O NOS Primavera Sound é “uma espécie de edição gourmet” do Primavera Sound de Barcelona. Foram estas as palavras utilizadas por Alfonso Lanza, um dos organizadores daquele que é considerado um dos mais importantes festivais de música da Europa. A 17ª edição terminou no passado fim de semana, nos três dias que encheram o Parc del Fòrum na capital catalã.

A frase foi dita durante a conferência de imprensa com os jornalistas e surgiu na sequência de um desafio que lançámos: “O que é que existe no festival do Porto que gostassem de ter em Barcelona?” A resposta, simples, foi dada entre sorrisos: “O recinto [Parque da Cidade] e a comida.”

É caso para dizer que o evento espanhol tem razões para ter inveja (da boa) do congénere português. Passar pelo Primavera Sound põe muitas coisas em perspetiva, porque em Barcelona tudo é maior. Não é só o tamanho do recinto (192.000 m2), são as centenas de artistas que enchem a cidade durante o mês que antecede os três dias principais — 1, 2 e 3 de junho, nesta edição.

Este ano foram realizados 346 espetáculos. Destes, 100 aconteceram em bares e salas de espetáculo da cidade, com entrada livre. Somadas todas as atividades do festival, a assistência passou as 200 mil presenças. Nestas incluem-se as do Primavera Pro, um circuito de conferências e outros eventos que juntou, durante uma semana, profissionais da indústria da música, num total de 3.300 acreditados, provenientes de 55 nacionalidades.

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O meu recinto é melhor que o teu

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Em conferência de imprensa, a organização do Primavera Sound lançou duras críticas em relação ao estado de conservação do Parc del Fòrum, afirmando que “começa a ser muito difícil conseguir os padrões de qualidade que um evento desta dimensão exige.”

Perante a pergunta dos jornalistas sobre se existem alternativas a Barcelona para receber o Primavera Sound, caso as condições do recinto não sejam repostas, a organização afirmou que “já temos o Primavera Sound no Porto, é um festival que está a crescer muito” e que, apesar das dificuldades, não têm planos para sair dali. O festival nasceu em Barcelona e é nela que deve continuar; “só desejamos ter o recinto adequado.”

A organização gosta de impressionar com os números. O Primavera Sound 2017 custou 12 milhões de euros. No passado fim de semana passaram pelo Parc del Fòrum 55 mil pessoas por dia (a lotação máxima), 55% dos quais estrangeiros de 125 nacionalidades. Tudo foi organizado por uma equipa de (apenas) 40 pessoas e executado por sete mil. Destes, 500 eram portugueses.

Ou seja, pedir uma cerveja ou um café no Primavera Sound de Barcelona foi como estar num festival português. Isto porque a concessão dos bares está a cargo de uma empresa portuguesa que faz questão de levar todo o staff. Muitos deles são os mesmos que vão servir as bebidas no NOS Primavera Sound no próximo fim de semana e, em agosto, no Vodafone Paredes de Coura.

Muito nem sempre é melhor

Outro aspeto que parece familiar é, embora noutra escala, o recinto. O Parc del Fòrum é um espaço de cimento e terra batida, localizado junto ao mar e ao porto onde estão atracadas embarcações de recreio. Por outras palavras: faz lembrar o Passeio Marítimo de Algés (mas, uma vez mais, muito maior). Outro dado curioso: a lotação máxima de espectadores é a mesma do NOS Alive, o que tem como resultado imediato uma circulação fluida, sem atropelos.

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Esse espaço imenso recebe, em três dias, centenas de artistas que se distribuem por 11 palcos. Sim, onze, sem contar com outros dois palcos em stands de patrocinadores, onde acontecem apresentações esporádicas. Só de pensar ficamos sem força nas pernas, olhar para o mapa não nos dá a real dimensão do local. Dois palcos onde atuam os cabeças de cartaz — longe dos restantes nove, ao ponto de existir um transfer de minibus com prioridade para grávidas e pessoas com mobilidade reduzida — três para os artistas de “segunda linha” e assim sucessivamente até chegarmos ao Hidden Stage (“palco escondido”), que alberga apenas algumas centenas de pessoas e onde é dada entrada prioritária a quem tem uma pulseira especial — nele tocaram, por exemplo, Thurston Moore e os The Radio Dept.

Menos é mais, é a ideia que sobra pouco depois de sermos engolidos pela dimensão do Primavera Sound. Mas afinal, o que tem o festival de Barcelona em comum com o do Porto? Apenas o nome e a música. Talvez também o tipo de público, apreciador de música alternativa e com uma média de idades a rondar os 25-30 anos.

Mas o cartaz é o factor distintivo. Desde a primeira edição do NOS Primavera Sound (em 2012) que a maioria das bandas que atuam no Porto transitam do festival de Barcelona — ajustadas à dimensão dos (apenas) quatro palcos do Parque da Cidade, evidentemente.

Surpresa!

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O Primavera Sound de Barcelona estreou este ano um novo conceito: os “concertos surpresa”. Dois exemplos: do nada, subiram a um dos palcos secundários nada mais nada menos que os Arcade Fire e noutro os Mogwai, para apresentar, na íntegra, o novo álbum que só sai no dia 1 de setembro.

A organização afirmou que a experiência correu bem mas que ainda não decidiram se é para continuar ou se é para chegar ao Porto. A surpresa é a alma do negócio.

Alfonso Lanza classificou o NOS Primavera Sound como uma experiência “muito mais relaxada, uma espécie de “edição gourmet” do Primavera Sound que, contas feitas, se “complementam muito bem”. O motivo é simples de explicar: “O principal atrativo do festival é o cartaz e ele está lá [no Porto], simplesmente aqui [Barcelona] é maior”. Os festivaleiros que seguirem de Barcelona para o Porto vão encontrar uma versão muito mais relaxada, garantem.

A organização espanhola trabalha em estreita parceria com a promotora portuguesa (Ritmos) para manter o “bom nome”, digamos assim, da marca Primavera Sound. É essa capacidade que também faz do festival do Porto um evento especial, ao ponto de Abel González, um dos programadores, lhe chamar “um festival boutique”.

E é, de facto. O NOS Primavera Sound no Porto decorre num local muito mais bonito que o “evento mãe” em Barcelona, as distâncias que é preciso percorrer entre os quatro palcos são muito mais curtas, tem menos gente (cerca de 25 mil pessoas por dia) e a zona de restauração está mais bem servida de variedade e qualidade.

Depois, a agenda. Fazer a gestão do que se vai ver num festival com 11 palcos é uma tarefa frustrante. Na prática vê-se muito pouco, naturalmente optamos pela música que conhecemos e, inevitavelmente, deixamos de lado o fator descoberta, que é uma das grandes virtudes dos festivais: encontrar novas bandas e artistas. Com tanta coisa boa a acontecer ao mesmo tempo no Primavera Sound de Barcelona, alguma fica para trás. Não há outra maneira de lidar com um horizonte tão vasto. No Porto apenas três palcos trabalham em simultâneo (no total são quatro), o que faz com que essa gestão seja, evidentemente, muito mais fácil – e ainda sobre tempo para dormir uma sesta na relva.

E a música? Como é que é com a música?

No NOS Primavera Sound, o alinhamento ajustado à dimensão do Parque da Cidade é o que faz com que Alfonso Lanza lhe chame “um festival gourmet”. Não chegam de Barcelona necessariamente todos “os melhores” mas a seleção de artistas é, sem sombra de dúvidas, representativa do que de melhor se viu e ouviu na catalunha.

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Sobre o cartaz? Não há Arcade Fire. Não há Solange nem Slayer, não há Van Morrison nem The Damned ou Magnetic Fields. Mas vá lá, agora a sério: no meio do programa que o Porto oferece não há razões suficientes para um bilhete bem comprado? Fazendo contas rápidas: no primeiro dia há o pós-extase de Cigarettes After Sex, o caos digital de Flying Lotus — e a contrapartida mais dançante dos Justice. Há R&B suado com Miguel, hip hop bruto com os Run The Jewels e há também o rei do rock’n’roll, Samuel Úria. Reforçando: este é o primeiro dia.

Onde estás tu, Solange?

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O que não vai poder ver no NOS Primavera Sound e é uma pena: Solange. Foi, do que assistimos, o espetáculo mais surpreendente da edição deste ano do Primavera Sound de Barcelona. Solange é uma artista que vive muito para lá da sombra da irmã (a super estrela Beyoncé), já o tinha demonstrado em disco, mas em palco acrescenta à música uma encenação de encher o olho. Solange está em excelente forma e é dona de uma voz que não desilude em momento algum.

E ao segundo: amor aos quilos, romance cantado para corações satisfeitos e despedaçados, vale tudo com Angel Olsen, Bon Iver ou Hamilton Leithauser (o homem que era dos Walkmen). Há paredes sonoras que não perdoam nada nem ninguém, com os Swans, os Sleaford Mods ou a loucura psicadélica de King Gizzard and the Lizard Wizard. Há até Nicolas Jaar, aquele endiabrado manipulador de eletrónicas que as transforma em coisa de carne e osso, com alma e sangue.

Sábado será o terceiro e último dia. Aphex Twin e Black Angels, um nas coisas digitais, os outros com rock’n’roll, todos numa de bruxedo e feitiçaria. Os Metronomy a fazer a promessa de juntar toda a gente em volta de canções como se faz com os miúdos e caramelos. Doce, bem doce. Japandroids no punk, Death Grips no hip hop pouco educado. Sampha a seduzir ao piano, os Shellac a partir cordas, Tycho a fazer dançar.

Todas estas listas são curtas. Convém atirar um olhar mais cuidado pela programação completa. Mas fica a ideia do “gourmet” que os responsáveis pelo festival defendiam. Ir a muitos sítios sem querer ir a todas, sempre a tentar manter a ideia de boa alternativa face a outros cartazes que procuram ser mais pop que este no Parque da Cidade. E no fim a conta costuma sair bem feita.