São desconfianças antigas que agora se confirmam. Debaixo da camada de gelo que compõe a superfície de Plutão, há um oceano de água em estado líquido. Estas são as primeiras conclusões tiradas após a análise do lado esquerdo da região “Tombaugh Regio”, também conhecida por Coração de Plutão. E são também os primeiros resultados da histórica viagem da sonda New Horizons que passou perto do planeta.

Tudo aconteceu quando um meteorito com 200 quilómetros de diâmetro – cerca de vinte vezes maior que aquele que extinguiu os dinossauros – chocou contra Plutão, formando uma cratera que foi ao longo do tempo coberta de gelo composto por azoto, metano e dióxido de carbono. A acumulação de gelo e a força gravítica exercida pela Caronte, a maior lua de Plutão, alterou completamente o eixo de rotação do planeta.

Isto foi demonstrado por James Keane, um astrónomo da Universidade do Arizona, na revista Nature. Mas é na origem desse mesmo gelo que estão as novidades: para Fracis Nimmo, outro astrónomo da Universidade da Califórnia, a única explicação possível é a existência de uma grande massa de água debaixo do gelo da Sputnik Planitia, o local onde o meteorito embateu há muitos milhões de anos. “O núcleo rochoso do planeta tem radioatividade suficiente para derreter uma capa de gelo com 100 quilómetros de espessura.

Com o impacto, a água escapou para a superfície enchendo a cratera e espalhou-se pelo planeta inteiro. Na atualidade, o oceano de Plutão é composto essencialmente por água, mas pode também ter amoníaco que a impede de congelar. Mas na altura em que foi criada, é possível que a sua composição fosse semelhante à dos oceanos na Terra e, portanto, fosse “potencialmente habitável”.

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E hoje, pode ainda haver vida? De acordo com o estudo publicado na Nature, é possível que sim ou que pelo menos haja sinais de que ela já existiu. Mas não será fácil prová-lo: seria necessário enviar outra sonda a Plutão que detetasse excessos de massa na Sputnik Planitia ou então com um radar que pudesse cortar o gelo.

As marcas de Plutão que comprovam a teoria

Foi através das marcas que a colisão deixou no planeta que os investigadores conseguiram sustentar as suas teorias. Segundo um dos dois estudos apresentados, quando se analisaram as falhas e as montanhas presentes na superfície, pode constatar-se que efetivamente Plutão sofreu uma reorientação.

James Keane, o primeiro autor do estudo e investigador da Universidade do Arizona, explicou que “quando se produz uma mudança no eixo de rotação de um planeta, produzem-se tensões na superfície, que acabam por provocar fraturas”.

Acrescentou ainda que “as falhas de Plutão coincidem com o padrão que se daria a uma reorientação de planeta segundo o nosso modelo”.

No entanto, o investigadores acreditam que esta reorientação do planeta anão não teve só relacionada com a colisão do meteorito. É que Plutão contém à sua superfície tal bacia de gelo, a Sputnik Planitia, com 1000 quilómetros de diâmetro e quatro de profundidade, que pode ter ajudado nessa reorientação.

E é a partir da famosa bacia de plutão que os investigadores sustentam a ideia de que não foi só o impacto que deixou o pequeno planeta de costas voltadas para a sua lua. Keane esclareceu que “não foi a força do impacto que provoca a reorientação de Plutão, mas sim a redistribuição de massa dentro da bacia”.

Outro investigador, Javier Licandro, do Instituto Astrofísico das Canárias, explicou que quando se sucedem mudanças na massa de algo que está em rotação, o seu eixo muda também porque a forma como um planeta gira é contrariada fazendo com que minimize a energia. “Em resumo, isto significa que os planetas têm de reorientar o seu eixo de rotação para poder colocar as regiões de massa maior mais perto do equador e as de menor mais próximas dos polos”, segundo o astrofísico.

Outro investigador, Francis Nimmo, da Universidade da Califórnia e autor do segundo estudo sobre este tema, explicou ao El Español que o facto da planície estar situada perto da linha de equador de Plutão, pode levar a pensar que deve de existir uma acumulação de massa nessa mesma zona. “Parece pouco provável que um buraco no solo possa fornecer a massa adicional necessária para causar este tipo de reorientação, de modo que o peso extra dever estar escondido em algum lugar debaixo da superfície”.

Ainda assim e apesar dos dois estudos discordarem neste ponto, as duas equipas estão de acordo numa coisa. É provável que exista uma acumulação de massa na bacia do planeta anão que possa explicar como é que este sofreu um mudança de posição tão grande. A divergência é de que tipo de massa se trata.

As divergências dos dois estudos

Para Francis Nimmo e a sua equipa o que pode justificar a quantidade de massa presente na bacia do planeta anão é a acumulação de água. “Uma forma natural de obter esta massa extra é ter água debaixo da superfície, porque a água é mais densa do que gelo”, explicou o astrofísico.

Por ouro lado, o estudo apresentado por James Keane sustenta que o excesso de massa na bacia pode ter acontecido devido à acumulação de gelo volátil. “Plutão tem depressões topográficas a que chamamos de armadilhas frias e aí há a tendência de se acumular o gelo volátil”. Assim sendo, o gelo que foi acumulando ao longo do tempo seria mais denso o que provocaria uma variação na massa presente na bacia.