O escândalo de fuga de informação sensível do Vaticano não irá fazer com que o Papa Francisco desista do seu objetivo, garante o próprio. Embora considere que o roubo dos documentos alegadamente por dois funcionários foi um “crime e um ato deplorável“, isso não o irá demover de continuar com a reforma da Igreja Católica, afirma a Reuters. Os documentos apresentados não o incriminam em nenhuma situação e, de resto, o próprio líder dos católicos já conheceria os dados apresentados no livro. Daí a importância de fazer estas reformas.

“Também quero dizer-vos que este facto triste não vai certamente distrair-me do trabalho de reforma que está em curso com a ajuda dos meus assessores e o apoio de todos vós”, disse o Papa Francisco aos fiéis na Praça de São Pedro durante oração de domingo.

Esta foi a primeira vez que o Papa se referiu ao caso: duas pessoas ligadas à Santa Sé, um alto funcionário e uma especialista em relações públicas — Dom Lucio Angel Vallejo Balda, de 54 anos, e Francesca Chaouqui, de 33 –, foram presos pela polícia do Vaticano, alegadamente por terem fornecido documentos a dois jornalistas italianos – Gianluigi Nuzzi e Emiliano Fittipaldi – que agora publicaram a informação em livro, refere a BBC.

Os dois livros publicados mostram a corrupção no Vaticano e a resistência da velha guarda às reformas que o Papa Francisco quer aplicar. A informação foi dada por dois dos oito funcionários que tinham sido escolhidos pelo líder da Igreja Católica para fazer parte de uma comissão que o ajudasse a realizar as reformas na gestão financeira e administrativa da Santa Sé. Algumas dessas reformas até já estão a dar frutos, segundo o líder católico. “O roubo destes documentos é um crime, é um ato deplorável que não ajuda.”

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“O Papa Francisco enche as praças, mas não é assim tão amado pelos mais altos bispos. Podem ver isso neste livro – nas cartas e nos documentos”, afirmou, citado pela BBC, Gianluigi Nuzzi que já antes tinha escrito sobre outros documentos secretos do Vaticano. “Quando o Papa quer fazer as reformas, elas são atrasadas. A burocracia no Vaticano é muito poderosa. É capaz de travar uma mudança.”

O membro da ordem religiosa Opus Dei Lucio Angel Vallejo Balda participou na primeira comissão, mas não foi escolhido pelo Papa Francisco para o segundo grupo, o que o terá deixado pouco satisfeito, segundo uma entrevista dada por Francesca Chaouqui, citada pela revista The New Yorker. A relações públicas foi recomendada por Vallejo Balda para a primeira comissão, mas o comportamento esbanjador da funcionária desiludiu o Papa, fazendo com que o monsenhor também descesse na consideração do líder católico, escreveu a The New Yorker. 

“Não é segredo que ele [Vallejo Balda] queria ser nomeado auditor geral do Vaticano”, disse Francesca Chaouqui depois de ter sido libertada, citada pela revista. “Quando não foi nomeado [para a nova comissão], começou uma guerra e, provavelmente, isto levou-o a entregar os papéis aos jornalistas. Mas eu não tive nada a ver com a fuga da informação.”

Emiliano Fittipaldi apresentou no livro “Ganância” o autor da denúncia, sem nunca referir o nome da fonte. “Tem de escrever um livro. Tem de escrever um livro também para o Papa Francisco. Ele precisa de saber”, terá dito o delator ao jornalista, enumerando vários casos, como refere a The New Yorker.

“Ele tem de saber que o Vaticano tem casas em Roma no valor total de quatro mil milhões de euros. Nessas casas não vivem refugiados, como o Papa poderia desejar, mas V.I.P. e pessoas com conhecimentos a pagar rendas ridiculamente pequenas.” No final do discurso, a fonte disse ao jornalista que esperava que ele tivesse trazido um carro porque tinha uma bagageira cheia de documentos.

Mas o que se passa no seio do Vaticano?

Um dos grandes objetivos do Papa Francisco é tornar a Igreja Católica uma igreja dos pobres para os pobres. Mas isto ainda está muito longe de acontecer, refere Emiliano Fittipaldi, citado pela BBC. 

“De facto, escrevo sobre uma Igreja que gere o dinheiro de uma forma muito ambígua, muito longe do que o Papa Francisco quereria”, conta o jornalista. “O Papa está a tentar ser bem-sucedido, mas há uma forte resistência contra ele. Atrás dele existe uma Igreja que não quer renunciar ao poder económico e à manipulação do dinheiro.”

A postura dos altos membros do clero é bem diferente das atitudes que o líder da Igreja Católica assume. E a BBC dá exemplos. Ainda antes de ser Papa, o Vaticano enviou-lhe um bilhete de primeira classe para vir de Buenos Aires para Roma para assistir ao conclave. O então cardeal Jorge Mario Bergoglio trocou-o por um bilhete em classe económica.

Mais, o Papa vive atualmente em instalações modestas com vista para uma rua pequena e as traseiras de uma bomba de gasolina, mas o cardeal reformado Tarcisio Bertone – antigo secretário de Estado do Papa Bento XVI –, segundo os documentos roubados, vive num apartamento de luxo com vista para a Praça de São Pedro que foi renovado recentemente — 200 mil euros alegadamente pagos por um fundo de caridade –, refere a BBC. Enquanto o Papa Francisco vive num apartamento de 50 metros quadrados, o cardeal californiano William Levada vive, alegadamente, num apartamento 10 vezes maior, acrescenta o Financial Times (FT).

Estes escândalos financeiros, que mobilizam o Papa Francisco para as reformas em curso, poderão ter motivado a saída precoce do Papa Bento XVI, especula a The New Yorker. Afinal, o mordomo do antigo Papa tinha sido apanhado a tentar passar alguns documentos secretos, num escândalo que ficou conhecido como Vatileaks.

O jornal britânico FT traz ainda mais exemplos. Faz ideia de quanto custa “encontrar” um novo santo? 500 mil euros, num dos casos 750 mil euros, refere o FT. O processo de análise histórica de um candidato, a verificação da existência ou não de um milagre, é moroso e dispendioso.

Sem exagerar podemos dizer que uma grande parte das nossas despesas está fora de controlo. É um facto. O gasto com pessoal cresceu 30% em cinco anos. Isso não está correto”, terá dito o Papa aos cardeais, segundo os documentos publicados por Gianluigi Nuzzi. “Um funcionário disse-me: ‘Se vêm com uma conta temos de pagar.’ Não, não pagamos. Se algo é feito sem concurso, sem autorização, não é pago“, continuaria o Papa, na citação do jornalista. “Os nossos fornecedores devem sempre ser companhias que garantam honestidade e ofereçam preços justos de mercado para os produtos e serviços. E muitos deles não garantem isso.”