Na qualidade de “convidado estrela” das jornadas parlamentares do PSD, em Santarém, e numa intervenção em que assumiu encarar com “tranquilidade” a candidatura ao cargo de secretário-geral da ONU – apoiada, também, pelos sociais-democratas -, António Guterres acabou por reconhecer o “apoio preciosíssimo” do partido liderado por Pedro Passos Coelho, a quem, diz, “não podia pedir mais”.

O ex-primeiro-ministro socialista respondia, assim, a um desafio de Duarte Marques, deputado social-democrata, que acabara de perguntar ao antigo Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados em que medida o PSD o podia “ajudar ainda mais a ser eleito”.

Antes, tinha sido a vez de Pedro Passos Coelho deixar um rasgado elogio a António Guterres. Na qualidade de anfitrião, o presidente do PSD – que passou o dia em Bruxelas, na reunião do PPE – reafirmou o apoio “entusiástico” do partido à candidatura do socialista e fez votos para que a corrida ao mais alto cargo da ONU fosse “bem-sucedida”. “Seria uma honra” se Guterres fosse eleito, garantiu Passos, a quem não restam dúvidas de que o antigo secretário-geral do PS daria “boa conta do recado”.

A troca de cumprimentos entre António Guterres e PSD acabaria por não se ficar por aqui. À saída, em declarações aos jornalistas, o ex-líder socialista confessou-se “muito reconhecido” com o apoio dado pelo PSD à sua candidatura e pelo esforço feito pelos sociais-democratas, mesmo no seio do PPE, no sentido de sensibilizar todos os parceiros europeus.

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Ainda assim, o engenheiro preferiu não entrar em questões políticas e recusou-se a comentar o facto de ser, por esta altura, um dos poucos pontos de convergência e de consenso entre socialistas e sociais-democratas.

“Afirmei na Assembleia da República a minha disponibilidade para colaborar com todas as forças políticas na discussão deste tema. Não há discriminação nesta matéria”, assegurou Guterres, antes de deixar um elogio à classe política portuguesa: “Em Portugal não há nenhuma força política significativa que se tenha afirmado à custa da xenofobia. Nunca ninguém ganhou votos com o populismo xenófobo”.

Guterres não está “particularmente otimista” sobre resposta da UE para travar a crise dos refugiados

António Guterres acabaria por centrar grande parte da sua intervenção na necessidade urgente de a União Europeia encontrar respostas para a crise de refugiados que atravessa países como a Síria, o Iraque e a Líbia e que se estende também, e cada vez mais, à Europa.

Reconhecendo não estar “particularmente otimista” neste momento, o candidato a secretário-geral da ONU deixou um aviso sério: “Estamos à beira do fim da oportunidade” para encontrar soluções para este problema. A comunidade internacional tem de fazer esforços sérios e efetivos nesse sentido, ou então, atingiremos um ponto sem retorno, sublinhou Guterres.

Nesse sentido, o antigo Alto Comissário das Nações Unidas para os Refugiados defendeu a “criação de vias regulares de movimentos migratórios – como fazem Canadá e Austrália” – que pudessem dar resposta, “de uma forma organizada e sistemática”, ao fluxo de refugiados que todos os dias tenta chegar à Europa.

Ao mesmo tempo, António Guterres considera essencial que a União Europeia – e a comunidade internacional, em geral – adotem “políticas de organização para o desenvolvimento que se organizem em torno das questões da mobilidade humana. Procurando, [nessa linha], criar condições para que as pessoas não sejam obrigadas a mover-se”.

A única forma de travar a crise e de eliminar a influência dos “gangues” dedicados ao tráfico humano, considera Guterres, é garantir que essas pessoas que tentam fugir aos conflitos armados e às situações-limite “tenham a possibilidade de uma opção de futuro nos seus próprios países”.

Caso contrário, alertou o ex-primeiro-ministro, num mundo mergulhado em “caos” e com um sentimento de “impunidade crescente”, a situação dificilmente será resolvida. E os cidadãos europeus tornar-se-ão “as segundas vítimas” desta crise. Faltando uma resposta conjunta e coerente à crise de refugiados, haverá uma tendência para que os países, de forma autónoma e desregulada, procurem respostas para o problema.

As restrições fronteiriças em nome da segurança vão crescer, o espaço Schengen ficará em risco e, em última análise, todo o mercado único europeu também. Com eles, o projeto europeu sucumbirá, concluiu Guterres. A intervenção do ex-primeiro-ministro acabaria por ser largamente elogiada pelos deputados sociais-democratas presentes.