Curto, cheio, com ou sem açúcar — e uma pinga de leite? O café é há muito um hábito bem português, seja porque é o toque final numa refeição que se deseja aprazível, seja porque é a força motriz para começar mais um dia de trabalho. Não há esquina de cidade (ou até de aldeia) que não tenha o habitual estabelecimento de toldo mais ou menos gasto e uma bica (ou cimbalino) pronta a ser servida ao balcão. É uma questão cultural e, para muitos, é um hábito que concede energia ao corpo e gosto ao palato.

Eis algumas das coisas que se sabe sobre o café: é rico em antioxidantes, estimula o sistema nervoso central e pode ser considerado um antidiurético natural, além de ser capaz de acelerar o metabolismo. Mas o que se pode dizer de quem o bebe? Dado que existe muito por onde escolher — das versões tradicionais, como o curto, cheio e carioca, às mais trabalhadas, incluindo o famoso cappuccino ou até o menos usual ice coffee —, será possível distinguir tipos de pessoas consoante as escolhas que fazem?

Numa tentativa de desvendar o mistério, convidámos dois especialistas a puxarem pela imaginação e a traçarem perfis possíveis para diferentes cafés. E se Rodolfo Tristão, sommelier da Nespresso, ficou de caracterizar quem pede as variedades mais populares entres os portugueses, Stanislav Rotar, responsável pela Fábrica Coffee Roasters encarregou-se dos ditos “cafés de especialidade”.

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Getty Images

Café curto

Quem costuma pedir café curto é porque, por norma, gosta de o beber de uma forma mais rápida, num só trago, o que pode estar relacionado com uma vida agitada. Mas há uma segunda hipótese que remete para um equívoco comum: “Algumas pessoas acham que o café curto tem maior concentração de cafeína”, comenta Rodolfo Tristão, fazendo de imediato a distinção entre um café intenso e um forte — o primeiro tem que ver com o sabor, o segundo com a quantidade de cafeína. Sobre isso já antes o Observador explicou que quanto mais água passa pelo café, mais a cafeína chega à chávena.

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Café cheio

Tristão atribui o hábito de ingerir café cheio a pessoas mais velhas e até de meios maioritariamente rurais, sendo que a escolha assenta no mesmo erro: “Por ter mais água, julgam que tem menos cafeína.” Desfeito o engano, falamos de consumidores que demoram mais tempo a beber e que tendem a acompanhar o café cheio com um salgado a meio da manhã.

Abatanado

“É uma dose de café numa chávena maior”, comenta o escanção que descreve o abatanado como “um balde de café”, no qual o grão torrado se encontra mais diluído. É ele quem argumenta que são muitas as pessoas que bebem o abatanado nas primeiras horas do dia (ao pequeno-almoço ou a meio da manhã, sempre a acompanhar um petisco), embora a preferência pela bebida dependa muito da altura do ano — no inverno existe o hábito de o beber por ser quente, além de que é uma alternativa ao galão e à meia de leite, tendo em conta que há cada vez mais pessoas preocupadas com a presença de leite na respetiva dieta alimentar.

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Sebastião Almeida/Observador

Pingado

“No norte fala-se no pingo. As pessoas pedem um pingo em vez do café pingado”, diz Tristão. Muito embora a designação altere consoante a geografia, a fórmula é a mesma: seja pingo ou pingado, o processo consiste em pôr um bocadinho de leite para que a bebida fique mais fraca, coisa que enche as medidas a quem não gosta muito do sabor original do café. Mas há também quem o prefira por considerar o café, no seu estado natural e torrado, demasiado forte. “É uma bebida transversal a todas as idades — desde o jovem de 13 anos à pessoa de mais idade.”

Carioca

Não há qualquer dúvida que o Carioca tem menos cafeína e que, por isso, é mais fraco, o que remete para o debate do efeito do café no ser humano. A cafeína atua de forma diferente nas pessoas. Há quem beba café o dia todo e à noite durma descansado, há quem não o tome à tarde precisamente para garantir boas horas de sono. Tristão diz que o carioca corresponde a uma “sensação de café”, ideal para pessoas mais velhas que não possam ingerir tanta cafeína.

Com ou sem açúcar

Sobre este tópico, Rodolfo Tristão tem uma opinião muito clara e a matéria bem estudada, ele que pertence ao grupo de pessoas que considera que o café deve ser bebido sem açúcar. Numa tentativa de explicar melhor o seu ponto de vista, o escanção vai buscar ao mundo dos vinhos a seguinte imagem: “É como colocar Coca-Cola ou 7 Up no vinho. Isso acontece quando queremos suavizar o vinho porque este é mau. O grande problema com o café é o facto de ele sair queimado. E quanto mais queimado, mais difícil se torna de beber.”

Preto no branco, café sem açúcar é algo que purista gosta, porque permite saborear a bebida tal como ela é, enquanto quem escolhe colocar um pacote (seja meio ou inteiro) prefere o travo mais doce ou, então, está a camuflar o queimado. “Costumo dizer que é preciso saber tirar um bom café e não apenas ter a máquina e o produto”, afirma o escanção. O facto de um restaurante ter um bom café é meio caminho para o sucesso da refeição.”

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Imagem retirada do Facebook oficial da Fábrica Coffee Roasters

Expresso duplo

Para Stanislav Rotar o expresso duplo é coisa de “um verdadeiro apreciador de café porque a quantidade de cafeína presente é bastante grande” — é um café muito intenso e não forte. No caso do que é servido na Fábrica Coffee Roasters, o expresso vem acomodado numa chávena de cappuccino (versão pequena) porque, tal como vinho, precisa de um copo mais largo. “Talvez a pessoa que peça um expresso duplo seja aquela que demora mais tempo a beber o café, que fica mais tempo”, diz Stanislav, adiantando que são os estrangeiros que mais optam pela bebida que é sobretudo considerada masculina. “O português ainda está muito habituado ao expresso corrente. Mas para quem bebe expresso duplo é complicado voltar atrás.”

Cappuccino

Quando a conversa chega ao cappuccino (servido apenas com leite Vigor gordo), Stanislav apressa-se a dizer que o café trabalhado desse jeito é unissexo, embora seja uma eleição recorrente por parte das senhoras. Mas seja homem ou mulher, a ideia de quem o pede é ficar mais tempo no espaço, seja a ler ou a trabalhar.

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Imagem retirada do Facebook oficial da Fábrica Coffee Roasters

Americano

“Basicamente é como um expresso duplo, mas leva mais água quente filtrada.” O café Americano tende a agradar mais o palato dos estrangeiros do que o dos locais, isto porque “os portugueses ainda estão apegados à bica. O café americano é um long black, um café escuro com bastante sabor. É bastante intenso, mas mais aguado.”

Ice coffee

Bebe-se no inverno, mas é no verão que sabe melhor e nem é preciso explicar porquê. Diz Stanislav que o ice coffee é mais do gosto das mulheres e, enquanto os estrangeiros preferem-no com leite (talvez por influência do chá com leite), os portugueses exigem-no simples.