“Gestão deficiente”. Foi tudo que bastou para Pablo Iglesias dar ordem de marcha a Sergio Pascual, o homem do aparelho do Podemos e braço direito de Íñigo Errejón, o número dois do partido. Mas a demissão de Pascual pode fazer parte de algo maior: uma luta fratricida que ameaça fazer implodir o partido.

A notícia do afastamento de Pascual chegou na terça-feira de forma inesperada e fez notícia em vários jornais espanhóis. O destaque vai para o artigo do El País, que fala em “golpe de Iglesias” que “aprofunda a crise do Podemos”.

Pascual terá sido apanhado no meio do fogo cruzado entre Iglesias e Errejón. Uma vítima colateral de uma disputa entre duas correntes internas que querem tomar conta do partido, especulam os jornais espanhóis. Oficialmente, no entanto, o partido justifica o afastamento do número dois de Errejón com os erros sucessivos na gestão da crise que rebentou no interior do Podemos e culpa-o por não ter conseguido travar a debandada do Podemos na Comunidade de Madrid, mas também pelos parcos resultados na gestão da crise interna do partido na Catalunha, na Galiza e na Cantábria.

A 9 de março, Emilio Delgado, que faz parte das tropas de Errejón e era número três do Podemos-Madrid, demitia-se, levando consigo outros nove dirigentes regionais. Em causa estava a “deriva” da direção regional, mas os jornais espanhóis não demoraram a apontar outro fator: o rumo que Iglesias estava a escolher, ao recusar-se em apoiar a tomada de posse do Governo socialista de Pedro Sánchez, terá acentuado as divergências entre Iglesias e Errejón.

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Esta versão foi desmentida oficialmente pelos dois principais rostos do Podemos, mas nem por isso as notícias sobre as alegadas divergências internas do partido perderam força. E aqui entra novamente Sergio Pascual: o braço direito de Errejón terá sido demitido para retirar força à oposição interna do Podemos.

É isso que escreve o El País, num artigo com um título sugestivo: “Iglesias fulmina o seu secretário da Organização para evitar uma rebelião interna”. Com a saída de Pascual, o líder do Podemos passa a controlar todo o aparelho e, de uma cajadada só, retira força a Errejón, que vai perdendo apoiantes a cada demissão – enquanto a outra barricada ganha novas armas.

As personagens vão desfilando no meio deste, suposto, campo de batalha. Carolina Bescansa, cofundadora do partido, foi a primeira a admitir “as divergências internas” do Podemos – diferenças naturais de um partido em crescimento, como fez questão de ressalvar. Irene Montero e Rafael Mayoral, dirigentes do Podemos e próximos de Iglesias, apressaram-se a justificar a saída de Pascual: foi difícil, mas um mal necessário para ultrapassar a crise e acabar com especulação. O afastamento do Secretário da Organização era uma condição para o partido se reorganizar, dizem.

Numa carta enviada na terça-feira e dirigida aos militantes, cita o El País, Pablo Iglesias explica que tomou conta dos aspetos orgânicos do partido – missão que pertencia a Pascual – para que não haja “correntes e fações a competirem entre si pelo controlo do aparelho e dos recursos [do partido]“. E, assim, Errejón vai ficando cada vez com menos espaço.

No início de fevereiro, Pedro Sánchez rompeu as negociações com Podemos – caía assim a hipótese de Governo PSOE-Podemos. Na altura, Pablo Iglesias terá tentado encostar Sánchez à parede, pedindo-lhe que optasse entre o Podemos ou o Ciudadanos – nunca os dois.

O líder do Podemos chegou mesmo a fazer um ultimato: “Se o PSOE quer trabalhar nesse sentido, estamos prontos de imediato. Mas se pensam que pode virar à direita ao mesmo tempo que planeia a outra opção, nós não estamos de acordo com isso.”

Não foi assim e o PSOE avançou para o acordo com o Ciudadanos. O Podemos (e outros partidos da esquerda) acabariam por deixar cair esta solução governativa no Parlamento – para desagrado de uma parte do partido, que pede uma posição mais moderada.

Nesse dia, Iglesias voltou a estender a mão a Sánchez: “Eu sei que não fará parte dos seus melhores sonhos governar comigo e os nossos também não são trabalhar convosco. Mas a partir de agora podíamos juntar-nos pois estão dispostos a trabalhar. Na política espanhola, o amor está no ar. Pedro, só faltamos tu e eu (…). Às vezes, às discussões mais azedas seguem-se os momentos mais doces. Oxalá, depois desta noite o acordo a que cheguemos possa chamar-se o ‘acordo do beijo’”.