Os melhores

“As 10 questões do colapso”, João César das Neves (Dom Quixote)

Este é um livro atrevido. Basta ler o seu subtítulo: “Portugal – A provável derrocada financeira de 2016-2017”. Ou mesmo duplamente atrevido, pois foi escrito em Agosto e publicado em Novembro, isto é, foi escrito quanto muitos sinais vermelhos se tinham acendido relativamente à economia portuguesa e chegou às livrarias depois de conhecidos os dados de um trimestre de crescimento mais forte, dados que se tornaram o alfa e o ómega dos arautos de que já estamos no melhor dos mundos. Lendo João César das Neves percebe-se que um trimestre, tal como uma andorinha, não faz a Primavera. As razões porque Portugal cresce muito abaixo das necessidades não são novas, vêm desde o início do século e ele explica-as bem. O que podia ser feito para as superar não está a ser feito, antes pelo contrário. Esta é uma obra que mostra como estamos numa daquelas alturas em que as costas folgam enquanto o pau vai e vem. E que não tarde nada vai voltar a abater-se sobre as nossas martirizadas costelas.

“A Bíblia”, Tradução de Frederico Lourenço (Quetzal)

Uma Bíblia nos livros do ano? Sim, por dois motivos, e nenhum deles religioso, pois a Bíblia é muito mais do que um texto sagrado, é um texto central da história da Humanidade com peças que foram escritas pela primeira vez há vários milénios. Mas vamos aos motivos, sendo que primeiro é porque se trata de uma nova tradução e bastante cuidada, esta realizada a partir da primeira tradução para grego (e não do texto hebraico original), isto num país onde se reconhecem limitações nas diferentes traduções existentes do texto sagrado do Cristianismo. O segundo é a controvérsia que esta tradução suscitou, por não ser realizada de acordo com o cânone da Igreja, antes procurar ser o mais literal possível. Parte dessa controvérsia passou pelo Observador (aqui, aqui, aqui e aqui) e não me vou pronunciar sobre ela – registo apenas, com satisfação, a sua existência, prova de vida (se necessário fosse) de que o livro mais lido em todo o mundo continua a ser tema de um debate que vai para lá do círculos dos crentes. Só por isso teria valido a pena esta nova tradução, mas há muito mais do que isso no trabalho de Frederico Lourenço, um dos nossos melhores helenistas.

“António Barreto – Política e Pensamento”, Maria de Fátima Bonifácio (Dom Quixote)

Quem procurar uma biografia clássica não a encontrará aqui. Maria de Fátima Bonifácio tinha outro fito, o de responder a uma pergunta que muitos fizeram e fazem: “António Barreto tinha tudo para ser tudo o que há para ser em Portugal. E não foi. Porquê?” Dividido em duas partes, uma dedicada ao seu percurso política, outra á sua produção intelectual, é uma obra só possível pela proximidade entre a autora e o próprio António Barreto e pelas muitas horas de entrevistas realizadas. No fim não sei se a explicação possível para o paradoxo de partido é a explicação final, se é que essa podia existir. Daí também o fascínio deste livro, pois não fecha portas, antes nos abre novas pistas e suscita novas leituras.

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“A Ira de Deus sobre a Europa”, J. Rentes de Carvalho (Quetzal)

Foi em 1956, há 60 anos, que o jovem J. Rentes de Carvalho chegou à Holanda, pensava ele que para uma curta estadia de dois ou três meses. Ficou lá até agora e o que este livro nos conta é a forma como foi vendo o seu país de adopção evoluir. Com uma enorme independência de espírito, sem receio de ferir ortodoxias, de uma forma muito pessoal e muito humana, o que nos vai revelando é a sua imensa preocupação com a evolução de um país, e de uma Europa, onde vê que “o hedonismo, a ausência de ideais, uma mansidão que não distingue muito da cobardia, aqui e ali um tolo sentimento de superioridade, de “valores” e de “civilização”, são outros tantos factores da nossa provável derrota”. Livro pessimista, que só vai até 2006 mas tem um prefácio escrito já em 2016, é um livro que retratando a Holanda, retrata a Europa presa no seu labirinto e submersa pelos que chegam de todo o lado. Escrevi livro pessimista? Enganei-me. Devia ter escrito lúcido.

“Hillbilly Elegy”, JD Vance (Harper Collins)

Depois da vitória de Donald Trump todos foram à procura de perceber o que tinha acontecido, como tinha sido possível que estados antes solidamente do lado dos democratas tivessem votado no candidato republicano e este tivesse tido o voto de tantos trabalhadores brancos das classes baixas. Alguns livros foram de imediato sugeridos como podendo proporcionar algumas explicações, mas de todos eles o que me suscitou de imediato a atenção foi esta, e por ser A Memoir of a family and Culture in Crisis, como se escreve no seu pós-título. É a história de alguém que nasceu no Ohio, numa das regiões onde no passado floresceu a indústria pesada e hoje há apenas ruínas ferrugentas e gente presa numa armadilha de pobreza, vício e incultura. E gente que se sente perdida e vítima de poderes longínquos e preconceitos que abomina. Querem compreender Trump? Comecem por tentar compreender aqueles para quem ele falou, tudo prometendo.

O pior

“Eu e os políticos”, José António Saraiva (Gradiva)

O design da capa mostra-nos um buraco de fechadura e o autor promete que nele está “o que não pude (ou não quis) escrever até hoje”. Ou seja, promete indiscrições. E, na verdade, contém indiscrições, algumas delas de tal teor que geraram uma enorme tempestade mediática e política. Infelizmente, como escrevi na altura, depois de ler o livro e não antes de o fazer, como era regra suceder, muitas dessas reacções revelaram mais sobre a hipocrisia de muitos jornalistas do que sobre a gravidade das “revelações”. Até porque, no que toca a revelações, o livro é uma desilusão, sobretudo para quem já tinha lido as duas obras anteriores do antigo director do Expresso e do Sol e nelas já tinha encontrado muitas das indiscrições agora recuperadas. Por isso o livro é uma desilusão, mesmo contando algumas pequenas histórias interessantes e reveladoras. Isto para além de pisar gratuitamente o risco nalgumas das passagens mais voyeuristas, e sem que disse se tire grande valor para o nosso conhecimento dos políticos.

[as escolhas de José Manuel Fernandes:]

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