É o maior aumento do imposto sobre os combustíveis desde 2000, mas o Governo tem procurado desvalorizar o seu impacto nos preços finais e na economia. Começou no discurso da neutralidade fiscal, em que a subida do imposto petrolífero servia para compensar a queda de cobrança no IVA dos combustíveis.
O aumento do imposto acabou por ser maior que o previsto — seis cêntimos contra 4 a 5 cêntimos — e por acontecer mais cedo que o antecipado — sexta-feira em vez de esperar pela entrada em vigor do Orçamento do Estado.
Por entre a surpresa e o coro de protestos, o Governo comprometeu-se a baixar o imposto se o petróleo subisse de preço, mas com algumas condições, e prometeu benefícios fiscais para os setores mais penalizados.
Primeiro facto: Proposta inicial para subir quatro a cinco cêntimos no imposto petrolífero compensa perda no IVA?
O argumento começou por ser utilizado pelo ministro das Finanças na apresentação do esboço orçamental em janeiro. Mário Centeno justificou a necessidade de um aumento de imposto sobre os produtos petrolíferos (ISP) de quatro a cinco cêntimos por litro para assegurar a neutralidade fiscal face à descida das cotações do petróleo.
As contas do ministro tinham por base a perda gradual de receita no IVA, sobretudo desde que a queda do petróleo e dos preços dos combustíveis se acentuaram, a partir do verão passado. O aumento proposto inicialmente pretendia assegurar a “neutralidade fiscal”, face ao nível de receita que o Estado estava arrecadar em julho de 2015 no IVA.
Para compensar a perda no IVA, que incide sobre o preço mais o imposto petrolífero, o governo apostou então em reforçar o imposto específico sobre a gasolina e o gasóleo. O argumento quase batia certo com as contas então apresentadas por Centeno.
Sem conhecer as datas exatas que sustentam as declarações do ministro, o Observador foi comparar o IVA que estava a ser cobrado na primeira semana de julho do ano passado com o valor do mesmo imposto na semana que antecedeu este anúncio. Na gasolina, o IVA cobrado caiu de 28,8 cêntimos para 24,6 cêntimos por litro a 18 de janeiro. A diferença estava nos 4,2 cêntimos por litro.
Comparando os preços do gasóleo para as mesmas datas, verificamos que o IVA arrecadado em cada litro passou de 23,4 cêntimos para 19,4 cêntimos por litro, exatamente os quatro cêntimos então propostos de agravamento do imposto petrolífero.
O único problema com estes cálculos é que o imposto a aumentar seria o petrolífero e como o IVA incide sobre o ISP, a carga fiscal sobre os combustíveis subiria um pouco mais do que a prometida neutralidade fiscal, ultrapassando provavelmente aos cinco cêntimos por litro na gasolina e no gasóleo. O que representaria um bónus para o Estado face à tal perda de receita no IVA.
Há ainda um outro fator que estas contas ignoram. Se é verdade que a desvalorização do petróleo e dos preços antes de impostos afeta negativamente a cobrança no IVA, já o mesmo não acontece com o imposto petrolífero, onde o Estado nunca perde porque este é um valor fixo por litro. Aliás, ao invés de perder até ganha, porque a receita do imposto petrolífero cresce quase sempre quando os preços baixam, porque a procura aumenta.
E por cada litro vendido a mais, o Estado arrecadava (ainda com o nível de ISP anterior ao mais recente aumento) 0,4 euros no gasóleo e 0,62 euros na gasolina de imposto específico, mais do dobro (quase o triplo na gasolina) do que cobra em IVA e muito mais do que os quatro cêntimos que estava a perder neste imposto. O governo nunca revelou números para esta perda de receita no IVA.
No ano passado, as receitas do imposto petrolífero renderam 2.237,6 milhões de euros, mais 145 milhões de euros que em 2014. Este crescimento de 7% é em parte explicado pela subida do consumo, embora também resulte do agravamento fiscal (contribuição rodoviária mais fiscalidade verde) verificado no ano passado. Ainda assim, o crescimento da receita ficou aquém do esperado, sobretudo porque a retoma no mercado acabou por desiludir, face às previsões iniciais. E nem o imprevisto trambolhão do petróleo evitou o arrefecimento da procura nos últimos meses do ano.
Segundo facto. Após o aumento do imposto, preços ficaram iguais a valores do final do ano passado?
Com a pressão de Bruxelas para apresentar mais medidas de consolidação orçamental, a opção foi carregar ainda mais no imposto petrolífero, aproveitando a folga criada nos preços pela desvalorização mais recente do petróleo. Em vez de 4 e 5 cêntimos, o imposto aumentou seis cêntimos.
Mas, mais uma vez, o discurso político prometia “neutralidade fiscal”. Agora já não se tratava apenas de compensar as perdas no IVA, pois a dimensão da subida já não sustenta essa tese, mas de voltar aos preços finais praticados no final do ano passado.
A garantia foi dada pela voz do primeiro-ministro. O aumento do imposto seria neutral face aos preços pagos pelos automobilistas nacionais no final do ano passado. No debate de sexta-feira, no próprio dia em que o imposto subiu, António Costa assegurou que o gasóleo, já com a fiscalidade agravada, ficou “ao preço de 18 de dezembro”. A gasolina passou a custar o mesmo que no dia 24 de dezembro do ano passado.
Ou seja, o agravamento fiscal que, com o efeito do IVA, terá oscilado entre os 7 e os 7,5 cêntimos por litro, anularia a descida dos preços sentida nas últimas semanas. Dados provisórios indicam que os combustíveis subiram 4 cêntimos por litro no fim de semana, graças à evolução favorável das cotações da gasolina e do gasóleo que permitiu travar o impacto da fiscalidade.
Tendo em conta a especificidade das datas escolhidas por António Costa, ou por quem o aconselhou, o Observador foi comparar os preços desta segunda-feira, depois do aumento do imposto, com os valores médios praticados nas semanas que incluem os dias referidos pelo primeiro-ministro. A conclusão não é a mesma para os dois combustíveis.
A gasolina esta segunda-feira (considerando o preço do produto de 95 octanas) está até ligeiramente (meio cêntimo) mais barata do que o preço praticado na terceira semana de dezembro. Já no gasóleo, o combustível mais usado em Portugal, o resultado não é o que anunciou Costa. O preço ontem estava um cêntimo acima do praticado na tal semana de dezembro.
Estas comparações não são definitivas, porque o preço médio semanal, já com o agravamento do imposto, ainda não foi divulgado.
Inconclusivo. Não é possível, para já, tirar conclusões sobre as contas do primeiro-ministro. Por um lado, os preços médios da Direção-Geral de Energia e Geologia são semanais e não diários. Por outro lado, é preciso esperar pelos preços médios desta semana, que só deverão ser conhecidos na próxima.
Terceiro facto. O imposto baixa se os preços subirem?
Por agora ainda é uma promessa, mas a volatilidade dos mercados deverá testar em breve as boas intenções do governo. Desde a proposta de Orçamento do Estado que o executivo tem aberto a porta à descida do imposto em caso de inversão da tendência de baixa dos preços dos combustíveis.
O secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, Fernando Rocha Andrade, tem dado a cara por esse compromisso, mas fazendo algumas ressalvas. Por um lado, o ISP até pode voltar a subir se o Estado voltar a perder receitas no IVA por causa do petróleo barato. Para alterar este imposto basta uma portaria, o que confere ao governo a possibilidade de ajustar as taxas em função das variações do petróleo. Já a margem orçamental é apertada.
Por outro lado, num cenário de escalada de preços, a disponibilidade para ceder receita no ISP é também limitada, mais uma vez pela famosa neutralidade fiscal. Em entrevista ao Observador, Rocha Andrade explicou que o imposto petrolífero pode baixar um cêntimo porque cada quatro cêntimos de aumento nos preços. Isto porque a perda no ISP é compensada no IVA. Tudo o que seja mais do que isto, ou seja, se os preços aumentarem muito, o imposto petrolífero só desce se exigir folga orçamental.
E a recente valorização das cotações do petróleo pode testar as boas intenções do governo, mais cedo do que se estava à espera.
Quarto facto. Haverá benefícios fiscais para as empresas de transportes?
A proposta de Orçamento do Estado prevê uma autorização legislativa para criar um regime fiscal que permita compensar os agentes económicos mais penalizados (transportes de passageiros e mercadorias) com a subida do preço do gasóleo. O governo pretende ainda evitar a necessidade de aumentos no preço dos transportes públicas, por causa do agravamento do imposto.
A ideia original era permitir deduzir no imposto sobre os lucros esse aumento de custos. Mas logo surgiu um obstáculo: muitas das empresas do setor não apresentam lucro, a começar nas empresas públicas de transportes, pelo que este mecanismo tem de ser substituído ou complementado, explicou ao Observador o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.
Fernando Rocha Andrade reconhece ao mesmo tempo que os benefícios fiscais a criar não podem ter um grande impacto orçamental. “Se fosse fácil, já estava feito”, reconhece, sublinhando que o objetivo é de que seja aprova com o Orçamento do Estado.