“Olhe, desculpe, já esteve em Portugal?”
“Não.”
“E gostava de ir?”
“Sim, adorava.”
David Neeleman repete as perguntas a vários dos funcionários do restaurante em que janta no centro de Nova Iorque, onde esteve na semana passada a propósito da apresentação das novas rotas da TAP que reforçam a presença da companhia aérea portuguesa nos EUA. A ideia é mostrar que, na grande cidade americana, a quem quer que se faça a pergunta, a resposta será sempre a mesma. No dia seguinte, em pleno aeroporto John F. Kennedy, repetirá o número: levante a mão quem não conhece Portugal e gostava de conhecer, atira. Todos falam das praias e do bom tempo, Neeleman acrescenta as “mulheres bonitas”, e está completa a receita do sucesso.
O sotaque é característico, o humor é refinado. Esforça-se por falar português com os jornalistas portugueses mas nem sempre compreende todas as palavras. Na conferência de imprensa que foi organizada em pleno corredor do aeroporto nova-iorquino de JFK, na última segunda-feira, com alguns jornalistas sentados no chão e ele absolutamente descontraído, o empresário norte-americano que tem 50% da companhia aérea portuguesa através do consórcio Atlantic Gateway, começa por fazer a apresentação das novas rotas Lisboa-Boston e Lisboa-Nova Iorque (JFK) em inglês, para boa compreensão da imprensa norte-americana, mas depressa faz o “switch”. “Agora vão ouvir-me a exibir o meu português”, diz, convidando os norte-americanos a assistirem a um momento de “show-off” dos seus dotes linguísticos.
Nascido no Brasil, criado nos EUA, a língua que fala não é um pormenor secundário nesta história. A nacionalidade de quem manda, afinal, na TAP está na origem do diferendo da companhia aérea com a Autoridade Nacional de Aviação Civil (ANAC) devido às regras europeias que ditam que a maioria do capital da empresa tem de ser detido por cidadãos da União Europeia. Então quem manda afinal na TAP desde que o consórcio de David Neeleman e Humberto Pedrosa (do grupo Barraqueiro) comprou a companhia aérea portuguesa? “O Humberto, claro”, diz Neeleman, sublinhando que nove dos 11 membros do conselho de administração são europeus.
“Depois só há um americano e um brasicano”, diz, referindo-se a si próprio e à mistura de brasileiro e americano que o caracteriza. Dono da companhia aérea brasileira Azul e fundador da low cost norte-americana Jet Blue, Neeleman só conheceu o sócio português Humberto Pedrosa no momento de fechar o negócio para a compra da TAP. “Não o conhecia, mas queria ter um sócio português” et voilà, diz ao Observador numa conversa descontraída entre o rodopio que foi a viagem de dois dias para promover as ligações aéreas da TAP entre Portugal e os EUA. Além das novas rotas apresentadas, a transportadora portuguesa vai reforçar também as ligações com Miami e Newark, aumentando a oferta de voos diários durante o verão, e mantendo os voos diretos que se realizam duas vezes por semana entre o Porto e Newark. No total, e segundo dados avançados pela companhia, passará a ter 30 voos semanais entre Portugal e os EUA.
Tal como os milhares de americanos que não conhecem Portugal, também David Neeleman não tinha posto um pé em território português até ao dia em que foi falar com o Governo sobre a sua intenção de comprar a companhia aérea que estava prestes a ser privatizada. A primeira vez que foi a Lisboa (a capital que quer tornar a “porta de entrada na Europa”) foi em dezembro de 2014 para uma reunião com o então ministro da Economia, Pires de Lima.
Com Passos Coelho nunca falou, garante. “Só com Pires de Lima e Sérgio Monteiro”. Nem tão pouco conhece a maioria dos atuais governantes. Rui Moreira, o “mayor” do Porto, como lhe chama, menos ainda. Da cidade do Porto, aliás, só conhece o “aeroporto”, para onde voa quando faz, amiúde, a ligação Newark – Porto – Lisboa. No auge da polémica sobre a suspensão de quatro rotas no Porto, por alegadamente não serem rentáveis, Neeleman puxa do seu sentido prático e compara a dimensão da cidade do norte do país com a de Barcelona, em Espanha, para justificar que a maior parte das rotas em Espanha passam por Madrid e não pela capital catalã.
Voar para esquiar
Pragmático no tom e de gargalhada fácil, distrai-se facilmente quando as conversas vão longas ou quando está muito tempo parado no mesmo sítio. Desvia o olhar e a concentração já foi. Confessou numa entrevista, em 2013, que sofria de síndrome de défice de atenção e que, por isso, se aborrecia facilmente durante as viagens de avião. Agora, garante na conversa mais intimista ao Observador que se não estiver a trabalhar só voa mesmo se for para ir para a neve. “Adoro esquiar”, diz, explicando que é isso que o sentar-se no banco do avião quando não há negócios envolvidos. Sobretudo se for com os nove netos.
Em todo o caso, as horas passadas no avião são a parte menos agradável para o empresário do setor. Como não é muito dado a leituras calmas e tranquilas, Neeleman tem uma pequena obsessão por abastecer todos os seus aviões com um ecrã de televisão em cada lugar, com vários canais, assim como com bancos passíveis de mudarem para a posição horizontal, de forma a tornar as horas passadas no avião mais dinâmicas e menos penosas. Foi o que fez nas suas companhias aéreas e é o que se prepara para fazer na TAP, diz, assegurando que os novos Airbus A330 que vão ser adquiridos este ano pela transportadora, e que vão ser usados para as novas ligações nos EUA, já vão estar melhor equipados nesse sentido.
Hoje em dia, e apesar de reconhecer que não conhece Portugal como deve ser, viaja “duas ou três vezes por mês” para Lisboa.
“Portugal é um país esquisito”, atira a dada altura no habitual tom descontraído. Esquisito no sentido em que “tudo gira à volta da política e do futebol”, explica. Ainda assim, e apesar do arrependimento que possa sentir em ter investido já mais de 180 milhões de euros na companhia que está agora de pés e mãos atados pela ANAC, garante que gosta daquele pequeno país à beira-mar plantado com quase tantos habitantes quanto os que tem Nova Iorque.
*O Observador viajou a convite da TAP