O novo Governo português está a levar a cabo uma “mudança fundamental da política” que levará a um aumento da dívida e a uma erosão da competitividade. Num relatório demolidor, o influente banco alemão Commerzbank diz que rapidamente a situação portuguesa pode evoluir para algo muito parecido ao que viveu a Grécia no último verão. Se o rating da agência DBRS cair, Portugal deixará de contar com o respaldo decisivo das compras de dívida por parte do BCE. A menos que peça um novo resgate, nota o banco alemão.
Portugal voltou a ser “uma criança problemática” na zona euro, diz o banco. Os receios do Commerzbank e de vários outros bancos de investimento no período pós-eleições estão a materializar-se. “O novo Governo em Portugal está a passar das palavras aos atos e já está em curso uma mudança fundamental da política económica”, lamentam os economistas Ralph Solveen e Jörg Krämer, este último economista-chefe do banco alemão.
Numa nota enviada esta terça-feira aos clientes, o banco alemão faz inúmeras críticas às medidas já anunciadas e revertidas pelo Governo, começando pelo regresso dos quatro feriados (sem salvaguarda de os tornar móveis, ou seja, encostados a fins de semana) e a intenção de fazer voltar os 25 dias de férias por ano para os funcionários com “poucas” faltas. O banco alemão fala aos seus clientes, também, da reversão dos cortes salariais na Função Pública e, olhando para o Programa de Governo, critica medidas como a “reversão da liberalização do mercado de trabalho, com o fortalecimento dos contratos coletivos de trabalho”. Esta é uma das muitas preocupações que o Commerzbank partilha com a Comissão Europeia.
O novo Governo não está, claramente, a contar com a liberalização e a redução da regulação para reavivar a economia. Ao invés, está a concentrar-se numa política orçamental mais expansionista e um maior papel do Estado na economia. E, no que toca ao investimento, este deverá ser estimulado sobretudo a partir do Estado, havendo esperança de que haja um apoio por parte do programa de investimentos lançado por Jean-Claude Juncker [o chamado Plano Juncker].
Commerzbank não acredita em défice abaixo de 3%… em 2016
O banco alemão lamenta que “os dois maiores sucessos do Governo anterior – a estabilização do défice e a melhoria da competitividade da economia portuguesa – estão em risco“. Ralph Solveen e Jörg Krämer fazem pouca fé nas previsões de Mário Centeno, ministro das Finanças, que presumem que haverá um “crescimento muito mais forte, associado às receitas fiscais” promovidas à custa de gastos públicos. Mas, mesmo que o Governo consiga um défice de cerca de 3% em 2016, “isso será perto de um ponto percentual acima do que estava acordado com a troika“.
O problema é que o Commerzbank não acredita, sequer, que seja possível chegar a esse défice de 3% em 2016 – o que significaria que o país continuaria sob a alçada do Procedimento por Défices Excessivos. “Vemos um risco significativo de que o défice público seja superior a 3% do PIB em 2016”, avisa o banco alemão, notando que a redução “muito urgente” do endividamento público será “muito mais lento do que estava planeado”.
Um problema ainda maior: a perda de competitividade
“Ainda mais grave [do que as questões das contas públicas] é a alteração das regras do mercado de trabalho e os custos mais elevados para as empresas” que daí advirão. Todos os progressos obtidos nos últimos anos, com uma redução dos custos do trabalho que é importante para a atração de investimento estrangeiro, estão em risco, diz o Commerzbank, salientando que isso foi “uma razão enorme para a recuperação registada na economia portuguesa”, incluindo os ganhos no campo do emprego e do consumo privado.
É por esta razão que o Commerzbank alerta os clientes que os planos de Mário Centeno irão, provavelmente, sair furados.
Com as medidas agora anunciadas, a recuperação sustentável está em risco de tropeçar, uma vez mais. Ainda que a política orçamental expansionista possa ajudar a impulsionar a procura do setor privado no curto prazo, qualquer ímpeto positivo deverá ser cada vez mais neutralizado – ou, mesmo, ultrapassado – pelos efeitos de um aumento dos custos do trabalho e da redução das margens de lucro das empresas. As previsões do Governo de que as medidas se pagarão a si próprias no longo prazo não deverão materializar-se.
Que fará Marcelo? E o que fará a DBRS?
Perante este quadro, o Commerzbank tenta olhar para frente e perceber se o Governo terá oportunidade, ou não, de executar o programa político previsto. Aí, o primeiro fator a entrar em jogo é a eleição do Presidente da República.
“Todas as sondagens apontam para a vitória do candidato apoiado pelos partidos que compunham o anterior governo [PSD e CDS], Marcelo Rebelo de Sousa, que deverá ter uma vitória clara”, conta o Commerzbank. E quem é Marcelo? Aos seus clientes, o banco alemão diz que “pelo facto de [Marcelo] não ser um defensor tão acérrimo das reformas estruturais como o atual presidente [Cavaco Silva], deverá evitar um confronto direto com a atual coligação de esquerda”.
Contudo, Marcelo “poderá equacionar tal decisão se houver conflitos persistentes” na aliança entre o Partido Socialista e os partidos à esquerda. “Já se pôde testemunhar um primeiro conflito quanto ao modelo de financiamento da reestruturação da banca”, assinala o Commerzbank.
Tão ou mais crucial para Portugal no imediato será, porém, a decisão que a agência canadiana DBRS tomará sobre o rating português. O Commerzbank assinala que a diferença entre os juros de Portugal e de Itália duplicou desde as eleições, num claro indicador de perceção de risco desfavorável para Portugal na comparação com outro país endividado e fragilizado pela recente crise europeia.
Ainda assim, “tendo em conta a escala da alteração da política económica em Portugal, a reação do mercado até pode ser vista como moderada”, sublinha o Commerzbank, muito crítico para o novo governo português. E porquê uma reação tão “moderada” como a duplicação do spread face a Itália? “Os investidores têm, claramente, confiança do BCE e no seu programa de compra de ativos”. Sem essa confiança, a reação seria bem pior, defende o banco alemão.
Juros de Portugal sobem isoladamente
Muito pouco se deve tomar como garantido nos mercados financeiros globais nesta altura, contudo, avisa o Commerzbank. Mesmo estando a haver uma reação negativa que se pode considerar “moderada”, “a confiança pode começar a fraquejar nas próximas semanas”. E, em abril, espera-se uma decisão da DBRS sobre o rating de Portugal – a única agência que tem a dívida pública de Portugal acima de lixo e que, assim, viabiliza o financiamento dos bancos nacionais diretamente no BCE e a compra, por parte do mesmo BCE, da dívida pública portuguesa ao abrigo do programa de estímulos.
O Commerzbank lembra que, em meados de novembro, quando já se perspetivava a chegada ao poder do PS apoiado nos partidos à esquerda, a agência optou por manter o rating e, também, não mexer na perspetiva, que continuou estável. “Mas, tendo em conta as medidas entretanto anunciadas e as que faltam aplicar (e que pesarão no Orçamento), a DBRS pode tomar uma decisão diferente“, admite o banco alemão.
Se houver um corte do rating de Portugal aos olhos da agência canadiana, o BCE deixaria de poder comprar a dívida de Portugal ao abrigo do programa de quantitative easing, como está a acontecer (ainda) com a Grécia. A única forma de continuar a beneficiar dessas compras – que têm sido decisivas para a descida dos juros de Portugal – seria a entrada num novo programa de resgate, com condicionalidade sobre as políticas económicas.
Aí, “o novo Governo certamente irá tentar evitar pedir um novo resgate – já que isso poderia colocar o país na mesma situação da Grécia na primeira metade de 2015 – pelo que poderá tentar recuar nas mexidas na política económica”, admite o Commerzbank. Aí, diz o banco alemão, “tornar-se-ia provável um conflito com os apoiantes do Governo, da extrema esquerda, levando à perda da maioria parlamentar”. Resultado: novas eleições, possivelmente.