Mais um banco caído, mais uma comissão de inquérito. Poucos meses depois de ter terminado no Parlamento a comissão de inquérito ao colapso do Banco e do Grupo Espírito Santo, os deputados voltam a discutir a criação da próxima comissão, agora para apurar responsabilidades sobre o caso da venda e resolução do Banif. Mas se o inquérito ao BES ficou marcado pela convergência entre as várias forças políticas, neste caso cai por terra o lema do “um contra todos, todos contra um”. Até porque no Banif não há um ex-presidente (Ricardo Salgado) a quem se possa apontar o dedo.
A avaliar pelo debate que decorreu esta sexta-feira no Parlamento, o lema desta vez será mesmo de “todos contra todos”. O passa culpas é evidente: todos o reconhecem, mas ninguém o evita. “Não querem o passa culpas, mas estamos todos fartos de que não haja culpa nenhuma – é preciso apurar responsabilidades”, sintetizou o deputado do PCP Miguel Tiago.
O mote foi lançado pelo deputado social-democrata António Leitão Amaro, que começou por dizer que a comissão de inquérito, assim como a auditoria externa (pedida apenas pelo PSD), deve “investigar tudo, desde governos a instituições europeias, passando pelas administrações do banco e o supervisor, deve investigar tudo sem reservas nem tabus – doa a quem doer”. Segundo o deputado socialista João Galamba, contudo, faltou um ponto neste leque.
“O senhor deputado Leitão Amaro esqueceu-se de falar de uma responsabilidade que tem de ser apurada: a do anterior Governo”, disse, virando o alvo para a governação de Passos Coelho e Paulo Portas que “ocultou” os problemas no Banif nos últimos três anos, fazendo com que as ações fossem desvalorizadas 97% até ao dia de entrada em funções do novo Governo. “Empurrar com a barriga durante três anos aumenta os custos”, e não faz milagres, defendeu Galamba.
Ao PS junta-se o resto da esquerda, que, apesar das divergências, entrou no debate com um texto conjunto e esforços unidos. PCP, Verdes e BE apontaram o dedo ao facto de o Governo PSD/CDS ter conduzido uma recapitalização em 2013, com injeção de capital, e nada ter feito nos três anos seguintes para reestruturar o banco.
“Porque é que fingiram que estava tudo bem?”, perguntou o comunista Miguel Tiago. “Porque é que chegamos a novembro de 2015 com um problema não resolvido?”, acrescentou a bloquista Mariana Mortágua, lembrando os oito planos de reestruturação chumbados em Bruxelas e as sucessivas cartas da Comissão Europeia e da DGCom a pedir que o capital do banco fosse controlado, que fosse liquidado, ou que o Banif fosse transformado num banco regional.
“As perguntas neste debate quem tem de as responder são vocês”, atirou a bloquista para a bancada do PSD e do CDS. “Vir aqui com a distinta lata de apontar as culpas a quem esteve dois meses no Governo não é possível de aceitar”, completou. Mais à frente, seria o deputado ecologista José Luís Ferreira a dar apoio ao Governo à retaguarda: “O problema sobrou para o atual governo, que atirou logo mãos à obra para o resolver, vocês limitaram-se a pensar ‘quem vier atrás que apague a luz'”.
Esta é uma das frente de ataque. A outra parte do PSD e vai da direita para a esquerda, com os sociais-democratas a acusarem os deputados do PS, BE e PCP de estarem a “começar a comissão de inquérito pelo fim”, isto é, já assumindo quem é o culpado. “Tirar conclusões antes da comissão de inquérito cheira muito mal, parece que querem distrair as atenções do que verdadeiramente importa”, atirou Leitão Amaro, que foi também suportado pelo deputado Duarte Pacheco. “Quem diz que está tudo muito claro escusa de participar nesta comissão de inquérito”, disse.
Árbitros. “As responsabilidades do PS não ilibam as responsabilidades do PSD/CDS”
Mas no meio do ringue, é até a deputada bloquista Mariana Mortágua, a estrela da comissão de inquérito ao BES, quem tenta fazer de árbitro. Insistindo sempre no ponto prévio à decisão sobre o Banif, lembrando que “Passos Coelho e a anterior ministra das Finanças sempre protegeram o Banif e fingiram que o problema não existia”, a deputada bloquista fez questão de se pôr a meio de uma troca de galhardetes entre as bancadas do PSD e do PS para dizer prontamente: “escusam de se rir porque as responsabilidades do PS não ilibam as responsabilidades do PSD/CDS”. Todos têm culpa, é preciso é apurar responsabilidades.
“Alguém tem de ter responsabilidade nisto, não podemos continuar a assistir a este jogo infantil, com o Banco de Portugal a atirar culpas para a Comissão Europeia, a Comissão Europeia a atirar para o Governo, o Governo para o anterior Governo, e a administração do Banif a dizer que culpa é do Banco de Portugal. Não podemos aceitar este passa culpas em que ninguém dá a cara pelas decisões que foram tomadas”, disse, numa das intervenções mais duras da sessão.
Também o centrista João Almeida, que subiu à tribuna para apresentar a proposta do CDS (que pouco difere do texto do ex-parceiro de coligação), procurou acalmar o combate, lembrando que “devemos estar um pouco acima” do “passa culpas”. Lembrando que os anteriores casos de colapso da banca – do BCP, ao BPP, passando pelo BPN, BES e agora Banif – revelaram a “grande capacidade” do Parlamento de se unir em torno de um objetivo comum. O deputado centrista lembrou por isso as prestações de João Semedo ou Honório Novo (BE e PCP) em comissões de inquérito anteriores, assim como enalteceu o trabalho do centrista Nuno Melo na comissão de inquérito ao BPN.
“Se vamos querer ganhar o campeonato do melhor Governo não vamos prestar serviço nenhum aos cidadãos. Se o fizermos, não vamos resolver nada e a culpa do colapso do próximo banco será também nossa”, disse no final da sua intervenção.
A dança das responsabilidades. Dentro de portas e entre Portugal e Bruxelas
A dança das responsabilidades não se vive só na arena parlamentar. Também ao nível das autoridades envolvidas no desfecho do caso Banif, é visível o atirar de culpas. A nível nacional, por um lado, mas também entre Portugal e as “instâncias europeias” envolvidas: a DG Com (autoridade da concorrência europeia) e o Banco Central Europeu.
Quando anunciou a decisão ao país, num dramático discurso domingo à noite, António Costa distribuiu responsabilidades por uma solução com elevados custos para os contribuintes, entre o anterior governo, que deixou o problema arrastar-se, e as condicionantes colocadas por Bruxelas.
O governador do Banco de Portugal, o alvo mais óbvio, veio lembrar em comunicado que atuou dentro das suas competências, recordando as responsabilidades do governo (anterior e atual) e as “restrições europeias”.
Fontes europeias não identificadas vieram, por seu turno, assinalar, em alguns órgãos de comunicação nacionais, que Portugal poderia ter usado as regras mais recentes de resolução, com um bail-in que envolvesse mais credores (e eventualmente depositantes), poupando os contribuintes portugueses, uma soma que poderia oscilar entre 500 a mil milhões de euros.
O Ministério das Finanças apressou-se a desmentir esta alternativa mais económica, em mais um comunicado numa série já significativa de esclarecimentos e tomadas de posição. Entre elas, a do antigo presidente da comissão executiva do Banif — em entrevista, Jorge Tomé mostrou incompreensão pelo que sucedeu, garantiu que havia alternativas melhores, e pediu uma auditoria independente — e a da antiga ministra das Finanças.
Maria Luís Albuquerque manifestou também surpresa com a resolução, recordou as dúvidas sistemáticas da Comissão Europeia em relação ao banco e colocou o foco no Banco de Portugal, ao apontar para um “problema de supervisão”.
E a comissão de inquérito ainda nem começou.