Portugal cumpriu e até ultrapassou a meta do défice para 2016, com 2,1% do PIB, ainda que com uma pequena ajuda de medidas temporárias, sobretudo via PERES (Programa Especial de Redução do Endividamento ao Estado), o que contribuiu com receita equivalente a 0,3% do Produto Interno Bruto (PIB).
Os números anunciados na sexta-feira passada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) deverão permitir o encerramento do Procedimento por Défices Excessivos (PDE) contra Portugal este ano, defende a Unidade Técnica de Apoio Orçamental (UTAO) numa nota rápida sobre as contas nacionais. Mas se este desfecho positivo é mais ou menos esperado, tendo aliás sido referido pelo comissário europeu dos assuntos económicos, Pierre Moscovici, ainda este fim de semana, isso não quer dizer que tudo está a correr bem com a política financeira e económica nacional.
Aliás, ainda na semana passada, o fantasma das sanções voltou a ser levantado num relatório do Banco Central Europeu (BCE) à avaliação feita pela Comissão Europeia sobre a execução das recomendações específicas para Portugal, no quadro do Semestre Europeu. O pedido de mão pesada para países infratores terá mesmo causado mal-estar na Presidência da República, ainda que oficialmente o Presidente o tenha desmentido.
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Este exame de Bruxelas à economia portuguesa não se limita ao défice, nem à dívida pública cuja trajetória não tem sido aliás positiva. Para além do cumprimento do Programa de Estabilidade, está também em causa o Plano Nacional de Reformas apresentado no quadro dos compromissos assumidos pelo Governo quando conseguiu evitar a aplicação de sanções financeiras. Na nota sobre as contas nacionais, a UTAO faz um balanço ao exame conduzido por Bruxelas, avaliando o grau de implementação de cada uma das recomendações, nos seus múltiplos fatores.
E entre os 15 pontos analisados, em nenhum deles a avaliação é claramente positiva — ou seja não merecem a classificação de “progressos substanciais” ou de “planeamento executado”. A nota de que foram registados “alguns progressos” foi atribuída a sete medidas, o mesmo número de iniciativas que levou a classificação de “progressos limitados”. Num dos capítulos avaliados, Portugal levou mesmo um chumbo claro, pela “ausência de registo de progressos”. Aproveitando a análise da UTAO, vamos começar pelo que correu pior, do ponto de vista de Bruxelas.
Onde Portugal não fez progressos…
Reorientação dos planos de reestruturação das empresas públicas. Esta “ausência de progressos” é fundamentada por um elevado nível de endividamento e de prejuízos que se mantém, ainda que a nível de desempenho operacional se tenha verificado uma melhoria no ano passado. Este foi um dos setores onde o atual Governo, em compromissos com os partidos mais à esquerda, teve mais recuos em relação à política que vinha de trás, com destaque para a reversão das subconcessões no setor dos transportes públicos de Lisboa e Porto, a privados. A avaliação conclui que o Governo ainda não apresentou medidas concretas para reestruturar de forma significativa as empresas públicas.
… onde teve progressos limitados…
Dependência do sistema de pensões das transferências orçamentais. O Orçamento do Estado para 2017 prevê a mobilização de receitas de um novo imposto, o adicional de IMI ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, com um encaixe estimado de 160 milhões de euros. Ainda que esta medida seja apresentada pelo Executivo como uma fonte alternativa à dependência excessiva de transferências orçamentais, neste novo imposto não resolve a questão de fundo da sustentabilidade do sistema de pensões.
Coerência entre salário mínimo com emprego e competitividade. O aumento mais recente do salário mínimo, que em janeiro de 2017 passou de 530 para 557 euros mensais, superou as previsões para a inflação e a subida média da produtividade. Este movimento poderá criar “pressões ascendentes sobre a estrutura salarial, com risco de afetar as perspetivas de emprego e competitividade, num contexto de baixa inflação e elevado desemprego” – ainda que contribuam para estimular a procura e reduzir a pobreza. A evolução está a ser acompanhada em relatórios trimestrais.
Garantir o regresso efetivo dos desempregados de longa duração ao mercado de trabalho. A taxa de desemprego de longa duração mantém-se uma das mais altas da Europa, apesar de medidas ativas de emprego criadas para este grupo. O Governo fez uma reavaliação destas políticas, mas ainda não adotou medidas específicas para integrar estes desempregados no mercado laboral. Admite que um maior recurso a plataformas online, substituindo o atendimento presencial, possa libertar recursos que ofereçam uma prestação de serviços mais personalizados a estas pessoas.
Balanço das instituições de crédito. Apesar do discurso feito nesse sentido, a Comissão considera que não tem sido feito o suficiente para facilitar o saneamento dos balanços das instituições de crédito e “resolver os níveis elevados de crédito em incumprimento”. Os bancos têm feito progressos na desalavancagem do seu endividamento, mas a qualidade dos ativos e a baixa rendibilidade continuam a pressionar o nível de solvência (solidez financeira).
Redução das barreiras regulamentares nos serviços às empresas. Os entraves administrativos e regulamentares continuam a restringir a concorrência no mercado de serviços regulamentares. Taxas de ordenamento de território, indicadores de desempenhos nos portos e a demora na amortização do défice tarifário da eletricidade, bem como da eliminação das tarifas reguladas, são exemplos apontados.
Acesso ao financiamento através do mercado de capitais para startups e Pequenas e Médias Empresas.
Aceleração dos processos de licenciamento.
… e onde fez avanços
Profundo reexame da despesa. As autoridades nacionais lançaram um exercício de revisão das despesas, especialmente focado para medidas de eficiência que envolvem os ministérios da Saúde e Educação, as empresas do Estado, a contratação pública e a gestão do parque imobiliário. Mas este trabalho ainda está longe de representar “uma abordagem global, dado que o seu âmbito de aplicação abrange apenas a administração central” está concentrada em ganhos que resultem da racionalização dos serviços.
Sustentabilidade a longo prazo do setor da saúde. Portugal deverá apresentar o maior aumento nas despesas de saúde na União Europeia até 2060, a Comissão quer mais esforços na compressão de gastos, sobretudo pela integração dos cuidados primários, dos serviços hospitalares e cuidados continuados. A nota positiva é a de que a prevenção e o acesso aos cuidados de saúde melhorou, o que constituem contributos positivos.
Reforço dos incentivos para a contração de pessoal com contrato permanente. Foi desenvolvida uma reorganização do programa de apoio ao emprego com a finalidade de promover a contratação sem termo. Ao mesmo tempo, foram limitados os apoios financeiros aos contratos temporários, que passarão a abranger apenas a contratação de desempregados de longa duração. No entanto, o impacto previsto na redução de segmentação do mercado (entre contratos a prazo e permanentes) é limitado porque abrange poucas pessoas.
Regime tributário de empresas menos propício ao endividamento. O Orçamento do Estado para este ano prevê o alargamento do âmbito de aplicação do regime de remuneração do capital social que se passa a aplicar a todas as empresas, antes estava restringido a PME, e a acionistas (e não apenas particulares e investidores de capital de risco). O benefício fiscal passou de 5% em quatro anos para 7% ao longo de seis anos.
Transparência na contratação coletiva. A nota da UTAO refere que em 2016 houve mais trabalhadores abrangidos por novos acordos coletivos.
Resolução dos litígios fiscais. O desempenho do sistema de justiça continua a ser inferior à média da União Europeia. Os indicadores de eficiência dos litígios, civis, comerciais e fiscais, continuam a ser “fracos”, o que se reflete negativamente na dinâmica das empresas e na capacidade de atrair investimento direto estrangeiro.