José Sócrates “almoçava e jantava em bons restaurantes”, vestia em “boas lojas” e passava férias em sítios exclusivos, mas Fernanda Câncio, jornalista e ex-namorada do primeiro-ministro, afirmou que nada disto seria estranho já que a família do político socialista vivia com “desafogo” e o próprio lhe teria dito que ganhava uma avença de 25 mil euros depois de sair do Governo. Por isto, Câncio escreve que “foi um choque” a detenção de José Sócrates e Carlos Santos Silva.

A jornalista Fernanda Câncio escreveu um artigo na revista Visão em que procura rebater pormenorizadamente as notícias do último ano e meio que a envolvem na Operação Marquês. Câncio diz já ter sido ouvida como testemunha pelo Ministério Público (MP) nos autos do processo que tem José Sócrates como principal arguido, em outubro de 2015. Dois jornalistas do Correio da Manhã, assistentes naquele processo, entregaram em dezembro de 2015 um requerimento em que solicitavam ao MP que constituísse Câncio como arguida por suspeitas dos crimes de fraude fiscal e de branqueamento de capitais.

A repórter do Diário de Notícias diz mesmo que o MP já informou os dois assistentes (António Azenha e Sónia Trigueirão) de que não irá constitui-la arguida. “Já foi tomada posição nos autos sobre o estatuto aplicável à requerente, que foi ouvida como testemunha, não existindo, por ora e mesmo face ao recolhido após a inquirição, para que tal estatuto como testemunha seja alterado”, escreve Câncio, citando um despacho do MP de que foi notificada. Na prática, tal despacho significa que o procurador Rosário Teixeira, titular dos autos, não vê Fernanda Câncio como suspeita de práticas criminais.

A jornalista do Diário de Notícias diz que conhece José Sócrates de desde 1998 e também, “a partir de 2000, a família alargada”. Pelo que era conhecido nos meios de comunicação social e aquilo que viu, Fernanda Câncio afirma neste artigo que nunca suspeitou de uma relação “pecuniária” entre José Sócrates e Carlos Santos Silva. Contudo, acrescentou:

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“Se fizesse ideia da relação pecuniária entre Santos Silva e Sócrates teria feito perguntas por considerar a situação, no mínimo, eticamente reprovável.”

Sobre a possibilidade de querer comprar um apartamento com José Sócrates na Baixa, por um valor de 2,2 milhões de euros, a jornalista diz que o apartamento se situa no Largo do Caldas e nunca quis comprar o apartamento com o primeiro-ministro e nem sequer o visitou. “Liguei a perguntar, por curiosidade, quando o edifício foi renovado e os andares ficaram à venda; mas, ao contrário do que se quer fazer, nunca sequer o visitei”, escreve, acrescentando ainda que devido à venda do apartamento da mãe de Sócrates e ao dinheiro que ganhava como consultor, a quantia do apartamento não era demasiado alta para o ex-primeiro-ministro. E a curiosidade, explica, deve-se ao facto de o novo prédio ter sido construído em frente onde mora.

A jornalista esclarece ainda que nunca questionou quem pagava as férias que passou com José Sócrates e Carlos Santos Silva. “Quando alguém próximo faz um convite para passar férias não é costume perguntar se é a pessoa que nos convida que paga ou se é outra, como quando nos convidam para jantar ou almoçar não perguntamos de onde vem o dinheiro”, justificou a jornalista, negando mais uma vez qualquer conhecimento sobre remessas de dinheiro entre José Sócrates e o seu amigo.

Câncio refere várias vezes que nada sabia sobre a origem do dinheiro do ex-primeiro-ministro. Por exemplo: “Foi pela ‘Sábado’ que soube ser CSS o proprietário de um apartamento em Paris que JS usara. Até então, estava convicta que tal apartamento, que nunca vi e que pensava ser o segundo no qual JS tinha vivido naquela cidade, tinha sido arrendado a proprietários franceses”.

Fernanda Câncio também não poupa nas críticas ao Ministério Público, acusando-se de a aconselhar a pôr processos se se quisesse defender. Isto antes de considerar que estamos perante “uma máquina judiciária que permite que o seu poder seja usado por terceiros com intuitos venais e que ao permitir esse uso se contagia dessa venalidade”.

Sobre o que a levou a falar, Fernanda Câncio explica os seus motivos. “Falar? Calar? Qual é a melhor forma de lidar com a calúnia? É possível ganhar uma guerra assim, ou travá-la é já perder? Faço-me estas perguntas há um ano e cinco meses e decido agora falar. Sem esperar milagres, talvez esperando nada, mas chega”, escreveu a jornalista.

Corrigida referência à audição de Fernanda Câncio no Ministério Público na sequência de um requerimento de dois assistentes nos autos da Operação Marquês