Donald Trump vai nomear esta terça-feira o próximo juiz do Supremo Tribunal de Justiça norte-americano, preenchendo um cargo que permanece por ocupar desde a morte súbita do juiz conservador Antonin Scalia. A decisão do novo Presidente dos Estados Unidos pode ser decisiva para o futuro da política norte-americana: sabendo de antemão que a escolha vai recair sobre um juiz conservador, anti-aborto e contra restrições ao controlo de armas, a escolha de um juiz conservador fará pender a balança deste órgão de decisão para os republicanos.

Com a morte de Scalia, em fevereiro de 2016, o Supremo Tribunal de Justiça ficou dividido entre quatro juízes conservadores e quatro juízes liberais, sendo que um dos juízes, Anthony Kennedy, conservador, acompanhava as decisões dos liberais em questões fundamentais, como no casamento gay. Para preencher a vaga, Barack Obama nomeou Merrick Garland, um juiz liberal moderado, mas os republicanos usaram a maioria no Senado para travar esta nomeação. O impasse durou até ao fim do mandato de Obama e cabe agora a Trump escolher o sucessor de Scalia.

Os juízes do Supremo Tribunal de Justiça — nove, no total — são nomeados de forma vitalícia pelo Presidente dos Estados Unidos, mas estão sujeitos à confirmação pelo Senado. Historicamente, o Supremo, enquanto intérprete da Constituição norte-americana, tem desempenhado um papel fundamental na definição dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, nomeadamente no que diz respeito a questões raciais, de liberdade de expressão ou, por exemplo, de direito à interrupção voluntária da gravidez.

A lista de Trump

O sucessor de Scalia sairá de uma shortlist que tem sido avançada com insistência pela imprensa norte-americana e que conta, como já assumiu Donald Trump, com juízes declaradamente anti-aborto e pró-armas.

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Um dos favoritos a ocupar o cargo é Neil Gorsuch, um juiz federal conhecido pelas suas posições pró-vida e contra a eutanásia. No entanto, o The New York Times tem uma passagem curiosa sobre o juiz: as suas credenciais, a erudição, independência e as posições mais suaves em determinados temas podem diminuir as suas chances de ser nomeado, escreve aquele jornal.

Outro nome falado com insistência é o de William Pryor, que, em 2003, chegou a comparar a homossexualidade à prostituição, incesto, necrofilia ou pedofilia. Também chegou a classificar o desfecho do Caso Roe contra Wade — o nome dado ao caso em que o Supremo reconheceu o direito à interrupção voluntária da gravidez nos Estados Unidos (1973) — como a “pior abominação do direito constitucional” da história dos Estados Unidos e responsável pelo “abate de milhões de inocentes nascituros”. De acordo com The New York Times, Pryor é tido como um protegido do senador Jeff Sessions, nomeado por Trump para ser procurador-geral (o equivalente, no regime político português, ao cargo de ministro da Justiça).

Thomas Hardiman, de 51 anos, aparece nesta lista como uma possível segunda escolha, em detrimento de Gorsuch e Pryor. Tido como um juiz mais afastado da linha dura dos conservadores, Pryor tem origens humildes, tendo sido o primeiro membro da sua família a frequentar o ensino superior. Chegou mesmo a conduzir um táxi para pagar os estudos, como conta a Forbes. Além disso, trabalhou diretamente com a irmã de Donald Trump, Maryanne Trump Barry.

Diane Sykes, de 59 anos, defensora convicta do direito ao porte de arma, surge como a candidata menos provável, atendendo à idade que tem, como explica a CNN.

Três juízes à beira dos 80 anos

Independentemente da escolha imediata de Donald Trump, a definição do elenco do Supremo Tribunal de Justiça norte-americano será uma questão que vai acompanhar a política norte-americana nos próximos anos — e o novo Presidente poderá ter um papel determinante nessas decisões.

Apesar de o cargo ser vitalício — os juízes do Supremo não podem ser depostos –, a verdade é que existem três magistrados que já ultrapassaram ou estão perto de ultrapassar a barreira dos 80 anos: Anthony Kennedy, o conservador que tem, precisamente, feito pender a balança para os democratas, Ruth Bader Ginsburg (83) e Stephen Breyer (78), dois juízes liberais. Se, por algum motivo, um deles deixar o cargo, Trump terá nas suas mãos a escolha dos seus sucessores.

Há, ainda assim, alguns dados que devem ser levados em conta. Mesmo com a nomeação (provável) de um juiz conservador, há decisões que não deverão ser revertidas pelo Supremo Tribunal, por exemplo, no que respeita ao direito à interrupção voluntária da gravidez. Até agora, sempre que o Supremo tem sido chamado a pronunciar-se sobre o aborto, as votações têm sido favoráveis aos liberais — a última, ficou 5-3, com Anthony Kennedy a votar ao lado dos liberais. No limite, o próximo membro conservador do Supremo tornaria a votação apenas mais equilibrada, explica o mesmo The New York Times.

O mesmo com políticas de discriminação positiva em relação a determinadas minorias, que é seguida, por exemplo, nos programas de admissão para as universidades. Quando foi chamado a pronunciar-se sobre um caso concreto, no Texas, e mais uma vez com um voto decisivo de Anthony Kennedy, o Supremo Tribunal acabou por confirmar que a Universidade estava obrigada a respeitar determinadas regras, a favor da diversidade racial e étnica. Mais uma vez: a escolha de um juiz que rejeitasse este espírito teria pouca influência no resultado final da votação.

Os exemplos do jornal norte-americano não se esgotam aqui. Nos últimos anos de mandato de Barack Obama, o Supremo Tribunal de Justiça foi chamado a pronunciar-se sobre a legalidade de algumas restrições impostas à indústria em nome da proteção ambiental ou questões que envolviam direitos das organizações sindicais. Um novo juiz conservador poderá fazer influenciar decisivamente as decisões deste órgão nestas duas matérias.

As futuras decisões do Supremo poderão passar também por outras duas áreas especialmente sensíveis: a primeira está relacionada com o Obamacare e os métodos de contraceção femininos assegurados pelo plano de saúde pensado pelo ex-Presidente norte-americano e que têm sido contestados por várias organizações religiosas. Se um desses casos chegar ao Supremo, os juízes, maioritariamente conservadores, poderão decidir a favor destas organizações.

Os direitos de pessoas transgénero também podem ser colocados em causa: como resume o The New York Times, a anterior administração Obama tinha um entendimento restrito de uma lei de 1972 que proibia expressamente a discriminação de alunos em função do género em escolhas que recebem fundos federais. A administração Trump pode vir a ter uma interpretação diferente desta lei e contar com o apoio da maioria dos juízes do Supremo.