A investigação do caso Sócrates terá encontrado pela primeira vez ligações entre a Operação Marquês e os grupos PT e Espírito Santo. Quarta-feira, em absoluto segredo, foram feitas várias buscas e recolhidos diversos documentos que podem comprovar ligações financeiras entre o processo do qual o ex-primeiro-ministro é o principal arguido e esses dois ex-grandes grupos nacionais. As casas de Zeinal Bava, ex-presidente executivo da PT, e Henrique Granadeiro, ex-presidente do Conselho de Administração da empresa, terão sido revistadas, bem como o escritório de advogados de João Abrantes Serra, que prestou apoio à PT no dossier para a venda da brasileira Vivo.

As buscas foram anunciadas em comunicado pela própria PGR, que não menciona contudo qualquer nome. A própria Procuradoria refere que “em causa estão eventuais ligações entre circuitos financeiros investigados neste inquérito e os grupos PT e Espírito Santo” e que foi feita “recolha de prova complementar àquela que já se encontrava reunida nos autos”. Em causa estão “factos susceptíveis de integrarem os crimes de corrupção, fraude fiscal e branqueamento de capitais”.

À SIC, Granadeiro disse “Não confirmo, não desminto nem comento”. Já Zeinal Bava não atendeu o telefone.

A investigação estará à procura de uma transferência duvidosa seguida no âmbito da Operação Marquês relacionada com a saída da PT da Vivo e a ‘opção’ pela Oi, um negócio polémico desde a a nascença. Daí as buscas, feitas em vários pontos do país, ao escritório de João Abrantes Serra, um dos advogados da sociedade LSF, de Fernando Lima (Grão Mestre maçónico do Grande Oriente Lusitano), que prestou apoio à PT no dossier da Vivo.

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Serra era amigo de José Dirceu, o antigo braço direito de Lula da Silva e já condenado no Brasil pelos processos Mensalão (10 anos) e Lava Jato (23). Serra era também administrador da Abrantina, adquirida depois pelo Grupo Lena. E foi ele quem esteve nas negociações que deram à espanhola Telefónica o controlo da Vivo e levaram à entrada da Oi na PT, com o voto favorável do principal acionista e aliado, o Grupo Espírito Santo, de Ricardo Salgado.

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João Abrantes Serra pertence ao escritório de advogados LSF

O Ministério Público já está a investigar há algum tempo os dois últimos grandes negócios da ex-PT: a venda à empresa espanhola Telefónica das ações da telecom portuguesa na sociedade brasileira Vivo, no valor de 7,5 mil milhões de euros; e as participações cruzadas que resultaram na entrada da PT na concorrente Oi e na compra por parte desta de 10% do capital social da sua parceira portuguesa. O Público noticiou em 2015 que existiam suspeitas sobre o pagamento de comissões, num valor total superior a 200 milhões de euros, nestes negócios.

Na altura, o Governo liderado por José Sócrates usou a golden share que o Estado tinha na PT para travar a venda à Telefónica das ações que a empresa tinha na Vivo. O caso envolveu mesmo conversas telefónicas entre o ex-primeiro-ministro e o ex-presidente brasileiro, Lula da Silva, investigado também no caso Lava Jato. Mas a venda acabaria mesmo por se fazer depois do governo de Sócrates ter mudado de opinião sobre o negócio. A PT aliou-se, em contrapartida, com a Oi. Zeinal Bava tornou-se presidente executivo da empresa brasileira e Granadeiro assumiu a presidência da PT.

Mas a queda do Grupo Espírito Santo (em agosto de 2014) acabou por arrastar consigo a PT. Um negócio catastrófico de investimento em dívida da Rioforte, do grupo GES (que tinha 10% da empresa de telecomunicações portuguesa), no valor de 897 milhões, foi o fim da telecom, que acabou vendida aos franceses da Altice. Granadeiro assumiu a responsabilidade pelo investimento, enquanto Zeinal Bava insistiu, na comissão parlamentar de inquérito ao BES, nunca ter tido conhecimento do investimento. Mas a Oi, visivelmente afetada pelo ‘buraco’ (o negócio de entrada na PT acabou por se revelar um verdadeiro fracasso) afastou o gestor português e a sua equipa.

Como vai o caso?

A Operação Marquês já conta com mais de uma dezena de arguidos, entre os quais o ex-primeiro-ministro José Sócrates que está indiciado pelos crimes de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção passiva para ato ilícito.

Entre os arguidos no processo da Operação Marquês estão ainda a ex-mulher de Sócrates Sofia Fava, o ex-administrador da CGD e antigo ministro socialista Armando Vara e a sua filha Bárbara Vara, Carlos Santos Silva, empresário e amigo do ex-primeiro-ministro, Joaquim Barroca, empresário do grupo Lena, João Perna, antigo motorista do ex-líder do PS, Paulo Lalanda de Castro, do grupo Octapharma, Inês do Rosário, mulher de Carlos Santos Silva, o advogado Gonçalo Trindade Ferreira e os empresários Diogo Gaspar Ferreira e Rui Mão de Ferro.

O MP enviou uma carta rogatória para Angola para constituir arguido o empresário luso-angolano Helder Bataglia.

Com estas novas buscas, o processo, cujos procuradores disseram que estaria concluído em setembro, pode arrastar-se ainda mais no tempo.