Diogo Pombo, em Saint-Étienne
Há coisas que, por a Islândia ser a Islândia, toda a gente já devia saber antes deste jogo. Que é um país tímido em tudo, no tamanho, na luz do sol, no calor na gente, porque nunca houve uma seleção no Europeu com tão pouco por onde escolher (são pouco mais de 300 mil islandeses). Não era preciso ser um génio para se descobrir que, entre os 23 escolhidos para virem jogar a França, apenas um não tem o apelido acabado em “son”, porque se chama Eidur Gudjohnsen e é o islandês mais conhecido por jogar à bola. Mas ele está aqui mais por prémio do que por capacidade, porque está com 38 anos, velho e as pernas vêm do tempo em que não havia uma equipa para o acompanhar.
E há coisas que apenas se sabem quando se vê a Islândia jogar e Fernando Santos, com certeza, já tinha visto.
Sorte, portanto, que não está alguém ali ao lado, se não tinha levado um abanão quando ele se passa. É súbito, irrita-se, abre os braços e bate com as palmas das mãos nas pernas, gesticula a seguir. Há um jogador que está a uns três metros dele, não mais, colado à linha. Berra umas coisas e João Mário vira logo a cabeça para o lado e parece que lhe acena antes sequer de ouvir a mensagem até ao fim. Porque quem treina é como um cliente, tem sempre razão, mas neste caso tem-na todinha exatamente pelo motivo que João Mário consegue ouvir o que ele lhe diz. Está muito perto dele. E da linha, portanto, onde não faz mal nenhum aos islandeses. Fernando Santos sabe-o.
Um minuto passa e André Gomes, do outro lado do campo, parece que o ouve. O médio recebe a bola a uns bons cinco metros da linha e, mesmo sozinho, toca de primeira para Vieirinha e parte em retirada. O lateral devolve-lhe a bola mais à frente e ele isola-se à direita da área, onde cruza rasteira para Nani rematar perto do primeiro poste. A seleção marca (31’) ao fim de 11 passes seguidos quando um dos médios se lembra que é interior e não extremo. Fernando Santos bate palmas no banco, sabe que é assim que se chateiam os islandeses. Mas antes, são eles que nos chateiam.
Uma das vantagens do estádio Geoffray-Guichard é ser pequeno e ter as bancadas perto do relvado. Vê-se bem como toda a gente com nome acabado em “son” é grande, alta e corpulenta e faz com que rara seja a bola que um português toca de cabeça. No ar mandam eles e, na relva, usam rápido a bola assim que a roubam. Sigthórsson ganha mais de 10 até sair de campo. Até Sigurdsson, o médio que devia ter mais queda para bola no pé, faz o mesmo. E só não marca logo no arranque (3’), depois de João Mário dar o primeira de várias más receções à bola, porque aponta ao poste que tem mais perto e Rui Patrício adivinha o inesperado.
Os islandeses sabem que são mais fortes no físico, na agressividade, no tamanho e talvez no pulmão. Por isso tentam juntar tudo isso nos momentos em que se fecham e recuperam a bola, partem logo para o contra-ataque ou levantam passes longos para chegar aos dois que têm na frente. O golo de Nani consegue domá-los após Ronaldo, por duas vezes na área, e João Moutinho, a rematar fora dela, não o lograrem. André Gomes e João Mário pedem mais bolas, Ronaldo foge da área para eles entrarem nas costas, Moutinho garante que os passes se fazem rápido. O golo de Nani tudo melhora e percebemos que os islandeses sofrem se os nossos médios interiores aparecerem.
O que não sabíamos é que, da única vez que eles atacam devagar, com calma e sem pressas, Pepe e Vieirinha confundem-se um ao outro, Ricardo Carvalho sobe sozinho para o limite da área a pensar que os restantes da defesa o seguem, e Birkir Bjarnasson fica sem companhia. É o extremo cabeludo quem remata de primeira o cruzamento que Gudmindsson tira da direita, com o pé esquerdo. A partir daqui é que ficamos a conhecê-los bem, apesar de a seleção fazer as coisas melhor.
André Gomes e João Mário jogam mais dentro, mexem-se das linhas para o centro mais rápido e mais vezes, abrem espaço para Vieirinha e Raphaël Guerreiro, que passam a atacar e a cruzar. Ronaldo fica na frente para cabecear e rematar o que lhe chegar, Nani é o avançado que sai da área quando alguém corre com a bola para lá, em diagonal, para servir de apoio. A seleção passa muito a bola e rápido (acaba com 661 passes), só que mostra o que já toda a gente diz e sabe sobre Portugal cada vez que há uma competição destas — falta golo, falta quem a meta dentro da baliza com tanto cruzamento que lá chega.
Nani perde-se da bola (63’), o livre de Guerreiro no qual ninguém toca rasa o poste, (71’), o balázio de Ronaldo passa por cima (73’), a cabeça de Pepe faz o mesmo (82’) e Cristiano, sozinho, ainda faz um passe com a cabeça ao guarda-redes (85’). Pelo meio entram Renato Sanches e Ricardo Quaresma, que criam espaços para isto tudo por os islandeses os tratarem como tratam Ronaldo, colocando pelo menos dois homens perto quando têm a bola. Eles conhecem-nos como não os conhecemos a eles. Os portugueses falham oportunidade, é verdade, mas apenas o cabeceamento de Ronaldo (que acontece a cinco minutos do fim) assusta a sério.
Enquanto isso, os islandeses defendem bem, ganham qualquer bola nos ares, os avançados chegam com a cabeça a todo o lado e, mais do que simplificarem (fazem 223 passes no jogo), fazem bem as coisas simples. É assim ficamos a saber que não vai ser nada fácil para alguém ganhar à Islândia, porque eles sabem como bater o pé como equipa quando, no um contra um, os indivíduos são piores que os do adversário, que era Portugal. Não estão aqui por acaso, nem é à toa que os apelidos deles soam todos ao mesmo. Mais do que os adeptos serem um espetáculo, de não se calarem um minuto e de, no final do jogo, ainda ficarem uns 15 minutos aos berros nas bancadas, talvez fosse isto que não se sabia sobre eles.
Na Islândia não há apelidos de família, há o primeiro nome do pai que fica no apelido de cada rapaz que nasce, mais um sufixo, que é o tal “son”. Portanto, maldito sejas Bjarna, que criaste Bjarnasson. Estes islandeses são mesmo todos uns filhos do pai.