A liderança de Pedro Passos Coelho está bem e recomenda-se“. A garantia é dada por Teresa Leal Coelho, deputada social-democrata, ao Observador. No entanto,  a vitória de Marcelo Rebelo de Sousa nas presidenciais veio pressionar o líder do PSD a reposicionar-se e a rever (ou não) a forma como lidará com o PS. Marcelo já avisou que, se falhar o bom entendimento entre o PS e os partidos de esquerda, vai tentar convencer Passos a sentar-se à mesa com António Costa. Em teoria, tal colocaria o líder social-democrata numa posição delicada em relação ao partido – sobretudo em vésperas de congresso. A linha dura do PSD reconhece as boas intenções de Marcelo, mas deixa dois avisos: Passos está bem onde está e o PSD também.

Olhando para os dados que estão em cima da mesa, as expectativas de entendimento não são as melhores, sublinha António Leitão Amaro, deputado social-democrata. “Não digo que os eventuais esforços do professor Marcelo” no sentido de aproximar os dois blocos, “estejam condenados ao fracasso”. Mas “não me parece” que o PS consiga fazer esse caminho, atira o ex-secretário de Estrado da Administração Local. E não é o único a pensar assim.

[Os socialistas] assumiram um plano e terão de o levar até ao fim. Têm de assumir as responsabilidades. Agora, de uma coisa estou certo: o Governo só vai durar até quando o PCP quiser”, completa Sérgio Azevedo, também ele deputado do PSD, em declarações ao Observador.

O social-democrata reconhece como legítima a vontade de Marcelo Rebelo de Sousa de pôr um travão à crispação que tomou o Parlamento. Mas o PSD não pode, simplesmente, dar a mão ao PS e caminharem, juntos, para o abismo.”Este Governo está a conduzir o país ao desastre. É certo que era urgente repor rendimentos – e era isso a que se propunha Pedro Passos Coelho. Mas não a este ritmo e, sobretudo, sem medidas compensatórias. Não há medidas compensatórias. Além disso, este Governo está a reverter tudo o que anterior [Executivo] tinha posto em prática. O PSD não pode simplesmente alinhar nisso“, atira Sérgio Azevedo, antes de acrescentar: “Não diria que o esforço de Marcelo Rebelo de Sousa esteja condenado ao fracasso, mas é difícil esperar que o PSD dê mais passos do que já tem dado“.

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Durante a campanha presidencial, em entrevista à SIC, Marcelo Rebelo de Sousa chegou mesmo a dizer que faria “tudo por tudo” para que o Orçamento do Estado de 2016 (OE2016) passasse na Assembleia da República. E se à esquerda falhasse, tudo seria “tratado com a oposição”, leia-se PSD. No mesmo dia, no entanto, Marcelo acabaria por corrigir: se entre os partidos que apoiam o Governo socialista “não for possível” aprovar o OE2016, o então candidato presidencial esperava que houvesse “uma predisposição da oposição no todo ou em parte”.

Entre sociais-democratas, no entanto, essa possibilidade parece longínqua. Aliás, Pedro Passos Coelho deixou-o claro, no dia em que o Governo PSD/CDS caiu no Parlamento. “Quando precisarem [PS] da nossa ajuda, demitam-se”. E, sendo Passos como é, não é provável que acrescente uma vírgula ao que disse. “Passos é muito teimoso”, lembra ao Observador, em off, fonte social-democrata.

Daí para cá, é certo, o PSD já deu a mão ao PS num momento decisivo: absteve-se na votação do Orçamento Rectificativo, deixando passar o diploma, mesmo quando a esquerda deixou o PS isolado. Ainda assim, o PSD viria a explicar publicamente que aquela não era uma manifestação de apoio ao Governo socialista – os sociais-democratas não concordavam com os “termos e os contornos das decisões do Governo”, mas havia “informação indisponível”.

Agora, ao Observador, Leitão Amaro aproveita para lembrar esse momento como uma prova de que as tropas da São Caetano à Lapa não estão na Assembleia de má-fé. “Não vamos chumbar tudo por chumbar“, explicaE, por isso, o problema não é saber até onde tem de ir o PSD. A questão central, diz, é perceber se o PS é capaz de trazer as negociações para onde elas devem estar. O que é altamente improvável. “O PS está preso à esquerda“, sentencia o ex-secretário de Estado da Administração Local.

Não-alinhados querem que o PSD seja a “esquerda da direita”

O ónus está no PS e não no PSD, repetem os sociais-democratas. É precisamente neste ponto que se confrontam as duas correntes. De um lado, os que defendem que o partido, não fechando a porta ao diálogo, deve manter-se fiel ao que foi nos últimos quatro anos. E, do outro, os que pedem uma mudança de chip, um projeto novo, com efeitos práticos já nesta nova pele de maior partido da oposição. Uma reaproximação à linha da social-democracia, um reorientação ao centro, em que Marcelo Rebelo de Sousa poderá dar uma ajuda.

Antecipando a pressão, Pedro Passos Coelho apresenta esta semana a recandidatura ao cargo de líder do PSD com um novo slogan mesmo feito à medida para tentar tranquilizar o partido: “Social-democracia sempre!“. As eleições diretas para a escolha do líder são em março e o congresso em abril, em Espinho.

Mesmo não entrando em questões de foro interno do partido, Luís Marques Mendes sugere que Marcelo Rebelo de Sousa “tem todos os ingredientes para fazer um bom mandato” na Presidência da República.  Sobretudo, diz ao Observador, porque Marcelo tem capacidade para devolver ao país uma tradição que se perdeu em Portugal: a construção “de pactos” de regime. A chave para “encontrar a convergência” dentro da natural “divergência”.

Já Pedro Duarte, ex-deputado do PSD que foi diretor de campanha de Marcelo, é claro, em entrevista ao Expresso, sobre as lições a tirar destas eleições presidenciais: “O PSD deve recentrar o discurso. O partido deve perceber que nasceu como centro-esquerda e de uma forma inexplicável tem sido acantonado à direita“.

Ao Observador, fonte próxima do agora eleito Presidente da República vai mais longe. Marcelo Rebelo de Sousa tentará contribuir para “sarar todas as feridas” e “chamar para o diálogo” o PSD. Mais: a partir de Belém, pode estar tentado a reconstruir “a ponte entre PSD e PS”. “O Bloco Central não seria uma solução que ele repugnasse. Seria, aos seus olhos, a solução mais sólida, consistente e adequada atendendo à situação em que nós, país, estamos”.

Marcelo estará consciente de que a “situação à direita é muito difícil” e que o PSD – sobretudo o PSD – “ainda tem de lamber muitas feridas”. Feridas que a eleição de Marcelo pode ter aprofundado. “Houve muita gente que não percebeu bem o que Marcelo fez durante a campanha. Ouviram-se, não pelas ruas, mais pelas salas e pelos gabinetes, muitas críticas, muitas ofensas“.

É isso que vão sugerindo vários não-passistas, desde Nuno Morais Sarmento a José Eduardo Martins, passando por Pedro Santana Lopes e Manuela Ferreira Leite. A antiga ministra das Finanças chegou a dizê-lo, preto no branco, bem antes da eleição do ex-comentador: “Marcelo Rebelo de Sousa pode ser aquela pessoa que pode voltar a pôr o partido no centro”.

Nuno Morais Sarmento não foi tão longe, nem falou em mudanças de liderança, mas sugeriu que este era um momento decisivo para o partido. Na Rádio Renascença, o ex-ministro de Durão Barroso sublinhou que esta era “uma oportunidade” que o PSD tinha, “como poucas, precisamente por não estar em causa uma disputa de liderança, de discutir ideias, de tirar lições do tempo passado e preparar-se para os desafios futuros”. Mais uma vez, uma oportunidade única de se “reposicionar”.

Na SIC Notícias, Pedro Santana Lopes apresentou uma tese semelhante, acrescentado algumas questões. “[Com a eleição de Marcelo] Passos Coelho tem aqui várias opções: renova a sua equipa ou mantém a equipa? Está em full-time em quase em todos os debates na Assembleia ou resguarda-se mais?”. Perguntas a que Pedro Passos Coelho terá de responder, considera o atual provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa. Ainda assim, uma coisa parece-lhe garantida: “As pessoas quando ouvem Pedro Passos Coelho a falar querem um Pedro Passos Coelho já neste novo ciclo”.

A tal mudança de rumo e de discurso que os não-alinhados exigem a Passos. O reencontro com a linha social-democrata do partido. Ou, como sublinhou José Eduardo Martins ao Económico, a capacidade de “perceber que esta ideia” de serem “a esquerda da direita tem muito conteúdo e não é indiferente às pessoas“. Seria o “despir de vez as suas vestes paroquianas” e “de direita ultramontana”, como defendeu o ex-deputado do PSD em declarações ao Observador, ainda em dezembro.

Num artigo de opinião publicado no Jornal de Negócios, ainda antes das eleições presidenciais, o mesmo José Eduardo Martins, crítico da atual da liderança, deixou claro que Marcelo recuperaria “muito do espaço do centro que se sente órfão, com uma legitimidade superior à de qualquer dos actores políticos que protagonizarão o futuro próximo”.

E Marcelo venceu a corrida a Belém. Mesmo depois de a direção do PSD ter feito tudo “para que não fosse candidato”, escreve José Eduardo Martins. A explicação é simples: “Bastou-lhe um par de meses, no princípio do ano, a passear nas concelhias do PSD para se perceber que não havia ainda maneira do aparelho bloquear a identificação natural das bases com Marcelo“.

Para José Eduardo Martins, de resto, o partido está a seguir uma estratégia errada. É isso que diz agora ao Observador. Prova disso é o facto de já ter anunciado que não ia apresentar “alterações à proposta do OE2016”. Tal coisa, é “estranha” e  “inédita“, diz o ex-deputado do PSD. “O PSD é um partido com grande implantação regional se abstivesse de discutir o Programa de Investimentos e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC), onde está registado o plano público de investimento.

Além disso, entre os sociais-democratas continua a subsistir a expectativa de que este Governo não resiste ao Orçamento do Estado para 2017. O que afasta eventuais concorrentes. “Vivemos numa altura de grande instabilidade. Quem é que está disposto a assumir uma luta pela liderança nestas condições? A haver disputa pela liderança do partido, só existirá daqui a dois anos“, atira fonte social-democrata.

Os críticos de Passos vão ao congresso dizer tudo o que pensam, mas não mais do que isso. Em abril, não haverá moções de alternativa, nem candidatos à sucessão de Passos. Os próximos dois anos pertencem ao atual presidente do partido e se houver eleições antecipados será o ex-primeiro-ministro a medir forças com António Costa. Se o Governo de Costa não cair até 2017, a história poderá ser diferente.

Para já, no entanto, a pele de Passos parece estar a salvo e não será a eleição de Marcelo a dar força a uma eventual frente interna, garantem os passistas. “Repare, não há marcelistas no PSD“, argumenta António Leitão Amaro. Nem tampouco se espera que Marcelo “construa uma base de apoio” a partir de Belém, para depois ser “capitalizada por qualquer anti-passismo que eventualmente exista“.

Até porque, se há uma coisa que ficou clara durante a campanha eleitoral, é que Marcelo, apesar de fundador do partido, é um político independente e até algo “solitário”. Ou seja, “ninguém será posto na prateleira por ter apoiado Marcelo” e “ninguém sairá reforçado por ter aparecido abraçado” ao agora eleito Presidente da República. “Não vale a pena extrapolar”, insiste Leitão Amaro.

Se feridas houvesse por Marcelo ter estado muitas vezes ao lado do Governo de António Costa durante a corrida presidencial, elas já estão saradas, acrescenta Sérgio Azevedo. “Isto é um bocadinho como no futebol. Há paixões. E admito que entre os militantes de base pudesse existir alguma expectativa” de que Marcelo vestisse mais a camisola do partido. “Mas Marcelo Rebelo de Sousa fez o seu papel“, reconhece agora o deputado do PSD. Apelou aos consensos de regime, como era expectável que o fizesse.

O deputado Hugo Soares ajuda a desmistificar a questão. “Foi uma grande vitória do professor Marcelo Rebelo de Sousa e, naturalmente, também uma vitória do PSD. Não há feridas” ou amargos de boca pelo facto de Marcelo ter saído tantas vezes em defesa de António Costa, garante. A corrida presidencial só ajudou a provar uma coisa: apesar de pertencer a uma família política que ajudou a criar, Marcelo Rebelo de Sousa já deu provas de que decide sempre com autonomia e total independência”. Ou seja, ninguém espera que seja um aliado natural de António Costa ou que traga ao peito o brasão do partido. Nem tampouco se espera que Marcelo interfira ou tente interferir com a vida interna do partido. “Não tenho dúvidas que agirá sempre em conformidade com aquilo que entende ser o interesse nacional. Não se esperam grandes alterações institucionais, nem no partido, nem Assembleia da República”, resume Hugo Soares.