Começou hoje o primeiro julgamento do caso de fraude fiscal que abalou o país financeiro há mais de dez anos com as primeiras buscas aos private banking do BES, BCP, BPN e Finibanco. A Operação Furacão, como ficou conhecida, prometeu muito, provocou o primeiro grande sobressalto em termos de investigação criminal na banca portuguesa mas a sua grande vitória (curta) fica-se pelos impostos que permitiu recuperar ao Estado: mais de 141 milhões de euros.

Curiosamente, dos quatro bancos alvo de buscas, e por razões que não têm a ver com a Operação Furacão, só resta um: o BCP.

O caso que chega hoje à barra Tribunal de Instância Central de Lisboa envolve 14 dos 30 arguidos que tinham sido acusados pelo Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) e tem o Finibanco no centro da história – com um modus operandi que foi detectado em muitos outros casos da Operação Furacão.

O principal arguido chama-se Diogo Viana e será julgado por suspeitas da prática de 16 crimes de fraude fiscal qualificada por ter criado uma sociedade irlandesa chamada Finatlantic que terá disponibilizado aos seus clientes um esquema de faturação falsa assente em sociedades sedeadas no Reino Unido, Irlanda e nos mais diversos paraísos fiscais. Na prática, as empresas britânicas ou irlandesas emitiam faturas por serviços fictícios alegadamente prestados a sociedades portuguesas – que contabilizavam as mesmas como custos e, assim, diminuíam a matéria coletável. Os pagamentos eram feitos, o dinheiro enviado para território britânico e irlandês, sendo novamente transferido pela Finatlantic para sociedades com sede em paraísos que pertenceriam aos sócios das empresas portuguesas que beneficiavam do esquema da faturação falsa.

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O Finibanco, que entretanto foi comprado pelo Montepio Geral e desapareceu do mercado enquanto marca autónoma, aparece na história por ser um intermediário da Finatlantic, por alegadamente ter conhecimento antecipado do esquema e por disponibiliza-lo aos seus melhores clientes da área de private banking.

Este esquema de fraude fiscal organizada terá lesado o Estado, segundo o DCIAP, em mais de 36 milhões de euros, estando ainda em falta o pagamento de cerca de 26,2 milhões de euros. Os cerca de 10 milhões de euros recuperados com este caso resultaram de pagamentos voluntários por parte de empresas e gestores que, em contrapartida, beneficiaram da suspensão provisória do processo. Isto é, não foram acusados ou pronunciados para julgamento por terem aceite pagar os impostos em falta. O empresário Paes do Amaral e a actriz Marina Mota foram alguns dos 16 arguidos que aderiram a esta interpretação da lei criminal por parte do Ministério Público (MP).

Esta interpretação levou a uma querela jurídica entre o procurador Rosário Teixeira, responsável pela Operação Furacão (e pela Operação Marquês), e o juiz de instrução Carlos Alexandre – que defendia a acusação dos arguidos que aceitavam pagar os impostos em falta. O conflito foi dirimido pelo Tribunal da Relação de Lisboa que deu razão a Rosário Teixeira.

Foi este entendimento que permitiu recuperar ao Estado, via ação do DCIAP, mais de 141 milhões de euros nos 149 inquéritos que foram instaurados. Deste total apenas resultaram cinco acusações contra 108 arguidos, o que significa que a grande maioria dos 759 arguidos constituídos naqueles inquéritos aceitaram pagar os impostos em falta, segundo dados que foram disponibilizados à Lusa pela Procuradoria-Geral da República.