Os preços finais dos combustíveis em Portugal aumentaram 11 a 12 cêntimos por litro desde o início de fevereiro de 2016, ou oito a nove cêntimos por litro já depois do agravamento do imposto. Perante a dimensão destes aumentos, a descida do imposto sobre os produtos petrolíferos de um cêntimo por litro, anunciada esta semana pelo Governo, parece escassa. Sobretudo quando confrontada com declarações feitas pelo secretário dos Assuntos Fiscais.

Rocha Andrade tinha estimado que um aumento de 4 a 4,5 cêntimos por litro no preço dos combustíveis daria margem para baixar em um cêntimo o imposto. Mas não explicou qual era o período de referência, nem disse que preços iriam ser usados para efetuar esses cálculos. Assumiu-se que o governante estaria a referir-se aos preços finais. Só mais tarde, quando os jornais começaram a fazer contas com base na evolução do preço final, é que o Ministério das Finanças começou a revelar os pressupostos que seriam utilizados.

A revisão do imposto seria trimestral e comparando os preços médios mensais. E não seriam os preços finais a ser considerados, mas sim os preços de referência calculados pela Entidade Nacional para o Mercado de Combustíveis (ENMC), um indicador fabricado no final de 2014 que calcula o preço dos combustíveis excluindo as componentes de distribuição, comercialização e a margem das petrolíferas.

O resultado desta equação dá um valor mais baixo do que o preço pago nas bombas, entre 12 a 16 cêntimos por litro, o que tem impacto nos cálculos de cobrança do IVA, uma vez que este imposto também incide sobre os custos de distribuição e as margens das empresas que não estão nos valores de referência da ENMC.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

As afirmações

“Considerando que uma maior neutralidade fiscal das variações do preço dos produtos petrolíferos implica uma revisão regular dos valores do ISP, compensando neste imposto aquelas alterações (redução) verificadas no IVA, o Governo decidiu reavaliar as taxas daquele imposto, decorridos três meses da última atualização, como previsto”.

(…) Em abril, decorridos três meses em relação ao período anterior, e excluindo os efeitos da portaria nº 24-A/2016 (ou seja o aumento de seis cêntimos do imposto petrolífero), verificou-se um aumento daqueles preços em 0,0465 euros (4,65 cêntimos) na gasolina e em 0,0385 euros (3,85 cêntimos) no gasóleo.

Comparando os preços de referência médios do mês anterior à publicação da portaria, que coincide com o mês em que foi primeiramente anunciado o aumento do ISP, com os preços de referência médio do mês anterior à portaria, o governo determina uma redução de 1 cêntimo por litro no imposto aplicável à gasolina sem chumbo.

No caso do gasóleo rodoviário, a variação (…) não é suficiente para fundamentar a redução de 1 cêntimo por litro do imposto em neutralidade fiscal. Porém, atendendo extraordinariamente à tendência verificada nos últimos dias, o Governo determina uma redução de 1 cêntimo por litro no imposto.

A redução da receita do ISP decorrente desta revisão é tendencialmente compensada pelo acréscimo da receita do IVA, que decorre do aumento verificado nos preços dos combustíveis, em linha com a neutralidade fiscal preconizada pela portaria”. (Comunicado do Ministério das Finanças)

Quanto está o Estado a cobrar mais em IVA?

Utilizando o critério temporal do governo, o Observador foi comparar a cobrança média de IVA na gasolina e no gasóleo durante o mês de janeiro com aquela que foi verificada em abril. A conta é feita a partir do preço final dos combustíveis, e não do preço de referência da ENMC. Será com base na receita do IVA que se poderá efetivamente avaliar se a baixa do imposto assegura a neutralidade fiscal prometida pelo Executivo.

Os cálculos mostram que, mesmo depois de baixar um cêntimo no imposto sobre os produtos petrolíferos, o Estado continua a ganhar na fiscalidade dos combustíveis porque a subida registada na cobrança do IVA é superior a um cêntimo. No entanto, não é ainda insuficiente para permitir uma descida de dois cêntimos, como têm sustentado alguns fiscalistas e faziam antever os cálculos anunciados pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais.

As contas do Observador utilizam os dados oficiais da Direção-Geral de Energia e Geologia sobre a evolução dos preços médios em cada uma das suas componentes, incluindo o IVA. Como estes valores são semanais, calculámos a média aritmética mensal do IVA para janeiro e abril. O resultado da comparação entre os dois meses dá para os dois combustíveis um acréscimo na cobrança de IVA de 1,6 cêntimos por litro de combustível. O ISP baixa um cêntimo, sobra uma folga de 0,6 cêntimos por litro.

Mesmo fazendo as contas à variação semanal — a proposta foi feita pela líder do CDS, Assunção Cristas, e logo recusada por António Costa no debate desta sexta-feira — e não ao mês, a margem de acréscimo do IVA cobrado só atinge dois cêntimos por litro na gasolina na última semana de abril.

Esticado. Usando os critérios temporais adotados pelo Ministério das Finanças, e fazendo as contas ao preço final, verifica-se que o acréscimo de cobrança do IVA não será suficiente para permitir uma baixa de dois cêntimos no imposto sobre os combustíveis, sem perda de receita. Mas a neutralidade fiscal não é total, uma vez que o Estado está a ganhar 0,6 cêntimos por litro. A descida do ISP vai custar em perda de receita 44 milhões de euros até ao final de 2016, se a taxa se mantiver, segundo cálculos do Executivo. Os ganhos no IVA, embora pequenos, são multiplicados por grandes quantidades. E, com base em estimativas de consumo, podem render quase um milhão de euros por semana, de acordo com os cálculos realizados pelo Observador.