Mais um capítulo na guerra pelas cadeiras do Conselho de Estado. A hipótese começou a ganhar força ao longo do dia: o PS devia apresentar o nome de Carvalho da Silva como alguém capaz de representar tanto o Bloco de Esquerda como o PCP, como explicava o ex-dirigente socialista Pedro Adão e Silva, na TSF. A estratégia seria clara: como figura próxima dos dois partidos, os socialistas conseguiriam satisfazer as pretensões quer de Catarina Martins, quer, eventualmente, de Jerónimo de Sousa, assegurando um fórmula mais favorável ao Largo do Rato – dois nomes do PS, um nome comum aos partidos da esquerda. Para já, o ex-secretário-geral da CGTP atira o assunto para canto. “Essa questão não é uma questão e, por isso, não merece qualquer comentário“, afirma Carvalho da Silva ao Observador.

Para já, existe um cenário que começa a ganhar cada vez mais força. O presidente e líder parlamentar do PS, Carlos César, já admitiu que “tecnicamente é possível” existirem duas listas concorrentes. Também Pedro Filipe Soares, líder da bancada bloquista, deixou essa hipótese em aberto. “Não faz sentido” que PSD e CDS “continuem a ter a maioria dos representantes da Assembleia da República no Conselho de Estado”. O Bloco, continuou, está disponível “para dar mais pluralidade ao Conselho de Estado e também à representação que sai da Assembleia da República” para o órgão político de consulta do Presidente da República

O sentimento é mútuo, responde a direita. Como Observador explica esta quarta-feira, a direção parlamentar do PSD deixa claro que não aceita uma lista de consenso que integre nos elegíveis figuras indicadas pelas direções do Bloco ou do PCP. A porta para a existência de duas listas concorrentes está, por isso, escancarada.

O Conselho de Estado é o órgão político de consulta do Presidente da República e, de acordo com a Constituição, cabe ao Parlamento “eleger, segundo o sistema de representação proporcional, cinco membros do Conselho de Estado”. Ora, por tradição, a distribuição de forças seria assim: enquanto partido mais votado, o PSD teria direito a indicar três nomes para o Conselho de Estado e o PS, enquanto segunda força mais votada, teria direito a dois. Mas, com alteração das regras do jogo parlamentar, as contas são agora mais complexas.

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Se o método de Hondt for aplicado aos deputados dos dois blocos – PS-BE-PCP-PEV contra PSD-CDS, 122 deputados contra 107 deputados – a esquerda teria direito a três representantes e a direita a dois assentos no Conselho de Estado. É isso que defendem PS e Bloco – o PCP poderá também estar inclinado a aceitar esta solução. Aliás, sem o voto favorável do PCP, as pretensões de socialistas e bloquistas sairão goradas. A menos que se confirme um cenário, à partida, improvável: o PAN juntava-se às contas e os Verdes, separados do PCP, também. As contas seriam assim: 108 para a esquerda (sem PCP, com PEV e PAN), 107 para a direita.

Mas estas últimas, seriam contas para outras calculadoras. Com a fórmula PS-BE-PCP-PEV, os socialistas ficariam com um problema em mãos: como garantir o apoio de Bloco de Esquerda e PCP sem chamar para o Conselho de Estado figuras indicadas pelos dois partidos? Com direito a três lugares, os socialistas poderiam ser forçados a abdicarem de dois em função de bloquistas e comunistas. E é aí que entra a solução “Carvalho da Silva”.

Para o Bloco de Esquerda, apesar de os nomes mais falados neste momento serem Francisco Louçã e João Semedo, Carvalho da Silva não geraria, à partida, anti-corpos de maior na Rua da Palma – quando ainda se discutia a hipótese de Carvalho da Silva entrar na corrida para Belém, o BE não afastava a hipótese de o apoiar, por exemplo.

As contas não são tão fáceis para o PCP. Isto porque são conhecidas as divergências entre o partido e o antigo líder da central sindical. Com isso em mente, dificilmente Jerónimo de Sousa aceitaria ver-se representado por Carvalho da Silva no Conselho de Estado. Se quiser levar esta estratégia para a frente – propor um nome que fosse do agrado de bloquistas e comunistas – o PS teria, teoricamente, de indicar outro candidato a conselheiro.

Para já, é preciso esperar. No Parlamento, Carlos César definiu o tom: “De forma pausada e refletida, vamos procurar que essa indicação prestigie a Assembleia e agrade ao maior número possível de interlocutores. É aquilo que, neste momento, é possível dizer. [O resto são] especulações que eu não faço, visto que serei parte dessa negociação”.

Pedro Filipe Soares, assinou por baixo: “Os órgãos do Bloco vão reunir-se em tempo útil para deliberar sobre as circunstâncias deste processo e sobre o nome a indicar caso haja um processo negocial que tenha sucesso. Esse processo decorrerá até dia 16 e no dia 16 o Bloco de Esquerda estará em condições” para indicar um nome.

Os comunistas, de resto, sempre tiveram assento naquele Conselho, ou por eleição na Assembleia ou por indicação do Presidente, exceto nos 10 anos de mandato de Cavaco Silva – o ainda Presidente da República foi o único a não chamar um representante dos comunistas para aquele órgão. Agora, esse cenário pode mudar.

Esta quarta-feira, também no Parlamento, João Oliveira, líder parlamentar do PCP, assumiu ter iniciado contactos com o PS para uma solução sobre o Conselho de Estado, mas deixou uma garantia: “O PCP, desde o início deste processo, deixou bem claro que não andava atrás de lugares. Temos estado e continuaremos concentrados na prioridade de dar resposta aos problemas dos trabalhadores e do povo português”. De acordo com a agência Lusa, o deputado comunista acrescentou ainda que o seu partido não apresentou “qualquer proposta concreta” sobre o assunto.

O Parlamento vota no próximo dia 18 a lista (ou as listas) de candidatos àquele órgão, mas os nomes têm de ficar fechados e ser entregues ao Presidente da Assembleia até dois dias antes. O Conselho de Estado é composto por 19 elementos, sendo que apenas cinco são eleitos pela Assembleia da República. Segundo se lê no artigo 142.º da Constituição, têm lugar no Conselho de Estado “cinco cidadãos eleitos pela Assembleia da República, de harmonia com o princípio da representação proporcional, pelo período correspondente à duração da legislatura”. O que quer dizer que os nomes agora eleitos vão integrar o tempo que resta do mandato de Cavaco Silva passando depois a sentar-se à mesa com o próximo inquilino de Belém.