A revolta sueca com o ministro as Finanças português, por isentar de tributação quem escolhe o país para viver (e ficar isento de impostos aqui e no país de origem), tem na sua base um regime fiscal criado em 2009 com o objetivo de atrair pessoas e investimento para Portugal. Foi ele que fez a ministra sueca das Finanças, Magdalena Andersson, ter uma “conversa séria” com Mário Centeno, incomodada com a isenção de tributação que é oferecida a quem se fixa em Portugal.

“Os países que não gostam deste regime têm uma solução: renegociar o tratado fiscal com Portugal e salvaguardar os países de origem dos rendimentos”, explica ao Observador Ricardo da Palma Borges, advogado especialista na área fiscal. “Quem terá de se ‘mexer’ será a Suécia, e não Portugal, alterando o acordo de dupla tributação celebrado com Portugal para que as pensões suecas passem a ser tributadas na Suécia. Tal como fez a Finlândia”, acrescenta João Magalhães Ramalho, especialista em direito fiscal.

O Regime Fiscal dos Residentes Não Habituais, alvo da crítica sueca, destina-se a todos quantos não tenham residido em Portugal nos últimos anos (portugueses incluídos) e que estejam no país há mais de 183 dias, seguidos ou interpolados ou tenham habitação permanente. E permite duas vantagens fiscais:

  • A tributação, durante um período de 10 anos, a uma taxa fixa de IRS de 20% (a taxa especial) sobre os rendimentos do trabalho auferidos em Portugal;
  • A inexistência de dupla tributação, no caso de o rendimento de pensões e do trabalho dependente e independente auferido no estrangeiro.

Mas é neste último ponto que está o ganho mais atrativo, sobretudo para pensionistas. É que de acordo com a convenção-modelo da OCDE “as pensões e outras remunerações similares pagas a um residente de um Estado contratante em consequência de um emprego anterior só podem ser tributadas nesse Estado”. Como Portugal não tributa os rendimentos com origem fora do país, nomeadamente pensões, rendimentos do trabalho, juros, mais-valias, dividendos ou outros rendimentos de capitais, os estrangeiros reformados e pensionistas que escolham o país para viver têm o valor da pensão (ou de outros rendimentos) livre de impostos. Este é o tal problema levantado pela Suécia e, mais atrás, também pela Finlândia, que fez até uma revisão do acordo com Portugal sobre a dupla tributação (estas convenções, publicadas no Portal das Finanças, são estabelecidas bilateralmente e cada Estado pode acautelar os seus interesses como mais lhe convém).

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No caso da primeira vantagem, a tributação à taxa de IRS de 20% é aplicada sobre rendimentos de atividades de elevado valor acrescentado com carácter científico, artístico ou técnico (arquitetos, engenheiros, e artistas plásticos, atores, músicos, médicos, professores, psicólogos, investidores, ou gestores, por exemplo). Mas todos os outros rendimentos obtidos em Portugal são tributados nas mesmas condições dos contribuintes comuns. “As isenções concedidas ao abrigo do regime dos residentes não habituais estão dependentes da verificação de condições prévias, por exemplo os rendimentos de offshore estão foram”, explica João Magalhães Ramalho. “Ou seja, Portugal não é um offshore para os beneficiários” deste regime, garante ainda.

Suécia “revoltada” com Portugal por isentar de impostos pensionistas suecos

Ricardo da Palma Borges explica que os países que não estão satisfeitos “podem sempre renegociar os tratados e chegar a um acordo diferente, em que ambos passem a tributar, por exemplo”. E quanto à legitimidade do regime português, o advogado especialista na área fiscal diz que não há ciência: “Quando há um problema concreto entre empresas, a Comissão Europeia pode intervir, porque isso pode gerar problemas de concorrência, mas no caso de singulares, as pessoas são livres de circular na União Europeia e de escolherem o país onde querem viver”.

Apesar do incómodo já manifestado por alguns dos países de origem dos pensionistas que aderem a este regime em Portugal, o especialista em direito fiscal Magalhães Ramalho acrescenta outra perspetiva: “Embora concedendo que não pagar impostos é muito discutível (sobretudo no caso dos pensionistas que usam intensamente os serviços públicos de saúde), o regime constitui uma importante ferramenta competitiva para Portugal, sendo a perda de receita fiscal com as ditas pensões (e as taxas reduzidas de IRS) seguramente compensada com o acréscimo do volume de investimento e da dinamização da nossa economia”. E além disso, o advogado garante que também tem impacto positivo “com a arrecadação de impostos indiretos”.

Artigo atualizado com declarações do especialista em direito fiscal João Magalhães Ramalho.