TAP, concessões de transportes públicos, privatização da Empresa Geral de Fomento (EGF) e barragens por construir, estão entre os contratos que a proposta de programa socialista, já conhecida, pretende reverter e reavaliar. Algumas destas intenções ficam condicionadas ao não pagamento de indemnizações pelo Estado (como a reversão da venda da EGF) e várias estavam já previstas no programa eleitoral dos socialistas, ou seja, antes da negociação com o Bloco de Esquerda, PCP e Verdes.

A dimensão da fatura para o Estado, se recuar nestes projetos, será tanto maior, quanto mais efetivo for o grau de formalização da operação e quanto mais tempo tiver passado desde a decisão. Nessa medida, a reversão da privatização da Empresa Geral de Fomento, já concretizada e paga, e a reavaliação, por iniciativa do Governo, das barragens do Tâmega e do Mondego, que tiveram como contrapartida a entrega de cerca de 400 milhões de euros de licenças ao Estado, serão as decisões que podem sair mais caras. 

Mesmo nos processos não totalmente fechados, há riscos financeiros para os contribuintes. Ainda que a experiência recente mostre que o Estado demora anos a reconhecer essa responsabilidade e a assumi-la. Em qualquer caso, os privados têm sempre o direito de recorrer aos tribunais para pedir indemnizações. 

Mas a maior fatura pode não ser quantificável. O aumento da desconfiança em relação à segurança política e jurídica de decisões dos governos pode afastar investidores de Portugal. O preço dependerá também da abordagem que o futuro executivo adotar e se a estratégia apostar mais na via negocial, que pode demorar tempo a produzir resultados, ou na imposição. 

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O que defende a proposta socialista para a TAP 

O governo não permitirá que o Estado perca a titularidade sobre a maioria do capital social da TAP, encontrando formas – designadamente através de uma efetiva ação junto das instituições europeias e do mercado de capitais – de capitalizar, modernizar e assegurar o desenvolvimento da empresa, ao serviço dos portugueses e de uma estratégia de afirmação lusófona.”

Esta foi uma proposta mais ou menos consistente de António Costa cujo discurso, no entanto, evoluiu no sentido de reavaliar a operação se não salvaguardasse o interesse público. O argumento do interesse público é precisamente a cláusula de saída da operação de venda de 61% da TAP ao consórcio de David Neeleman e Humberto Pedrosa, que o anterior governo deixou na resolução da privatização. Mas, ainda assim, a sua invocação terá de ser fundamentada. 

O contrato de venda da TAP não prevê o direito do consórcio privado a uma indemnização, mas isso não significa que este não possa pedi-la no quadro da lei geral. E, neste domínio, os privados podem exigir o ressarcimento dos custos assumidos até então, neste caso o pagamento de dois milhões de euros já feito à Parpública, e os encargos relacionados com a proposta, dos quais os mais relevantes serão os relativos aos custos de mobilização de recursos financeiros junto da banca para recapitalizar a TAP. 

Se o fecho da operação for entretanto assinado, e a capitalização de 269 milhões de euros concretizada, então o próximo governo estará perante um facto consumado, do ponto de vista jurídico e financeiro. 

Apesar de David Neeleman ter descartado em junho a hipótese de ficar minoritário, o seu sócio português Humberto Pedrosa veio admitir, nesta terça-feira, em declarações ao Diário Económico, o contrário, embora sob condições. Uma delas seria a de assegurar uma gestão privada para a TAP. Horas depois, o dono da Barraqueiro esclareceu que afinal uma posição minoritária não é desejável. 

Ainda que os privados aceitem ceder a maioria, essa mudança irá dificultar a obtenção de financiamento para a recapitalização privada da transportadora. E uma solução que envolva fundos públicos numa companhia aérea onde o Estado manda terá sempre de ser negociada com a Comissão Europeia. E Bruxelas deve exigir uma reestruturação ou, pelo menos, uma dieta nos custos da companhia aérea.

O contrato final de venda da TAP está para ser assinado esta semana, ainda com o governo da coligação em funções, mas já em gestão corrente. Embora, do ponto de vista formal, a operação possa ser formalizada — há quem diga que só a Parpública tem de assinar da parte do Estado — esta será sempre uma decisão política.

E se um contrato final assinado não impede o próximo Governo socialista de reverter a privatização, dá mais força a um eventual pedido de compensação por parte dos privados.

O que defende a proposta socialista para as concessões dos transportes

O reforço das competências das autarquias locais na área dos transportes implica a anulação das concessões e privatizações em curso dos transportes coletivos de Lisboa e Porto.”

O processo das quatro subconcessões dos transportes públicos de Lisboa (Carris e Metro) e Porto (STCP e Metro do Porto) foi dos mais contestados pela Oposição ao anterior Governo e todos os partidos à esquerda exigem a sua reversão.

E se neste caso existem contratos assinados entre as empresas concedentes e os consórcios privados, o processo decisório dá alguma margem a um futuro governo que queira reverter a adjudicação. Pelo menos enquanto os quatro contratos não receberem o visto prévio do Tribunal de Contas (TdC), que é condição de partida e essencial para a sua validade. Um chumbo do Tribunal ajuda a anular o negócio. 

Os quatro dossiês já chegaram ao Tribunal de Contas (TdC). Os juízes já devolveram as subconcessões da Metro e Carris uma vez, com pedidos de esclarecimento, e os processos foram devolvidos a 4 de novembro, estando em apreciação, adiantou ao Observador uma fonte oficial do TdC. Já os contratos dos STCP e Metro do Porto deram entrada a 30 de outubro.

Mas, se uma recusa de visto prévio é fundamento legal que chegue para anular os contratos, isso não impede que o Estado tenha de vir a indemnizar a parte privada, pelos custos incorridos. Só que esse será um processo demorado. 

Quando o contrato de construção do primeiro troço de TGV (alta velocidade) caiu em 2011, por recusa de visto prévio, o consórcio entrou com um pedido de indemnização de 180 milhões de euros que está ainda a ser avaliado em tribunal arbitral. É muito provável que a compensação venha a ser muito inferior à pedida. 

Por outro lado, se o visto for dado entretanto, os privados têm mais argumentos para pedir uma indemnização, designadamente por lucros cessantes. Em Lisboa, a espanhola Avanza, que ganhou o Metro e a Carris, deveria receber um pagamento da ordem dos 130 milhões anuais por oito anos.

No caso dos transportes está também em causa a devolução das cauções entregues pelos privados, no valor global de 60 milhões de euros, para além dos custos relacionados com a apresentação das propostas. Mas a maior fatura para o Estado poderá vir do lado das indemnizações compensatórias que o anterior Governo decidiu que deixariam de ser pagas em 2015, em resultado da adjudicação das subconcessões. O número de poupanças então avançado era de 85 milhões de euros por ano.

O que defende a proposta socialista para a EGF e reforma da água

Travar o processo de privatização da EGF (Empresa Geral de Fomento), com fundamento na respetiva ilegalidade e desde que tal não implique o pagamento de indemnizações ao concorrente escolhido, de modo a inverter a excessiva concentração e a forte distorção da concorrência existentes no setor dos resíduos.”

“Reversão das fusões de empresas de água que tenham sido impostas aos municípios”

Este era um compromisso assumido no programa eleitoral e que se repete na proposta já negociada com os partidos à esquerda. No entanto, dado o estado de desenvolvimento da operação, a condição de não ter de pagar indemnização dificilmente será cumprida.

A venda da Empresa Geral de Fomento (EGF) ao consórcio liderado pela Suma (grupo Mota-Engil) foi concretizada no final de julho depois de a operação receber a “luz verde” da Autoridade da Concorrência. A transferência das ações para os privados foi acompanhada do pagamento de 150 milhões de euros à Águas de Portugal.

No mínimo, a reversão do negócio obrigaria a indemnizar o grupo privado pelos custos incorridos na operação e pelo preço pago, 150 milhões de euros. O mais provável é que o vencedor da privatização pedisse também compensação pelos lucros cessantes que teria ao abrigo do contrato. Por outro lado, não há ainda nenhuma decisão judicial, transitada em julgado, que declare a operação ilegal. 

No programa está ainda o recuo na reorganização do setor público da água que reduziu o número de empresas multimunicipais, agregando sistemas, nos casos em que as câmaras são contra. A fusão é uma peça chave na reforma do preço da água, tendo sido também defendida em nome de uma racionalização e redução de custos. Voltar atrás anularia essas poupanças, cujo valor ainda não é possível de conferir. 

O processo, muito contestado a nível autárquico, está juridicamente formalizado. E, ainda recentemente, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel indeferiu uma ação dos municípios de Amarante, Baião, Castelo de Paiva, Cinfães, Felgueiras, Gondomar, Lousada e Paredes, reconhecendo a inexistência de impedimento legal à execução do contrato entre o Estado e a Águas do Norte.

O que defende a proposta do PS para as barragens

Reavaliar o Plano Nacional de Barragens, no que diz respeito às barragens cujas obras não se iniciaram” (o documento distribuído na comissão nacional do PS refere expressamente as barragens da Cascata do Tâmega).”

O Programa Nacional de Barragens foi aprovado no primeiro executivo de José Sócrates e tem sido alvo de uma forte contestação por parte de movimentos ecologistas. As maiores críticas até tiverem como alvo a barragem de Foz Tua, mas este empreendimento da EDP já está praticamente concluído. 

A reavaliação, que foi acrescentada depois das negociações com os partidos à esquerda, Bloco, PCP e Verdes, só pode incidir sobre as barragens cuja execução está atrasada e que ainda não têm obra no terreno. Ainda que o processo jurídico de licenciamento esteja muito adiantado. Entre estas estão as barragens na cascata do Tâmega, atribuídas à Iberdrola, Fridão, também no Tâmega, ganha pela EDP, e Girabolhos, no Mondego, adjudicada à Endesa. 

Alterações impostas por condições ambientais, mas também por causa de dúvidas sobre a viabilidade económica destas centrais — a procura de eletricidade está estagnada e foi reduzida a garantia de potência –, têm arrastado a execução dos projetos. Mas se as elétricas não têm pressa em avançar, não deixarão de procurar ser compensadas pelos custos já assumidos. Ou, pelo menos, evitar perder as licenças pagas, em caso de incumprimento dos calendários. Sobretudo se a iniciativa da reavaliação partir do Governo. 

Endesa prossegue, mas com cautela

A Endesa prossegue com os trabalhos de preparação da construção, o que envolve expropriações e a abertura de caminhos, mas ainda não tem obra propriamente dita no terreno. O presidente da Endesa Portugal, Nuno Ribeiro da Silva, explicou ao Observador que o projeto está em curso, mas um maior envolvimento financeiro e em obras deve depender de uma clarificação por parte do novo Governo quanto aos planos para as barragens. 

A Endesa pagou 30 milhões pela licença ao Estado e o investimento ascende já a cerca de 60 milhões de euros, segundo Ribeiro da Silva. O investimento total está orçado em 400 milhões de euros. O calendário de execução foi revisto, na sequência do processo de licenciamento ambiental.

A maior barragem na Europa em 25 anos 

A elétrica espanhola Iberdrola ganhou o complexo hidroelétrico do Alto Tâmega, descrito como um dos maiores desenvolvidos na Europa nos últimos 25 anos. O empreendimento do Alto Tâmega envolve um investimento de 1.200 milhões de euros para uma potência instalada de 1.200 megawatts. Este projeto foi o mais alterado em função de condicionantes ambientais que obrigaram a deixar cair uma das quatro barragens previstas. 

A Iberdrola renegociou o empreendimento com o Governo, incluindo os prazos de licenciamento e de construção. Não foi, no entanto, reduzido o valor da licença paga ao Estado em 2009, de cerca de 304 milhões de euros. Para obter todos os licenciamentos exigidos, a elétrica espanhola prometeu ainda compensações aos municípios locais da ordem dos 50 milhões de euros.

Apesar da obra ainda não ser visível, a Iberdrola já mobilizou recursos financeiros importantes para o projeto, desde a compra de terrenos, passando por empreitadas contratadas. Um eventual recuo que fosse da iniciativa do Governo teria, por isso, custos mais pesados para o Estado. Podia implicar a devolução da licença (ou de parte) ou mesmo compensações por outros encargos assumidos. A notícia até pode ser boa para as empresas que querem adiar ou não fazer o investimento. 

Fridão é a outra barragem que não saiu do papel. A EDP, que ganhou esta licença, não tem mostrado interesse em concretizar o investimento, essencialmente por razões de viabilidade económica. O atraso na execução já terá levado à perda de parte da garantia de potência. O projeto ainda está nos planos da elétrica, mas não tem um calendário fechado. A EDP já deixou cair a barragem do Alvito. As duas licenças custaram cerca de 70 milhões de euros.