“Os efeitos poderiam ter sido catastróficos para mim e para a minha família. Com as dívidas [que contraí] teria de vender todo o património. Mas já não havia marcha-atrás possível”. Quem o diz é Fernando Nobre, candidato nas eleições presidenciais de 2011 e alguém que sabe bem o que significa ser independente na corrida até Belém. O desfecho acabou por ser feliz: com mais de 594 mil votos (14,10%), o  presidente da AMI teve direito à subvenção estatal, o que lhe permitiu saldar todas as dívidas que contraíra. Mas nem todos tiveram a mesma sorte.

Que o diga Maria de Belém Roseira. Com um orçamento de campanha estimado em 650 mil euros, a ex-presidente do PS ficou aquém dos 5% dos votos, o valor mínimo definido por lei para a atribuição de subvenções públicas. O partido liderado por António Costa já disse que não entra nas contas, o que significa que a socialista vai ter de pagar a campanha do próprio bolso. Caso para dizer que, depois de um resultado desastroso nas urnas, os problemas com as presidenciais para Maria de Belém ainda não acabaram.

Mas Maria de Belém não é a única nesta situação. Entre os candidatos que se apresentaram como independentes nestas eleições também Paulo Morais ficou de mãos a abanar. Sem direito a subvenção, o ex-número dois de Rui Rio na Câmara do Porto vê-se agora a braços com um défice nas contas de “aproximadamente 17 mil euros”, como o próprio revelou no Facebook. E foi lá que aproveitou para deixar um pedido. “Apelo aos donativos dos que queiram e possam apoiar, partilhando comigo este prejuízo“. Agora é tempo de fazer contas.

Mas há quem as faça mesmo durante a campanha. Ao cêntimo e sem contar com subvenções. Artur Pereira, diretor da campanha de Fernando Nobre, recorda ao Observador como tudo era feito com “imaginação, criatividade” e com “dinheiro próprio de mais de mil voluntários”. Quando as “promessas” de financiamento começaram a cair à medida que a campanha avançava e que Fernando Nobre caía nas sondagens, a ordem foi apertar ainda mais os cordões à bolsa.

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“Foi um orçamento de rigor. De guerra, mesmo. Sem grandes outdoors, sem assessores, com dois carros de campanha e só com telemóveis pessoais. Só na última arruada, em Lisboa, é que foram comprados dois megafones e as pilhas”, revela, entre risos.

Pina Pereira, mandatário financeiro de Manuel Alegre, nas eleições presidenciais de 2006, quando o socialista se apresentou como candidato independente contra Cavaco Silva e Mário Soares, lembra a mesma a receita. “Os orçamentos tendem a derrapar se não houver um controlo permanente, planeamento e rigor“.

Nesse ano, e ao contrário do que viria acontecer em 2011, Manuel Alegre acabou por não contrair qualquer dívida. O segredo, sublinha Pina Pereira, esteve no equilíbrio – “sempre difícil” – que foi conseguido entre “o desejo de fazer muitas coisas” e a “falta de meios para as fazer”. No fundo, “não dar um passo maior do que a perna”.

Claro que a subvenção estatal a que teve direito também ajudou a pagar aos credores – nessas eleições, Manuel Alegre conseguiu mais de 1 milhão de votos (20,74%), bem acima dos 5%. Mas grande parte desse apoio até era dispensável. A candidatura de Alegre acabou devolver “cerca de 200 mil euros” ao Estado, cita de memória Pina Pereira.

Cinco anos depois, em 2011, a história seria muito diferente. A correr com o apoio oficial do PS, Manuel Alegre terminaria a campanha presidencial em segundo lugar e com uma dívida de 422 mil euros por pagar. Conseguiu fazê-lo, mas só graças a uma conta solidária, que arrecadou metade do valor, e ao PS, que pagou o resto.

Menos sorte teve Freitas do Amaral. Partiu para a corrida presidencial de 1986 com o apoio de PSD e CDS, venceu a primeira volta, mas foi obrigado a disputar com Mário Soares a segunda. E perdeu por uma unha negra. A despesa com a campanha quase que duplicou, mas os apoios financeiros prometidos nem vê-los. Os sociais-democratas, com Cavaco Silva na liderança, tiraram o tapete ao fundador do CDS e não ajudaram a pagar a fatura. Freitas do Amaral nunca terá perdoado a desfeita a Cavaco Silva e demorou anos a saldar as dívidas que contraíra.

Curiosamente, é Marcelo Rebelo de Sousa, agora eleito Presidente da República, a revelar mais detalhes sobre a zanga entre Freitas e o núcleo duro do PSD. “Lembro-me de estarem vários apoiantes de Freitas no bar, de ele entrar e de lhe virarem as costas para não lhe falarem. Impressionou-me como ficou cheio de dívidas e do Cavaco e do PSD não lhe terem pagado”. Marcelo terá mesmo oferecido a Freitas do Amaral um passe de época para o São Carlos junto aos camarotes do Governo, fazendo com que no ano seguinte os líderes mais destacados do PSD tivessem obrigatoriamente de encarar Freitas do Amaral, conta o professor catedrático na biografia escrita por Vítor de Matos.

O stress (financeiro) pós-eleições é um problema que se coloca, sobretudo, nas candidaturas presidenciais sem apoios dos partidos. Sem máquina partidária, as despesas têm de se ajustar ao carrinho de rolamento que conduzem. Mais: às vezes tem de ser reajustadas a meio do caminho. Foi o que fez Defensor de Moura, candidato independente nas presidenciais de 2011.

“Quando vi que as sondagens me davam menos de 5%, tive de reduzir as despesas”, recorda ao Observador. O orçamento original, estimado em 200 mil euros, desceu mais de metade. No total, conta o antigo deputado e ex-presidente da Câmara de Viana do Castelo, acabou por gastar 90 mil euros e nenhuma dívida ficou por saldar. “Um dia depois das eleições passei um cheque de 66 mil euros e paguei tudo o que devia” – os restantes 24 mil vinham de “donativos de amigos e apoiantes”.

Olhando para trás, e apesar dos custos da campanha, Defensor Moura não guarda nenhum amargo de boca. Falho o objetivo principal – “provocar a segunda volta e derrotar Cavaco Silva” -, mas denunciou “tudo aquilo que queria denunciar” sobre Cavaco Silva.

Ainda assim, não esconde alguma revolta com a lei da subvenções. “Acho muito que as subvenções sejam atribuídas apenas a quem consegue mais de 5% dos votos. São sempre votos de eleitores, são sempre votos de contribuintes. [O bolo] deveria ser repartido por todos”, diz, por fim.