre 2009 e 2011, quando José Sócrates governava em minoria. Também Henrique de Barros foi eleito presidente da Assembleia da Constituinte, apesar de o PS não ter tido maioria absoluta nas eleições de 1975.

“Era uma combinação interna”, justifica fonte socialista, reforçando que na atual situação, Ferro Rodrigues foi votado sem haver certeza de uma alternativa à esquerda que possa vigorar nos próximos anos. O argumento de não haver qualquer tradição foi novamente utilizado esta quinta-feira pelo ex-ministro Augusto Santos Silva na sua página de Facebook, afirmando que em várias eleições anteriores, “os partidos políticos não seguiram nenhuma regra, explícita ou implícita, de reserva da presidência ao grupo com mais deputados”.

Santos Silva

Ribeiro e Castro lembrou ainda que antes do Governo de Bloco Central, que durou entre 1983 e 1985, lugares como o assento no Conselho de Estado, eram distribuídos entre as forças políticas representadas no Parlamento – PS, PCP, CDS e PSD -, possibilitando aos partidos com menos votação chegarem a cargos importantes de representação da Assembleia em órgãos nacionais e internacionais. Contudo, desde o entendimento entre PS e PSD, esses cargos passaram a ser distribuídos apenas pelas principais forças, na proporção de dois ou três lugares, consoante o partido que consegue melhores resultados. O PCP teve recentemente assento no Conselho de Estado, mas a convite pessoal do então Presidente, Jorge Sampaio.