Tudo parecia tirado a papel químico. Em Espanha, tal como em Portugal, os socialistas foram a segunda força política mais votada nas eleições legislativas. O PP, de Mariano Rajoy, que conduziu o país durante quatro anos de crise e impôs medidas de austeridade, venceu ainda assim a corrida às urnas – mas sem maioria absoluta. Juntos, Rajoy e Sánchez tinham a maioria absoluta no bolso, mas o bloco central nunca foi verdadeiramente uma opção. Com o centro-direita espanhol sem força para formar Governo, a porta para uma eventual aliança à esquerda tornava-se a hipótese mais viável. Ou seja, Sánchez parecia estar pronto a repetir a façanha e a estratégia de Costa. Parecia.
O que separa, então, Pedro Sánchez de António Costa? Desde logo, o resultado alcançado pelos socialistas nas eleições: se é verdade que António Costa desiludiu, Pedro Sánchez teve uma derrota esmagadora. O líder do PS português avançou para a principal cadeira do Largo do Rato com um objetivo claro: vencer as eleições com maioria absoluta. Falhou redondamente, mas conseguiu mais votos em relação às eleições de 2011 (da derrota de Sócrates). Pedro Sánchez, por sua vez, conduziu o PSOE ao pior resultado da história do partido, desde a transição para a democracia. Com menos 20 deputados e menos 1,4 milhões de votos em relação a 2011, estas contas deixaram Sánchez em muitos maus lençóis.
O que leva à segunda grande diferença entre o português e o espanhol. Quando António Costa derrubou António José Seguro, abriu uma ferida no partido. Com a derrota nas eleições legislativas, a oposição interna fez soar os tambores de guerra e muitos pediram a cabeça de Costa. Álvaro Beleza ameaçou avançar, mas era Francisco Assis “o desejado” pela ala segurista. O eurodeputado criou uma corrente alternativa, organizou encontros com os socialistas descontentes, mas acabou por enterrar o machado de guerra quando os órgãos máximos do partido votaram favoravelmente a solução encontrada por António Costa que colocou o PS no Governo. A corrida presidencial parece ser o último reflexo da luta entre as duas alas socialistas, mas o poder parece ter unido o partido.
Com Pedro Sánchez, não podia ser mais diferente. A dimensão da derrota do PSOE dividiu o partido entre pedristas e antipedristas, como escrevia o El Confidencial. À reunião do Comité Federal do partido, do último fim de semana, faltaram alguns dos grandes barões socialistas e os antecessores de Sánchez (Felipe González, José Luís Zapatero e Alfredo Pérez Rubalcaba). Antes, já Susana Díaz, presidente da Andaluzia – uma das poucas regiões que sobreviveu incólume à sangria eleitoral – e uma das responsáveis pela ascensão de Sánchez, se pronunciara contra eventuais acordos com os partidos populares, nomeadamente o Podemos. Sánchez começava a ficar sem espaço.
Na reunião do Comité Federal socialista, Pedro Sánchez acabou por ser mandatado para procurar acordos, quer à esquerda, quer à direita. Mas com condições. Muitas condições. Desde logo, a de não negociar nenhum acordo que ponha em causa a unidade do país – não há espaço para pretensões independentistas. Esse é um pré-requisito de que os socialistas não estão dispostos a abrir mão. “[O PSOE] não vai governar a qualquer preço“, prometeu Sánchez no final da reunião do Comité Federal socialista.
E aí entra uma terceira grande diferença: a aritmética parlamentar e a própria disposição das peças nos tabuleiros políticos espanhol e português. Como explicava o Observador, o PSOE não consegue obter maioria absoluta através de nenhuma das coligações prováveis. E, mesmo desafiando todas as probabilidades, e partindo do princípio que o PSOE era capaz de convencer o Podemos, o Democracia e Liberdade e a Esquerda Republicana, Sánchez ficaria nas mãos dos partidos separatistas.
Em Portugal, apesar de todas as diferenças anunciadas e assumidas – PCP e Bloco são contra a participação de Portugal na NATO e, no limite, defendem a saída do país do Euro -, na hora de negociar, essas diferenças não impossibilitaram o acordo. No caso espanhol, são divergências de fundo, que põem em causa a própria identidade de Espanha. Como governar em coligação com partidos que nem sequer concordam em relação ao conceito de país?
Depois entram as próprias diferenças de regime. Como explicava o Observador, o sistema parlamentar espanhol está dividido em duas câmaras e o Senado é a mais alta, em oposição ao Congresso dos Deputados. Nestas eleições, o Senado voltou a ter uma maioria do PP. O Senado tem várias funções, entre as quais se destaca a função fiscalizadora do Congresso dos Deputados. Assim, todas as leis aprovadas pela câmara baixa (Congresso dos Deputados) têm se de ser ratificadas pela câmara alta (Senado). Além disso, qualquer alteração à Constituição terá de passar pelo Senado. Tudo somado, salta à vista uma conclusão: o facto de o PP continuar a ter maioria absoluta no Senado é, como já o era dantes, um travão a alterações constitucionais que vão no sentido da independência da Catalunha. Mesmo que o quisesse – e não quer – o PSOE jamais conseguiria aceder às pretensões dos separatistas e do Podemos (que prometeu um referendo à independência da Catalunha) sem passar pelo PP. Bloqueio à vista.
Existe ainda uma quarta e última grande diferença: a experiência política de um e de outro. António Costa foi secretário de Estado, ministro, presidente da Câmara e, agora, primeiro-ministro. Pertenceu a governos minoritários, como o de António Guterres, e pediram-lhe que assegurasse a estabilidade no Parlamento. Na Câmara Municipal de Lisboa liderou em minoria e chamou para si o Bloco de Esquerda e movimentos independentes. A fama de exímio negociador persegue-o e saiu reforçada depois das eleições: conseguiu chegar a um acordo com Bloco e (sobretudo) PCP, quando quase todos diziam ser impossível.
Pedro Sánchez tem um currículo bem mais modesto e uma missão bem mais difícil. Conseguirá repetir o que Costa fez em Portugal e tornar-se primeiro-ministro depois de ter sido derrotado nas urnas? As probabilidades parecem estar contra ele e há já quem garanta que os espanhóis voltam às urnas na primeira metade de 2016.