O Estado português emitiu esta quarta-feira 995 milhões de euros em dívida pública a 10 anos, uma operação agendada para aproveitar a expectativa nos mercados europeus de que o Banco Central Europeu (BCE) irá na próxima semana avançar com mais estímulos. Ainda assim, a operação saiu um pouco mais cara do que o leilão comparável realizado em meados de outubro. O que contrasta com a descida dos juros nos outros países da zona euro nas últimas semanas, devido às expectativas em relação ao BCE.
Os títulos de dívida a 10 anos que o Estado português emitiu esta quarta-feira vão proporcionar aos investidores uma rendibilidade implícita (yield) de 2,429%, uma subida face aos 2,398% que foram pagos no leilão de 14 de outubro, que já na altura tinha denotado uma subida dos custos de financiamento de Portugal, em plena crise política.
A procura por parte dos investidores superou em 1,91 vezes a oferta, o que compara favoravelmente com o rácio de 1,62 vezes no leilão de outubro. Antes do leilão desta quarta-feira, um analista do Commerzbank, Michael Leister, adiantou que “a procura por parte dos bancos nacionais deverá apoiar” esta operação de financiamento. Este foi o primeiro leilão de dívida portuguesa desde que o Presidente da República, Cavaco Silva, “indicou” António Costa para formar governo, com apoio parlamentar do Bloco de Esquerda e do Partido Comunista Português.
Steven Santos, gestor do BiG, diz que “os resultados animadores do leilão revelam que Portugal preserva a confiança dos investidores internacionais, apesar de a turbulência política e de o novo governo de esquerda, que abrange partidos com posições eurocéticas, terem contribuído para o ligeiro agravamento dos juros exigidos”. O especialista assinala que “este leilão ocorreu com as Obrigações do Tesouro a negociar no mercado secundário em níveis ligeiramente superiores aos da emissão comparável de outubro, devido à instabilidade política vivida nas últimas semanas”.
Já Pedro Ricardo Santos, da corretora XTB Portugal, diz que “continua a ser evidente o patrocínio do BCE na manutenção das yields em níveis historicamente baixos”.
“Ainda assim, a subida de três pontos base é explicada pelos receios dos investidores, relativamente ao novo governo escolhido pela Assembleia República”, diz o especialista. É que “o executivo liderado pelo Partido Socialista, com apoio do Bloco de Esquerda e Partido Comunista, é frágil no que diz respeito a metas orçamentais impostas por Bruxelas. Se o anterior governo granjeou a simpatia dos mercados, com o esforço no controle das contas públicas, este novo executivo terá a árdua tarefa de ceder às exigências que os acordos impuseram, sem comprometer o défice”.
Juro sobe pouco. Mas investidores pedem prémio de risco maior a Portugal
A expectativa de que o BCE irá avançar com mais estímulos tem, nas últimas semanas, feito cair os juros de todos os países da zona euro. Senão vejamos:
- No dia do último leilão a 10 anos de Portugal, pedia-se à Alemanha 0,56% para financiar a 10 anos. Hoje, de acordo com os preços da Bloomberg, pede-se 0,50%. A Espanha, pedia-se 1,78% mas os juros estão, agora, na casa dos 1,61%. A Itália, 1,64% em outubro e, agora, 1,49%.
Ou seja, os juros de todos os países estão a descer com a perspetiva de mais compras por parte do BCE. Em contraste, Portugal pagou menos em meados de outubro do que agora, o que é um reflexo da apreensão demonstrada por vários bancos de investimento nos últimos tempos em relação à situação política.
Uma apreensão que sinaliza que teria efeitos piores se Portugal não estivesse, já, adiantado na obtenção do financiamento de que necessita para este ano e para o próximo. Sem esses cofres cheios, os mercados estariam menos calmos, disse em entrevista ao Observador Fátima Luís, gestora de fundos de obrigações da Mirabaud Asset Management, em Londres. Uma gestora que vendeu, na semana após as eleições, toda a dívida pública portuguesa que tinha.
O Observador fez, recentemente, um Explicador que procura enquadrar as movimentações dos investidores nas últimas semanas. Leia mais em O dinheiro fala. Saiba como “ouvir” os mercados nas semanas decisivas do governo de esquerda.