Se há palavra recorrente no relatório da avaliação pós-programa de ajustamento da Comissão Europeia a Portugal, divulgado esta segunda-feira, essa palavra é “risco”.

Riscos para o sucesso recuperação económica, riscos no défice, na dívida pública, na processo de renacionalização da TAP, na banca, no aumento do salário mínimo nacional. Difícil mesmo é conseguir encontrar uma área em que os técnicos da Comissão admitam ver uma luz ao fundo do túnel.

Os técnicos estiveram em Lisboa entre 15 e 23 de junho e, no relatório que resultou dessa visita, deixam a nota pessimista: “Desde a conclusão da terceira avaliação da missão pós-programa de vigilância, em fevereiro de 2016, as condições económicas em Portugal não melhoraram e os riscos estão mais inclinados para o lado negativo”.

Este comentário repete-se várias vezes ao longo das 52 páginas do documento.

Recuperação económica lenta

A Comissão prevê que a economia portuguesa continue a crescer a “um ritmo moderado” nos próximos meses. Em linha com o que tinha projetado na última visita, tudo aponta para um crescimento o PIB de 1,5% este ano e de 1,7% em 2017. O Governo previa um crescimento de 1,8% já este ano.

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A procura interna é, neste momento, o principal motor da economia nacional e isso comporta “riscos” para a continuação do crescimento económico. O relatório da Comissão refere que “as medidas fiscais expansionistas e os desenvolvimentos positivos no mercado de trabalho continuam a suportar o crescimento do consumo privado”.

Mas isso é frágil. “Os riscos” para o comportamento macroeconómico “estão inclinados para o lado negativo e estão principalmente relacionados com fatores internos, como os elevados níveis de endividamento público e privado e a incerteza no que respeita à consolidação e caminho reformista do governo”, aponta o relatório.

O investimento também não cresceu nos primeiros meses do ano de forma sustentada “e parece retraído pelo elevado nível de dívida das empresas e pela incerteza das políticas” a aplicar pelo Governo de António Costa.

No plano externo, a Comissão também prevê que o referendo de junho no Reino Unido, que ditou a saída do país da União Europeia, possa vir a ter impacto no desempenho económico português, com uma quebra das trocas comerciais com os britânicos e a consequente quebra do desempenho da economia nacional.

Reposição de salários ameaça cumprimento do défice

Até maio deste ano, não havia razões para fazer soar alarmes. A execução orçamental estava “em linha” com o que o Governo tinha projetado no Orçamento do Estado para este ano e não havia quaisquer “derrapagens” ao documento aprovado em março.

O relatório destaca outro ponto positivo, neste caso no que se refere ao saldo das Administrações Públicas. Nesse capítulo, a execução “melhorou 0,5 mil milhões de euros em relação ao mesmo período do ano passado”. Em parte, “devido a um aumento de 1,6% da receita”. A despesa, que cresceu 0,1%, também contribuiu para este resultado.

Mas isso era até maio. A Comissão é menos otimista na previsão que faz agora sobre a execução das contas até ao fim do ano. “Vários fatores limitam a comparação da execução orçamental até ao final de maio com a execução orçamental para o resto do ano”, refere o documento da Comissão Europeia. E, mais uma vez, “os riscos estão inclinados para a negativa”.

A “confiança das autoridades” portuguesas no cumprimento do Orçamento contrasta com o olhar mais conservador dos técnicos da Comissão. Razões para a atitude cautelosa? A inversão dos cortes salariais que vinham sendo aplicados aos funcionários públicos, que terão consequências para o comportamento das contas públicas, e a redução do IVA no setor da restauração.

A previsão da Comissão Europeia é a de que o défice deste ano se fixe nos 2,7% do PIB (o Governo insiste que vai conseguir ficar “confortavelmente” abaixo dos 2,5%) e nos 2,3% em 2017 (a previsão no Programa de Estabilidade é de 1,4% de défice para o próximo ano).

“A divergência em relação às autoridades [portuguesas] deriva da previsão macroeconómica menos otimista da Comissão e dos juros mais baixos resultantes de medidas de consolidação fiscal que estão projetadas”, refere o relatório.

Dívida pública e financiamento

As condições “mais voláteis” do mercado da dívida não escaparam à análise dos técnicos de acompanhamento do pós-programa de assistência financeira.

Uma dos “avisos” da Comissão refere-se ao financiamento dá dívida pública e à capacidade de Portugal conseguir continuar a pagar os empréstimos que vão vencendo. Para já, “não há razões para preocupações”. Mas “as condições mais voláteis do mercado” trazem à luz do dia a “posição vulnerável de Portugal num ambiente mais adverso ao risco”.

Além disso, há um processo chamado TAP. A recompra de 50% da transportadora aérea nacional já está a ter impacto nas contas do Estado e pode mesmo “implicar riscos orçamentais adicionais”, da mesma forma que pode colocar mais “pressão sobre a dívida pública”.

O custo já incorporado com essa operação estimava-se, em junho, em cerca de 30 milhões de euros – valor apenas referente às ações que o Estado teve de pagar para reaver o controlo da empresa. Mas a contabilização não se fecha por aí. Para garantir que a empresa volta às mãos do Estado, o negócio terá ainda de acautelar o pagamento de 11% aos donos privados da TAP, os membros do consórcio Atlantic Gateway. E, no que ainda aí vem e não está totalmente esclarecido (nem podia estar), a Comissão avisa de novo: “Os contornos da operação ainda não são totalmente claros, nomeadamente em termos dos direitos económicos de cada acionista a contribuição para os planos de capitalização e o efetivo controlo da gestão da companhia”, refere o documento da Comissão Europeia.

A incerteza estende-se à anulação da privatização dos transportes urbanos em Lisboa e no Porto. “Há ainda riscos não quantificados relacionados com as queixas apresentadas nos tribunais contra a anulação dos processos”, por parte do governo.

Em junho, e com o voto contra de PSD e CDS, o Parlamento revogou a subconcessão das empresas das empresas de transporte público de Lisboa e do Porto (Carris, Metro e STCP) lançada pelo anterior governo. Esse processo poderá dar lugar a indemnizações às empresas que se candidataram à subconcessão: a espanhola Avanza (Carris e o Metro de Lisboa), a britânica National Express (com a STCP) e a francesa Transdev (que concorria à gestão do Metro do Porto).

Aumento do salário mínimo coloca “pressão” sobre o emprego

“Um aumento do salário mínimo está a colocar pressão sobre uma já de si comprimida distribuição salarial e reduz a empregabilidade de trabalhadores com baixas qualificações”, avisa também a Comissão.

Na última visita a Portugal, os técnicos da Comissão estiveram a analisar os dados do emprego e chegaram à conclusão de que, ao contrário do que aconteceu entre 2010 e 2014 – período em que o número de trabalhadores com salário mínimo se manteve estável –, nos últimos dois anos este universo subiu quase 60%. Como o preço dos bens e o valor da produtividade não acompanhou essa subida (cresceu, respetivamente, 8% e 2,1%), a Comissão está preocupada com a possibilidade de novos aumentos do salário mínimo poderem “reforçar” esta tendência, “alargando a distância entre o salário dos trabalhadores e a sua produtividade”.

A possibilidade de o Governo volta a subir o salário mínimo – o PCP defende o aumento para os 600 euros, já em 2017 – poderá ainda “reduzir os incentivos” ao investimento na qualificação e “arrisca prejudicar as perspetivas de emprego e de competitividade.

Crédito de risco, CGD e Novo Banco: as incertezas da banca nacional

O sistema financeiro português continua exposto “a uma série de desafios e riscos”.

Continuam a resistir no mercado demasiados empréstimos bancários com uma probabilidade muita elevada de não virem a ser cumpridos – e não é ainda certo de que forma os bancos vão conseguir incorporar essas perdas nas suas contas.

O crédito mal parado é resultado das falências de empresas dos anos de troika em Portugal. Mas não só. “O elevado nível de ativos problemáticos” também se explica com a resolução muito lenta da dívida não performante, que leva em média 40 meses a ser concluída”. Bruxelas exige uma resposta “urgente” para este problema.

Depois, há os nomes grandes da banca nacional: a Caixa e o Novo Banco. “O impacto final da venda do Novo Banco e a recapitalização da Caixa Geral de Depósitos nas contas públicas e/ou noutros bancos ainda é desconhecida”, refere o relatório. “Qualquer impacto financeiro possível, sob a forma de contribuições dos bancos para o Fundo de Resolução” pode sentir-se durante vários anos.

Sustentabilidade das pensões “ainda não está assegurada”

O sistema de pensões continua a depender “amplamente” das transferências de verbas do Orçamento do Estado. A Comissão lamenta que a reforma deste sistema ainda não tenha sido feita, apesar de constar do Programa de Estabilidade divulgado no ano passado. “Apesar de se esperar uma melhora até 2060, até lá a generosidade do sistema de pensões (…) continua acima da média europeia”, refere a instituição.

Enquanto o Governo não concretiza as suas pretensões de redesenhar o financiamento da Segurança Social, seria “fundamental considerar fontes de rendimento alternativas e fazer progressos no reequilibro da desigualdade intergeracional”, concretiza o relatório divulgado esta segunda-feira.

Não há ainda data definida para o regresso dos técnicos da missão de acompanhamento pós-programa de ajustamento. Mas a Comissão Europeia admite que a próxima visita aconteça ainda antes do final do ano.

Para já, as atenções estão todas centradas no Orçamento do Estado que o Governo tem de apresentar na Assembleia da República até 15 de outubro. Nas contas para o próximo ano, o governo tem de acautelar uma redução extra da despesa de 0,25% do PIB – imposição da Comissão para que o país cumpra os objetivos do défice para 2017.