Roberto Saviano vive escondido há anos. Não por ser criminoso, mas por ter denunciado criminosos. Mais precisamente a atuação e relações institucionais da máfia italiana, tema do seu livro Gomorra.
El Chapo não vive escondido mas já viveu. Há pouco mais de um mês, e depois de uma mediática fuga da prisão onde estava detido, Joaquin Guzmán foi novamente detido.
O que une então estes dois homens? Uma descoberta improvável: quando voltou a ser preso, foi encontrado, no esconderijo do narcotraficante mexicano e líder do cartel de Sinaloa um exemplar do livro Zero, Zero, Zero, escrito pelo italiano Saviano.
Ora Saviano, que devido às ameaças de morte de que era alvo depois do lançamento da obra, em 2006, vive escondido e sob proteção policial por decisão do então ministro do Interior italiano, Giuliano Amato, reapareceu para comentar o estranho achado. Fê-lo vindo a público através de um texto publicado no El Pais — “O Livro no Esconderijo de El Chapo” –, texto em que o especialista no mundo do crime conta que, quando soube da descoberta do seu livro no esconderijo de Chapo, “a surpresa durou um momento”. Apenas o momento necessário para dar-se “conta que sempre foi assim: enquanto a sociedade civil considera os criminosos umas bestas incultas, eles, na sombra, demonstram um maníaco interesse por tudo o que lhes diz respeito”. Ou seja, Saviano garante que “eles observam-nos e estudam-nos sem ser observados e apenas saem à luz quando já são animais moribundos, fazendo-nos sentir omnipotentes pelo simples fato de sermos capazes de lhes tocar na cauda e de cheirar o seu rastro”.
A partir daqui o também jornalista diz que a detenção do mexicano foi apenas uma ilusão de vitória:
O presidente [do México] tem que admitir que, por muito que tente passar a detenção de El Chapo como uma vitória, na realidade não foi mais do que uma encenação, uma representação para os media, visto que o ‘El Chapo’ já estava afundado numa profunda crise”.
Exemplo disso mesmo foi a entrevista com o ator norte-americano Sean Penn que, para o italiano, constituiu “principalmente a sua maior declaração de fraqueza, não um pecado de vaidade”. Isto contribuiu também, na opinião do autor de Gomorra, para que o vídeo da chegada das autoridades ao refúgio de Guzmán tivesse dado “a volta ao mundo”. Mas quando se fala em líderes da máfia ou do narcotráfico, “o nosso maior erro quando os enfrentamos é reduzi-los a sujeitos de uma só dimensão, limitando-nos a estudá-los como criminosos”.
É por isso que, para Saviano, ter visto o seu próprio livro na posse do líder de Sinaloa “não é de todo surpreendente”. Para além disso, o escritor revela que “nos dias a seguir ao vídeo começaram a ocorrer-me coisas peculiares”:
Para começar, pararam-me na alfândega dos Estados Unidos, dado que, ao que parece, segundo algumas revelações, o exemplar de Zero, Zero, Zero encontrado no esconderijo de El Chapo tinha uma dedicatória minha, dedicatória que claro que não foi posta por mim”.
Mais do que isso, havia também um juiz que “queria esclarecer alguns aspetos da história comigo”, isto porque “por agora continuam a contactar-me para todo o tipo de suposições.