O Governo está a preparar-se para aprovar na próxima quinta-feira, na reunião do Conselho de Ministros, o Programa de Estabilidade e o Plano Nacional de Reformas, os dois documentos têm de ser entregues em Bruxelas em abril e contêm a estratégia do país a médio prazo (no plano constam as medidas concretas, no programa a sua concretização financeira). Nas reuniões que teve com PCP, Bloco e PS, na semana passada, o Governo fez saber que não tem intenção de mexer nas metas económicas que estavam no último Programa de Estabilidade levado a Bruxelas, concretamente no crescimento económico previsto, para evitar uma ideia de um país excessivamente otimista perante as instituições europeias. Ainda em março, o ministro das Finanças tinha dito que tencionava ir mais longe.
No Executivo garante-se que não foram feitas grandes alterações ao Programa de Estabilidade do ano passado e foi isso mesmo que foi dito aos partidos que apoiam o Governo no Parlamento. Nessas reuniões, apurou o Observador, foi apresentado o ponto de vista do Governo para o debate político dos dois documentos, com o primeiro já marcado para a semana, quarta-feira dia 19 de abril, e também foi dada a garantia de que os documentos avançariam sobretudo com “afinações de pormenor”, segundo uma fonte presente nessas conversas.
A ideia é que o programa passe sem suscitar grande debate em Bruxelas — onde terá de ser apreciado e aceite –, o que aconteceria se as metas fossem alteradas de forma mais radical. Assim, em termos de crescimento da economia, o que deverá constar no Programa de Estabilidade que vai ser apresentado é que o PIB cresça 1,8% em 2017 e 1,9% em 2018 — exatamente o que constava no Programa entregue em Bruxelas no ano passado. A manutenção destas metas foram confirmados pelo Observador junto de fontes presentes nas reuniões entre Governo e esquerda, tendo sido as que o Executivo apresentou aos parceiros nessa ocasião. Recorde-se que, ainda no final de março e animado pelos dados relativos à atividade económica no primeiro trimestre deste ano, o ministro das Finanças afirmou que em 2017 o crescimento da economia “será mais próximo dos 2%” e indicava até intenção de rever a meta em abril. O Programa de Estabilidade, porém, deve ficar como estava no anterior: 1,8%, que fica acima do que entretanto o Governo inscreveu no Orçamento do Estado para 2017 — 1,5% de crescimento do PIB.
Na semana passada, o jornal Público avançava que há a intenção do Governo de mostrar um esforço maior na redução do défice, já nestes documentos, apresentando uma meta “ligeiramente mais ambiciosa dos que os 1,6% projetados no Orçamento do Estado”. Assim, a intenção do Governo pode passar por tranquilizar duplamente as instituições europeias. Primeiro: não embandeirar com os últimos números da economia (crescimento de 1,4% apurado em 2016), apresentando metas mais ambiciosas que possam dar a ideia de relaxamento quanto a um dado sensível, o do défice. Segundo: no défice, mostrar que o compromisso em reduzi-lo se mantém.
Quanto a medidas concretas, o Programa de Estabilidade deve reafirmar que em termos de despesa é preciso “acomodar o compromisso do descongelamento das carreiras da função pública”, segundo fonte do PS. De acordo com o que o Governo avançou há um ano, o descongelamento será feito de forma faseada e a partir de 2018, com um peso previsto na despesa pública de 200 milhões de euros, em cada um dos dois anos de aplicação da medida (2018 e 2019). O desenho da medida não constará em nenhum dos documentos que o Governo está a ultimar, mas apenas dados que “não são relevantes para efeitos de proposta concreta”, garante fonte do Executivo. Os partidos à esquerda do PS estão a tentar que a capacidade de despesa seja mais elevada, para permitir um retorno maior aos funcionários públicos, mas essa negociação está a ser feita noutro âmbito: à mesa do Orçamento do Estado para 2018.
Esquerda separa águas: “O Orçamento é o que conta”
A esquerda faz, aliás, questão de frisar que “os documentos são compromissos que o Governo faz com Bruxelas sobre questões mais genéricas e que antecedem o Orçamento do Estado. O Orçamento, para nós, é o que conta“, sublinha fonte do BE distanciando-se do Programa de Estabilidade e do Plano Nacional de Reformas traçado pelo Governo. Esta terça-feira, depois das jornadas parlamentares comunistas, o deputado João Oliveira também marcou bem a separação do que aí vem: “Propostas de apoio ao Programa de Estabilidade, nós obviamente não apresentaremos, porque a sujeição de um Governo da República ao cumprimento dessas obrigações que nos são impostas pela União Europeia não devia acontecer”.
As reuniões da semana passada foram informativas e não de negociação entre as partes, o que está reservado para os meses de verão — que antecedem a apresentação do Orçamento — e é aí que aparecerá outro assunto que já tem sido debatido entre a geringonça, em reuniões preparatórias da medida que querem ver avançar no próximo ano: a alteração dos escalões do IRS.
É ponto de honra para PCP e BE, mas é também um compromisso eleitoral de António Costa. Mas sobre isto não está prevista uma linha nos documentos que vão ser entregues, de acordo com as diversas fontes contactadas pelo Observador que estiveram nas reuniões que o Governo manteve com PS, BE e PCP. O facto de não constar não alarma a esquerda: “O aumento das pensões conseguido no Orçamento para este ano também não vinha do Programa de Estabilidade do ano passado”, sublinha fonte do BE.
A estratégia e metas do Governo para os próximos quatro anos devem ficar acertadas na próxima quinta-feira, apurou o Observador junto de fonte do Executivo, no único Conselho de Ministros antes do debate parlamentar sobre os dois documentos que têm de ser apresentados em Bruxelas até ao final de abril. Entre os dois momentos, o Governo leva o Programa de Estabilidade e o Plano Nacional de Reformas a debate no Parlamento. Os documentos não têm de ser votados na Assembleia da República, a menos que algum dos partidos apresente uma proposta nesse sentido — por exemplo, o famoso PEC IV foi chumbado porque foi chamado a votos pela oposição ao Governo de então. Mas, pelo menos à esquerda, não há indicação de que isso possa vir a acontecer. O PCP diz que “o debate do ano passado serve de referência”, debate em que criticaram o conteúdo dos textos, mas não avançaram com projetos de resolução que pudessem abalar a “geringonça”.