8 de maio de 1977. À tardinha, o horário da I Divisão de então. O Benfica venceu o Beira-Mar na velhinha Luz, abarrotada de gente, por quatro golos sem resposta dos de Aveiro. Carlos Alhinho fechou a contagem, Nené abriu-a com um hat-trick — e saiu de campo, Tamagnini, com os calções num brinco. O Benfica de John Mortimore sagrar-se-ia tricampeão a três jornadas do fim.

Mas a coisa até começou a dar para o torto no início e o treinador inglês esteve com pé e meio fora do Benfica por altura do Natal. A época de 1976/1977 arrancou em Alvalade e o Benfica perdeu 3-0 com o rival. De seguida, recebeu o Braga em casa e empatou a dois. À terceira jornada, novo empate, agora na Amoreira, com o Estoril. E o Sporting descolou no primeiro lugar, acreditava-se para não mais voltar para trás e sagrar-se campeão, impedindo o “tri” benfiquista. Mas aquele Benfica, que já não era o de Eusébio, António Simões ou Jaime Graça (que jogaram no primeiro campeonato dos três, treinados pelo gentleman jugoslavo Milorad Pavic), viu chegar à primeira equipa um tal de Fernando Chalana, baixinho, guedelhudo, veloz, canhoto, magnético, que quase sozinho resolvia jogos. E tinha apenas 17 anos.

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Toni era o capitão de então. Diz quem partilhou o balneário com ele que era tão ou mais “treinador” que Mortimore, dentro e fora do relvado. Artur Correia, o “ruço”, fazia a lateral direita, de cima a baixo, de baixo a cima, como se tivesse três pulmões, não tendo. Nelinho, nado e criado no bairro da Boavista onde ainda vive, chegou ao Benfica pela mão de Hagan, viu Pavic recambiá-lo para Espanha “por causa” do Pantera Negra (e de Artur Jorge, Nené, Jordão, Vítor Baptista e Moínhos; avançados a mais para três lugares apenas na frente), mas com Mortimore era ele e mais dez.

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Ouvimo-los na primeira pessoa a recordar o último tricampeonato ganho pelo Benfica. 41 anos depois. E a memória está fresca, quase como se ainda estivessem lá, na Luz, depois da goleada ao Beira-Mar.

SER “TRI” NA DÉCADA DE 1970 E SÊ-LO HOJE. NÃO É BEM A MESMA COISA

O Benfica voltou a ser tricampeão este domingo. E disputou o campeonato até à última jornada taco-a-taco com o Sporting, com teimosos dois pontos a separá-los desde a vitória encarnada em Alvalade. Há 39 anos era também o Sporting quem andava até à última, ou quase, a bater-se com o Benfica pelo título — e era o Sporting que travava, de quando em vez, a hegemonia do rival. Mas os tempos eram outros. Talvez mais fáceis do que hoje. E houve quem tivesse sido campeão no banco, mais recentemente, e no relvado, em 1977, como Toni.

Toni: “Eu ganhei o campeonato como jogador, como treinador-adjunto [de Sven-Göran Eriksson em 1982/1983, 1983/1984 e 1990/1991; de John Mortimore em 1986/1987] e como treinador principal pelo Benfica. E, honestamente, o sentimento é o mesmo, qualquer que seja o cargo que se ocupa. É o sentimento de termos conquistado um objetivo para o qual trabalhámos.

O sentimento é o mesmo, mas o trabalho é diferente sendo jogador ou sendo treinador. E foi diferente para mim naquelas décadas de sessenta e setenta, do que quando fui treinador anos mais tarde. O jogador incorpora um grupo. O treinador é que é o líder, é o treinador que vai aglutinar todos os jogadores para um compromisso, que é o de vender o campeonato. Mas no banco sofre-se mais. Os jogadores não fazem ideia do que é estar do outro lado, estar de fora. O jogador acaba o jogo ou acaba o treino e vai para casa, desliga-se. O treinador não. O treinador nunca se desliga. Amanhã há outro treino, outro jogo. É diferente.”

Artur Correia: “Naquela altura era muito difícil ser tetracampeão, por exemplo. E nós nunca o fomos. Mas ser campeão não era. Até ao ‘tri’ não era difícil. Pelo menos não era tanto como hoje. Os jogadores, a base do plantel, eram sempre os mesmos, e mesmo mudando de treinador todos os anos, a base chegava para ser campeã. Jogávamos de olhos fechados uns com os outros. Naquela altura, tirando o Sporting e às vezes o Porto, o campeonato era muito desnivelado entre o Benfica e as outras equipas. Muito mais do que é hoje.”

23 de maio de 1976. Vigésima nona e penúltima jornada. Assim jogava o Benfica bicampeão diante do Sporting, goleando: 3-0. Nené bisou no jogo, Jordão marcou o outro golo. Artur foi titular e assistiu, Nelinho substituiu Vítor Baptista aos 70′. Toni estava castigado por acumulação de cartões amarelos e não jogou (regressaria ao “onze” para a derrota por 3-2 da última jornada com o FC Porto na Luz). O ‘tri’ (não de golos, mas de campeonatos) chegaria no ano seguinte já sem o treinador Mário Wilson no banco.

Nelinho: “Eu acho que é sempre difícil ganhar um tricampeonato, seja hoje ou naquele tempo. Mas antigamente era impensável para todos que o Nacional podia ir ao estádio da Luz na última jornada, no jogo do tudo ou nada, do título, e roubar pontos ao Benfica como esta semana se pensou. E hoje, apesar de tudo, isso podia ter acontecido. Felizmente não aconteceu.

Na altura o Benfica era mais dominador do que é hoje. Mas também havia jogos complicados. Lembro-me de em 1976 irmos a Chaves jogar, o Chaves na altura estava na II Divisão, e tivemos muitas dificuldades em eliminá-lo da Taça de Portugal.”

TREINADORES: PAVIC ERA “O GENTLEMAN”, WILSON “O GRANDE CAPITÃO” E MORTIMORE “O DA PRANCHETA”

O Benfica, pouco antes do último tricampeonato de 1977, havia sido tricampeão com o inglês Jimmy Hagan, entre 1970 e 1973. Mas naquele final de década foi-o sempre com treinadores diferentes: Milorad Pavic, Mário Wilson e John Mortimore. Na Luz de então, treinador vencedor (mais a mais se o B.I. deste fosse estrangeiro), era treinador no olho da rua.

Toni: “Eles eram treinadores completamente diferentes. O Pavic era um jugoslavo, um verdadeiro ‘gentleman’ até na maneira de vestir e escolher os fatinhos que usava. Ele quando chegou ao Benfica já tinha tido uma experiência boa em Espanha [venceu uma Taça do Rei], no Athletic de Bilbao, e foi por isso que foi escolhido.

Depois dele veio o Mário Wilson, o ‘Capitão’ Mário Wilson, que interpretava o espírito dos treinados portugueses da época, como o [Fernando] Vaz e o [José Maria] Pedroto. O Wilson foi o único português que treinou o Benfica nessa década. Mas não caiu no Benfica de paraquedas; vinha da Académica e fez lá um grande trabalho. E é dele, do Mário Wilson, aquela célebre frase: ‘Quem treinar o Benfica arrisca-se a ser campeão’.

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Eu do Mortimore ainda fui adjunto depois desse tricampeonato de 1977. Ele era da escola inglesa como o Hagan, mas era diferente do Hagan. O Hagan era um treinador com uma filosofia voltada para o treino, para a componente física. O Mortimore era um treinador muito organizado, preparava melhor os jogos, observava os adversários, andava sempre com uma prancheta atrás. Isto hoje é normalíssimo, mas naquela década não era.”

Artur Correia: “Eu ainda apanhei o Hagan e o ‘tri’ do Hagan. E o Hagan era muito diferente, por exemplo, do Pavic, que era mais tático, vinha do Bilbao e conhecia melhor o futebol dos latinos. Foi um treinador que deixou saudades – e que ainda treinou o Sporting depois –, mas que foi despachado como eram todos naquela altura depois de vencerem.

O Mário Wilson era o Mário Wilson. E sabia bem o que era o Benfica, ao contrário dos estrangeiros. Não é por acaso que ele disse que quem treinasse o Benfica se arriscava a ser campeão. E o Wilson teve uma contrariedade: é que ele foi campeão no ano em que o Eusébio saiu. E o ‘mister’ Wilson era, para além de bom treinador, um ser humano extraordinário. Ele sabia lidar com o balneário como nenhum outro. Todos gostávamos dele. E não é fácil lidar com um balneário onde todos querem ser titulares – nós tínhamos duas soluções por posição. Tinha muita sapiência o ‘Grande Capitão’.

O Mortimore? O Mortimore era competente. E ele esteve quase, quase para ir de vela, para ser despedido no Natal, porque o Benfica não começou bem o campeonato. Fomos nós, jogadores, que o segurámos. Nós com ele treinávamos bem, jogávamos bem, mas empatávamos muitos jogos fáceis. Para ele, que era inglês, empatar três jogos em casa era algo normal. Para os adeptos do Benfica era o fim do mundo em cuecas, com lenços brancos a pedir uma revolução no banco. Nós partimos para a última volta com sete pontos de desvantagem para o Sporting. A nossa sorte, para além de o Sporting ter perdido pontos, é que na segunda volta entrou o Chalana na equipa. A ‘revolução’ foi ele, o Chalana. E ainda fomos campeões a três ou quatro jornadas do fim.”

Nelinho: “Eu apanhei os três. Mas com o Pavic não tive muita sorte. Eu já vinha do tempo Hagan, jogava pouco mas jogava, e com o Pavic joguei menos ainda e ele resolveu emprestar-me para Espanha, para o Ourense. Mas era um excelente treinador, o Pavic. E como todos os excelentes treinadores estrangeiros que eram campeões no Benfica, foi despachado. Mas também naquele ano o Benfica era só monstros: o Eusébio, o Simões, o Jaime Graça, o Nené, o Artur Jorge, o Vítor Baptista, o Jordão. Como é que eu ia jogar? Quem é que ia sair para eu jogar? Ninguém.

Quando eu volto do empréstimo em Espanha, apanho o Mário Wilson. Aí já há mais espaço: sai o Eusébio, sai o Artur Jorge, o Simões deixa de jogar. E o Wilson lá me foi dando minutos a mim e ao Chalaninha. Eu começo a jogar mais é com o Mortimore.”

GANHAR COM EUSÉBIO E VOLTAR A GANHAR SEM ELE

Eusébio da Silva Ferreira dispensa apresentações, hoje como então. Era ele o Benfica das décadas de sessenta e setenta. Quando o “Pantera Negra” jogava, a música era outra. E o cachet também. Mas Eusébio deixou o Benfica no final da época 1974/1975. Tinha vários “tri” na bagagem quando se fez às Américas. Mas não ganhou o último. Só fez a primeira época.

Toni: “O Eusébio era o Eusébio. Mesmo com todas as lesões que ele teve naquele joelho – quando eu cheguei em 1968 ele já tinha sido operado sete vezes! –, ainda foi Bota de Prata e Bota de Ouro. Claro que ele no primeiro ano do tricampeonato não era mais o jogador que era com 19 ou 20 anos; jogava mais recuado, a meio-campo, porque tinha uma visão de jogo e uma capacidade de passe acima da média. O que já não tinha naquele último ano era a mesma explosão. Mas era um jogador tão ou mais completo do que no começo. Ter jogado com ele aos 18 ou aos 30 anos era a mesma coisa: ele foi o melhor de todos nós.”

Artur Correia: “Toda a gente nos dizia que ia ser um problema quando o Eusébio saísse. Claro que é diferente ter ou não ter Eusébio. Mas a saída dele teve o condão de nos unir ainda mais. E fomos campeões com o Mário Wilson sem ele. Também tivemos sorte: o Eusébio saiu, mas ainda continuou outra referência mais um ano, o Simões. Mas o Eusébio saiu cedo de mais. Era um jogador extraordinário mesmo depois das operações. E ainda foi campeão nos Estados Unidos e no México.”

Nelinho: “Eu tenho que ser sincero, não é? Quando o Eusébio saiu, eu não fiquei triste. A verdade é que se ele não saísse eu nunca jogaria o que joguei. Ele era o meu ai-Jesus. Mas o homem era um ‘granda’ craque, disso não há dúvidas. Mesmo com as lesões todas que teve. Levava infiltrações antes dos jogos, ficava inchadíssimo nos joelhos, mas era um craque. Quando íamos para jogos no estrangeiro, jogos amigáveis, se o Eusébio jogasse o cachet era de 4 ou 5 mil contos. Se não jogasse era só de 500 contos. O Ronaldo que não me leve a mal, mas eu joguei com os dois melhores jogadores portugueses de sempre, o Eusébio e o Chalaninha. Aquele miúdo era um génio. E o Eusébio era um poço de força. Às vezes nos treinos até tínhamos que lhe pedir: ‘Oh, Eusébio, não chutes com tanta força, pá!’ Porque um livre daquele homem, se acerta num gajo em cheio, deita-o ao chão.”

ADVERSÁRIOS: MUITO SPORTING, ALGUM PORTO E O RESTO ERA UM PASSEIO NO PARQUE

O Sporting era o grande rival. Sempre que não vencia o Benfica o campeonato, vencia o Sporting. Curiosamente, foi o FC Porto quem ganhou nas épocas pós-tricampeonato do Benfica, em 1977/1978 e 1978/1979. Era o FC Porto de José Maria Pedroto e do futuro “bibota” Fernando Gomes. O Benfica não vencia os jogos todos de goleada. Mas quando entrava o primeiro…

Toni: “Atenção que o Benfica é tricampeão mas o Sporting e o Porto tinham grandes equipas. Mas o Benfica era o Benfica. Houve uma altura em que só para o lugar de avançado-centro tínhamos o Eusébio, o Artur Jorge, o Vítor Baptista, o Nené e o Jordão. A década de setenta é talvez a melhor da história do Benfica, aquela em que ganha mais títulos.

E ganhou mesmo com erros de gestão. Deixar sair o Artur e o Eurico para o Sporting foi um erro crasso. Mas também não era fácil naquela década ser melhor do que o que foram os da década anterior, cinco vezes finalistas da Taça dos Campeões. A transição fez-se comigo, com o Humberto, o Shéu, o Jordão, e conseguimos fazê-la vencendo. Apesar de tudo. Mas falando dos adversários: o maior era e sempre foi o Sporting. Isso é histórico – não menosprezando o Porto, que tem uma história centenária. Aquela rivalidade é que movia o Portugal desportivo da época.”

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Artur Correia: “O Sporting foi sempre o nosso grande adversário nessa altura. O Porto também era, mas menos. O Belenenses era sempre difícil de vencer. O Setúbal do Pedroto também. Depois o Pedroto foi para o Boavista e o Boavista também era difícil. Mas o Sporting é que nos dava luta. Quando dava…”

Nelinho: “Adversários? Isso não havia. O Sporting era bom, era bom. Tinha o Manuel Fernandes e o outro Manoel, o brasileiro. Antes tinha o Damas e o Yazalde. E mesmo o Porto tinha lá o Teófilo Cubillas, que era uma ‘máquina’ do caraças. Mas o Benfica, onde quer que jogasse, jogava em casa. Até nas Antas jogava em casa. E quando o Benfica engatava o primeiro golo, ganhava. Às vezes o Mortimore até nos dizia para circularmos a bola quando estivéssemos a vencer por 1-0, para controlar o jogo e não nos cansarmos. Mas nós éramos ‘muita’ rápidos. Eu, o Chalana, o Zé Luís, o Artur. E aquilo era correr o jogo todo. Qual segurar o 1-0, qual quê!”

O CURIOSO HÁBITO DO SPORTING IMPEDIR OS “TETRA” DO BENFICA

Nenhum dos três, Toni, Artur ou Nelinho, sabe explicar porquê. Em ano de Mundial, quando o Benfica atacava o tetracampeonato, era o Sporting a levar o caneco. Aconteceu em 1966, 1970 e 1974. Não fosse isso e o Benfica tinha conseguido vencer 11 campeonatos de uma assentada.

Toni: “Ainda hoje não sei porque é que não vencemos o tetracampeonato. A verdade é que, depois do ‘tri’ do Hagan, cada vez que o Benfica era campeão mudava de treinador. E nunca conseguiu o ‘tetra’. Mas nós, jogadores, nem pensávamos nisso. Não pensávamos: ‘Agora vamos ganhar o bi, depois o tri e depois o tetra‘. Nós queríamos era ganhar. Os objetivos eram definidos à partida e eram sempre os mesmos: ser campeão. Mas a verdade é que em ano de Mundial ganhava sempre o Sporting e o Benfica não era tetracampeão. Era sina.”

Artur Correia: “O Sporting ganhava sempre em ano de Mundial. E não se percebe porquê. O Benfica contratava dois ou três jogadores por ano para a equipa campeã. No ano em que eu vim da Académica para o Benfica, veio também o Vítor Baptista do Setúbal. São contratações cirúrgicas. Mas a base era a mesma. Nós não desaprendíamos de jogar nos anos em que íamos atacar o ‘tetra’. Em 1973/1974 o Benfica foi ganhar 5-3 a Alvalade, era melhor, e mesmo assim o Sporting foi campeão.”

Nelinho: “Às vezes ainda penso porque é que nunca ganhámos o ‘tetra’. Eu acho que quando ganhávamos o ‘tri’ pensávamos que o ‘tetra’ estava no papo. Nós não: a direção. As direções contam muito no sucesso dos clubes. E o Benfica daquela altura teve gajos muito maus à frente da direção, que quase destruíram o clube. O clube só continuou a ganhar porque sempre teve os melhores jogadores.

Mas saíram muitos que não deviam ter saído por causa da má gestão. Mas alguma vez eu, se fosse presidente, deixava sair o Eurico e o Artur para o Sporting por causa de uma ninharia? Eu próprio saí para o Braga nos meus melhores tempos de Benfica por causa disso. Eu ganhava 22 contos e 500. E havia gajos que ganhavam cento e tal. Na altura o Sporting quis-me e pagava-me 88 contos por mês. O Porto também me quis e pagava 70 contos. E o Benfica queria que eu continuasse a receber os mesmos 22 contos e 500. Acabei por ir para o Braga, que me pagou 90 contos por mês. O Romão Martins [chefe do departamento de futebol] e o Ferreira Queimado [presidente] — vou sempre dizer isto! –, rebentaram com aquilo tudo.”

RECORDAÇÕES SÃO COMO AS CEREJAS. MAS ALGUMAS SÃO BEM AMARGAS

Há uma recordação que é querida a todos: Fernando Chalana. Mortimore lá sabia quando dizia, em português de “bife”, ao berros no banco: “Put the ball in Chalana”, que ele resolve.

Toni: “A primeira recordação que tenho é a do ‘tri’ do Mortimore, em 1977. Lembro-me bem que, em marcando primeiro, o Benfica nunca perdia. Não goleava, mas também não perdia. Nós tínhamos 13 ou 14 jogadores que podiam ser titulares. E depois tínhamos o Chalana. O Mortimore do banco só dizia, em inglês, para passarmos a bola ao menino e ele resolvia o jogo: ‘Put the ball in Chalana! Put the ball in Chalana!’. Ele era predominante.

Ele e o Bento: o ‘São Bento’ valia-nos alguns 10 pontos por campeonato com as defesas que fazia. E nessa altura as vitórias só valiam dois pontos. O importante era marcar. E marcando não perdíamos. Aquilo lá atrás, com o Eurico e o Alhinho, ninguém passava. Era tudo nosso. Na frente o Moínhos, o Nené e o Jordão faziam o resto. Eram três ‘setas’.”

Artur Correia: “Tenho boas e más recordações. A pior foi a minha saída do Benfica. O presidente era o Ferreira Queimado, mas quem mandava no dinheiro era o Romão Martins — e o tipo embirrou comigo. Quando renovei o contrato, anos antes, tinha ficado acordado com o senhor Borges Coutinho [anterior presidente do Benfica] que o meu contrato seria melhorado na renovação seguinte. Mas o Romão Martins, em vez de me melhorar, ainda me queria pagar menos seis contos por mês. Eu considerei isso uma ofensa — eu que era do Benfica desde que nasci! — e resolvi sair para o Sporting.

A boa recordação é o Chalana. Ele estreia-se no Benfica com 16 anos. Era um jogador fora de série. Mas nesses anos de tricampeonato tenho outra recordação curiosa, amarga e doce. Eu tive uma paralisia, estive dois meses parado, mas ainda fui a tempo de jogar. E comecei a jogar numa altura em que os nossos ‘vizinhos’ do Sporting achavam que tinham o campeonato no papo. Depois começaram a perder, com o Setúbal e com e o Beira-Mar, e nós pensámos: ‘Mas tu queres ver?! Os gajos ainda têm que vir cá à Luz e vamos ser campeões’. E fomos.”

Nelinho: “Recordação? Tenho uma, tenho uma. O gajo [Mortimore] quando chega ao Benfica não conhece ninguém. E quem começa por dar os treinos é o adjunto, o Rui Silva. O Mortimore sentava-se na bancada, com um caderno enorme, a tirar apontamentos. Um dia há um treino na Luz entre a equipa principal e a de reservas – e as reservas do Benfica, onde eu e o Chalana estávamos, tinham mais qualidade do que muitas equipas da I Divisão. O Rui pôs de um lado os habituais titulares e do outro as tais reservas. Nós, nas reservas, partimos aquilo tudo e a equipa principal levou uma tareia no treino.

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Claro que eu e o Chalana passámos logo para titulares mal o Mortimore nos viu. E ainda me lembro do que o gajo me disse um dia: ‘Senhor, se o senhor continuar a jogar assim, é você e mais dez!’. Aquilo, parecendo que não, motiva. E motivou-me. Ele estava sempre a gritar para o campo, a pedir para meterem a bola em mim e no Chalana, que nós resolvíamos. Ninguém fazia ‘triveladas’ como nós.”