Eric Asimov é o crítico de vinhos do The New York Times, jornal para o qual trabalha há sensivelmente 30 anos — é editor-chefe de vinhos desde 2004 — e também ele esteve presente na Wine Summit que invadiu o Centro de Congressos do Estoril, de 7 a 9 de junho. Em conversa com o Observador, Asimov crítica os críticos que ajudam a criar uma cultura que intimida os amantes de vinho. Porque descrever notas de provas pode não ser tão boa ideia como prestar atenção às emoções que o vinho desperta.

“O crítico deve inspirar as pessoas a talvez pensar de uma forma diferente sobre o vinho e a pensar de uma forma mais extensa, a aprender algo novo e a incitar curiosidade e o desejo de explorar as diferentes manifestações de vinho”, diz ao Observador, explicando que a melhor forma para conhecer o vinho é bebendo-o.

E o que diz o crítico de vinhos, respeitado por uns e temido por outros, dos vinhos portugueses? Que há um potencial “enorme” que ainda não foi realizado.

Eric Asimov é o editor-chefe de vinhos no The New York Times. PPP/ WINESUMMIT

Como é que chega ao cargo de editor-chefe de vinhos no The New York Times?
É preciso estar-se no sítio certo à hora certa. E é preciso ter-se muita sorte, mas também temos de ser apaixonados por comida e por vinho. Trabalho na área de comida e de vinhos no jornal há quase 30 anos. Durante muito tempo fiz críticas de restaurantes e sempre fui apaixonado pelo vinho — assim que tive oportunidade de escrever sobre vinho, fi-lo. Quando a pessoa antes de mim se reformou, fui convidado para o cargo.

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Para si este talvez seja apenas mais um trabalho, o seu trabalho. Mas será que quem está de fora olha para ele de uma forma mais romântica?
Penso que alguns leitores sim, que chegam a pensar que eu viajo por todo o mundo e que bebo muito vinho. A isso respondo que o meu trabalho é viajar por todo o mundo, beber muito vinho e escrever sobre isso. A escrita é sempre vista como algo romântico.

É obviamente respeitado na indústria do vinho, mas também é temido?
Sou respeitado por algumas pessoas. É engraçado, quando os organizadores da Wine Summit escreveram a brochura do evento, originalmente descreveram-me como um crítico de vinhos temido. Eu não acho que ninguém me tema, certamente não quero ser temido. Acho que o melhor que pode acontecer no mundo do vinho é uma contínua discussão e troca de ideias. O meu trabalho passa por oferecer ideias e opiniões. E se as pessoas não concordarem com isso… eu aceito isso e dou as boas-vindas à discussão. Não sou a favor de ataques pessoais ou ao facto de as pessoas atribuírem motivos [alternativos] ao que dizemos.

Já aconteceu chegar a uma adega e encontrar pessoas nervosas com a sua presença?
Tenho a certeza que as pessoas estão nervosas ou um pouco hesitantes. Tenho consciência de que não sou eu quem as deixa nervosas, mas sim o meu último nome — The New York Times. É uma coisa institucional e um dia, quando me reformar do jornal, já não vou deixar ninguém nervoso. É a natureza do negócio: há alguém que avalia o trabalho de outros, que é também o trabalho de uma família, por vezes durante muitos anos… Tento ter noção de que as pessoas podem levar isto muito a peito, há também um elemento económico. Não acredito em críticas gratuitas, não sou como os críticos gastronómicos britânicos. Mas também temos de ser honestos, honestos nas nossas opiniões sobre o que faz um vinho ser bom ou mau, o que faz do vinho algo maravilhoso e, em alguns casos, algo desmotivante. Às vezes isso resulta no facto de alguém se sentir insultado ou incompreendido. Estou sempre aberto à discussão.

Sente que para uma pessoa sobreviver nesta área precisa de ter uma opinião muito forte?
Acho que quanto mais vozes existirem, melhor; quanto mais opiniões diferentes existirem, melhor. Dessa forma, o público pode gravitar em torno da pessoa com quem melhor se identificar, que deve ser alguém que não valide apenas a forma de pensar dos leitores, mas que os faça pensar e que os inspire. Acho que esse deve ser o papel do crítico, ao invés de recomendar garrafas individuais ou atribuir-lhes pontos. O crítico deve inspirar as pessoas a talvez pensar de uma forma diferente sobre o vinho e a pensar de uma forma mais extensa, a aprender algo novo e a incitar curiosidade e o desejo de explorar as diferentes manifestações de vinho, que podem ser fascinantes. Mas não falo apenas em provocação gratuita de debate, o resultado final não é dizer algo que é provocante, mas sim algo que tem significado e que provoque diferentes opiniões.

Quando foi a primeira vez que bebeu vinho? E quando foi a primeira vez que o apreciou?
É difícil de lembrar. É provável que os meus pais me tenham dado a beber um gole de vinho na minha infância/juventude — eu sei que a minha avó o fazia. Mas acho que comecei a apreciar vinho quando era adolescente, na mesma altura em que comecei a apreciar comida. Viajei para a Europa pela primeira vez quando era adolescente e lá experimentei comida que era muito diferente de tudo aquilo que tinha comido nos Estados Unidos. Era tão boa, tão viva e tão vibrante que pensei que tinha de repetir vezes sem conta essa experiência. E de todas as vezes o vinho estava na mesa — eu pensava no vinho como parte da refeição, não é algo que se queira divorciar da comida, não se vai a um bar beber um copo de vinho para tentar analisá-lo. O vinho tem vindo a ser parte da minha apreciação pela comida. Ainda penso no vinho como um componente das refeições.

Asimov falou no último dia de palestras da Wine Summit. © PPP/ Wine Summit

A sua família tinha alguma tradição de vinho?
Só no sentido judeu, de beber vinho em ocasiões cerimoniais — eu sou judeu. Provavelmente haveria vinho em ocasiões cerimoniais ou familiares, mas não nasci numa casa onde havia uma garrafa de vinho em todas as refeições.

E agora vive numa casa onde há vinho a cada refeição?
Absolutamente. Essa é a forma com os meus filhos cresceram. Isso é uma das coisas que está a acontecer nos Estados Unidos da América: aos poucos temos cada vez mais pessoas que estão a crescer num ambiente onde o vinho é mais uma coisa normal. Não é algo especial ou do qual ter medo.

Na sua palestra, falou no facto de se estar a “estupidificar” o vinho (“dumming down wine”, em inglês). É possível educar as pessoas sobre vinho sem o “estupidificar”?
Depende. Acredito que o mais importante para que as pessoas possam aprender sobre vinho é a motivação pessoal. Há negócios à volta da educação do vinho, como aulas ou livros, mas acho que a melhor forma de nos informarmos sobre vinho é bebendo muito. Tenho uma coluna no jornal chamada “Wine School”, onde todos os meses há vinhos específicos em debate, sendo que os leitores arranjam esses vinhos, bebem-nos durante o mês e, depois, falamos virtualmente sobre isso. Ler um livro ou tirar um curso é uma coisa boa, mas não acho que se deva começar por aí. Uma das coisas mais interessantes para mim é que tudo isto é novo, apesar de o vinho ser antigo e de as pessoas beberem vinho desde sempre. Antes não tínhamos de saber dezenas de tipos de vinhos, apenas se bebia o vinho da nossa área… Há esta ideia de que todos temos de nos tornar connaisseurs, que temos de saber tudo sobre vinho, só para conseguir apreciá-lo.

Porque é que acha que isso acontece?
Esta é uma discussão muito complicada. O meu livro How to Love Wine é sobre este assunto. Nos EUA — apesar de já ter visto isto noutras partes do mundo — começa com a forma como falamos e pensamos no vinho. Muitas vezes isso acontece na forma de notas de prova, o que é uma lista de frutas e flores, e não é assim que a maior parte das pessoas experencia o vinho. Mas porque os críticos escrevem desta forma, as pessoa pensam que não percebem, que não são boas o suficiente. Sentirmos que não somos bem sucedidos pode ser muito intimidante. As pontuações são um outro exemplo: temos uma escala de 100 pontos e estamos a pesar todos os vinhos nesta escala independentemente da sua intenção. Se formos a uma loja e não soubermos nada sobre vinho, o vinho de 90 de pontos vai ser melhor do que o de 85 pontos. No entanto, para a ocasião para a qual viemos às compras o vinho de 85 pontos até pode ser melhor.

Toda esta cultura do vinho, que foi supostamente desenvolvida para ajudar o consumidor, acaba por intimidá-lo, obrigando-o a virar as costas ou a aprender esta forma de pensar sobre o vinho. A minha proposta no livro é para deixarmos de falar sobre o vinho desta forma — podemos ser gerais a falar sobre o vinho e acho que devemos prestar mais atenção às emoções que o vinho desperta. Acho que não devemos pensar no vinho em termos de grandiosidade, mas sim de ocasião. Um vinho profundo é importante e é inevitavelmente bom, mas temos de mudar a nossa definição do que é realmente bom e não divorciar o vinho do sítio de onde vem e das pessoas que o fazem. Não é só o que está no copo que interessa.

Conhece o vinho português?
Não estou muito familiarizado como vinho português, esta é a minha primeira vez em Portugal. Mas tenho algumas ideias.

Portugal está na moda. O vinho português também?
Acho que Portugal tem todos os recursos para ter vinhos muito bons e distintivos. Não foi tão afetado como outros países pela pressão de plantar castas internacionais e populares. Existem várias castas indígenas que são representativas do país, mas também acho que, tal como aconteceu no Douro, as pessoas foram atraídas pela ideia de fazer vinhos tranquilos de um estilo muito internacional, densos, pesados e poderosos. Não acho que isso tenha mostrado a distinção de Portugal como poderia ter mostrado e acho que as pessoas estão a retroceder relativamente a esse estilo. No sábado [10 de junho] vou a Colares, gosto muito desses vinhos. Acho que quando pensamos em Portugal como um todo, em particular nos vinhos tintos, há um potencial enorme que ainda não foi realizado. A maior parte das pessoas pensa em Portugal em relação aos tintos, mas já provei vinhos brancos muito bons, aromáticos e frescos — essa é outra área que será analisada no futuro.

Acha que alguma vez vai deixar de ser um crítico de vinhos?
A minha mulher vê os restaurantes como ocasiões sociais, como alturas para se estar com os amigos e se a conversa for boa é porque está tudo bem. Enquanto isso eu digo que este ou aquele prato não estão bons. Ela pede-me para relaxar e eu argumento que já estou relaxado, que estou a passar um bom bocado, mas que isto é o que faço. Não, acho que nunca vou parar, é quem eu sou.