Vinte e dois por cento da população portuguesa idosa não terá condições para aquecer a sua casa durante o inverno. Bragança e Montalegre são os concelhos com maior risco de pobreza energética, enquanto Braga, que até fica perto do primeiro, vai no sentido oposto, sendo aquele onde existe menos escassez energética. A tarifa social de energia torna-se inútil em muitos dos casos mais complicados, pois nos meios rurais ainda se recorre muito à lenha, em detrimento dos aparelhos elétricos. Estas são algumas das conclusões do CENSE (Centre for Environmental and Sustainability Research), da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, no âmbito do projeto ClimAdaPT.local (Estratégias Municipais de Adaptação às Alterações Climáticas).
O tema da pobreza ou escassez energética é trabalhado há duas décadas no Reino Unido e tem ganho cada vez mais importância na Europa. “A pobreza energética tem a ver com as pessoas que não têm capacidade para aquecer a sua casa. No nosso caso, sendo Portugal um país mediterrânico, alargámos o conceito, abordando também o arrefecimento das casas no verão, problema que atingirá 29% da população”, explica Sofia Simões, cientista do CENSE. É que há metas e números que dizem quais devem ser as temperaturas ideais das casas no inverno (20º) e verão (18º).
“Avaliámos a pobreza energética com base em duas componentes: características dos edifícios e das habitações. Olhámos para as diferentes características construtivas dos 29 concelhos. Há uma diversidade muito grande. E depois, em segundo lugar, há uma diversidade climática muito grande, no verão e inverno. Cruzámos essa informação, a tipologia da construção e os estados climáticos, com as condições socio-económicas destas pessoas (com mais de 65 anos), através dos dados fornecidos pelo Instituto Nacional de Estatística (censos 2011). Trabalhámos à escala da freguesia”, explica.
Essas são, precisamente, duas das limitações deste estudo: os censos dizerem respeito a 2011, algo que poderá desvirtuar a realidade, enquanto a outra limitação prende-se com o facto de o estudo ser tratado ao nível da freguesia. “Há diferenças muito grandes dentro de cada freguesia. Cascais é um bom exemplo. Queremos atualizar os dados.”
Os dados do INE ajudam a traçar um background, um contexto, das famílias: rendimento médio, taxa de escolaridade, taxa de desemprego, taxa de posse das habitações (se vivem em casas próprias ou alugadas), indicação de equipamentos de climatização (ar condicionado, lareiras, recuperadores de calor, bombas de calor).
“Cruzámos essa informação e construímos um indicador de vulnerabilidade que representa a capacidade dos residentes para aquecer as suas casas. Ou seja, tem a ver com a disponibilidade económica e com o facto de já terem, ou não, equipamento para aquecimento ou arrefecimento. Temos em conta também as taxas de escolaridade e desemprego. Na parte construtiva, olhámos para as características dos edifícios e calculámos se as casas são mais antigas ou novas, as estruturas, as paredes… Calculámos assim a necessidade de aquecimento e arrefecimento ideais”, esclarece Sofia Simões.
Bragança e Montalegre: os mais pobres
Bragança e Montalegre são os casos mais preocupantes. Em sentido contrário, como vimos, está Braga. Porquê? “Não está assim tão longe, não tem um clima assim tão distinto, mas as freguesias de Braga são das que têm menor percentagem de pessoas idosas em risco de pobreza energética. Tem a ver com a tipologia construtiva, há mais habitações novas, há mais casas com ar condicionado. O ganho médio das pessoas é bastante superior do que acontece em Rio de Onor (Bragança), por exemplo — 75% das pessoas com mais de 65 anos está em risco. Na freguesia de Real, em Braga, só temos 8% de idosos com mais de 65 anos em risco de pobreza energética. A população em Braga é muito mais jovem do que em Bragança”, diz.
Embora não tenham estado no terreno, fizeram-se workshops, nos quais o CENSE esteve em contacto, no último ano, com as autarquias, juntas de freguesia, responsáveis da Santa Casa da Misericórdia e responsáveis pela saúde municipal. “Foi interessante, isto é um assunto muito conhecido, as pessoas estão muito atentas. No sul do país, em Ferreira do Alentejo e Odemira, por exemplo, estão preocupados com ondas de calor, com o que fazer aos idosos quando isso acontecer. Já há planos de alerta quando há ondas de calor. No norte, naturalmente, estão atentos aos picos de frio.” Ao Ambiente Online, Sofia Simões já explicara que há consequências importantes associadas a este problema, não apenas ao nível social, cujas consequências “são intangíveis”, como pelo facto de eventualmente acarretar custos para o Serviço Nacional de Saúde.
A tarifa social de energia faz a diferença? “É ótima, é uma boa medida. A questão que levanto, e que queremos investigar mais, é o facto de Portugal ser dos países da Europa que usa mais lenha para aquecimento. A tarifa social tem a ver com eletricidade. Há idosos que não têm equipamento elétrico para aquecer a casa. Suspeito que não vai ser com a tarifa social que o vão comprar. O conhecimento que temos é que as pessoas, no meio rural, aquecem a casa com lenha”, explica. Ou seja a tarifa social é, em muitos casos, inútil. Sofia Simões refere ainda uma notícia do Sol, de novembro de 2014, que dava conta da morte de 49 idosos, entre 2012 e 2014, por quedas em lareiras, sendo que uns morreram por intoxicação de fumo e outros por queimaduras. “Em nenhum país da Europa se usa tanta lenha para aquecer a casa como em Portugal…”