O vice-presidente do Brasil escreveu na segunda-feira uma carta a Dilma Rousseff, revelada pela imprensa, em que cita episódios que demonstram a “desconfiança” da Presidente relativamente ao seu número dois e ao partido da coligação governamental PMDB.

Numa altura em que está em curso um processo de impugnação contra a Presidente do Brasil, Michel Temer queixa-se de ter sido tratado como um “vice-presidente decorativo”, “secundário” e “acessório” ao longo do primeiro mandato de Rousseff (2010-2014).

“Sempre tive ciência da absoluta desconfiança da senhora e do seu entorno em relação a mim e ao PMDB [Partido do Movimento Democrático Nacional]. Desconfiança incompatível com o que fizemos para manter o apoio pessoal e partidário ao seu governo”, diz Temer na “carta pessoal” que qualifica como “um desabafo” que já deveria ter sido feito “há muito tempo”, a qual é reproduzida na íntegra pelo portal de informação G1.

Temer tem vindo a abster-se de se pronunciar sobre o pedido de destituição de Rousseff, acolhido pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha. O PMDB encontra-se dividido em relação ao processo de ‘impeachment’.

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“Passei os quatro primeiros anos de governo como vice decorativo. A Senhora sabe disso. Perdi todo protagonismo político que tivera no passado e que poderia ter sido usado pelo governo. Só era chamado para resolver as votações do PMDB e as crises políticas”, diz Temer, acrescentando: “Jamais eu ou o PMDB fomos chamados para discutir formulações económicas ou políticas do país; éramos meros acessórios, secundários, subsidiários”.

“Tenho mantido a unidade do PMDB apoiando seu governo, usando o prestígio político que tenho, advindo da credibilidade e do respeito que granjeei no partido. Isso tudo não gerou confiança em mim. Gera desconfiança e menosprezo do governo”, refere Temer, que elenca uma série de exemplos, como não ter sido convidado para a reunião de Dilma Rousseff com o vice-presidente norte-americano, Joe Biden, ou quando, no caso de espionagem, o enviado para conversar com Biden foi o ministro da Justiça.

“Tudo isso tem significado: absoluta falta de confiança”, realça, apontando igualmente uma série de episódios no contexto da política interna. “Finalmente, sei que a senhora não tem confiança em mim e no PMDB, hoje, e não terá amanhã. Lamento, mas esta é a minha convicção”, termina.

Em nenhum momento da carta Temer formaliza explicitamente um divórcio com Rousseff, embora o casal executivo esteja manifestamente em crise. Em caso de destituição, Temer vai assumir o poder até às eleições presidenciais de 2018.

O presidente da Câmara dos Deputados adiou para hoje a escolha da comissão especial que julgará o pedido de impugnação do mandato de Dilma Rousseff. A comissão especial da Câmara, com 65 membros, irá determinar se o pedido de destituição da Presidente será julgado pela casa legislativa, com uma votação em plenário, ou se será arquivado.

Rousseff é acusada, no pedido de destituição, de falsidade ideológica e crime de responsabilidade fiscal por usar empréstimos de bancos públicos e não pagá-los no prazo (o que é proibido no Brasil) e por aprovar decretos sem número para o uso de recursos, mesmo numa situação deficitária.