A poucos dias da data anunciada pelos enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica para interromperem as funções atualmente desempenhadas nos blocos de parto, o Ministério da Saúde reafirma a sua posição, considerando essa recusa “ilegítima e ilegal” e informa que decidiu pedir um parecer urgente à Procuradoria Geral da República sobre a matéria.

O Ministério da Saúde entende que a recusa do desempenho das funções inerentes à categoria de enfermeiro é ilegítima e ilegal, podendo acarretar graves consequências, sobretudo se desta resultarem quaisquer irregularidades ao adequado funcionamento dos serviços de urgência e blocos de partos”, afirma fonte oficial do Ministério de Adalberto Campos Fernandes, em comunicado enviado esta tarde às redações.

E continua dizendo que, “não podendo admitir ficar refém de atitudes e posições irregulares e desadequadas, entendeu pedir um parecer urgente ao Conselho Consultivo da Procuradoria Geral da República sobre a responsabilidade e âmbito de atuação dos diversos intervenientes neste processo”.

É que, ao contrário do que, por exemplo a Ordem dos Enfermeiros tem defendido, a tutela entende que “o exercício de funções especializadas integra o conteúdo funcional da categoria de enfermeiro” e que não podem, por isso mesmo, ser recusadas.

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Ainda assim, e apesar de considerar que as funções destes enfermeiros especialistas integram o conteúdo da categoria de enfermeiro, devidamente negociada com os sindicatos, o Ministério reconhece “o valor acrescido das intervenções especializadas em enfermagem” e, por isso mesmo, “assumiu no passado mês de março um compromisso no sentido de desenvolver um processo negocial com vista à materialização da diferenciação económica correspondente à complexidade do desempenho de funções especializadas e à responsabilidade associada”.

Esta posição chega a poucos dias da data (3 de julho) estabelecida pelos enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica para deixarem de exercer as funções que atualmente desempenham, nomeadamente nos blocos de partos, como a assistência ao parto não instrumentado — os ditos “partos normais” –, realização dos CTGs, administração de medicação via vaginal, entre outras.

O motivo da recusa prende-se com uma reivindicação que se arrasta há oito anos e que tem que ver com a falta de compensação financeira pelo desempenho das funções especializadas. Foi em 2009 que a carreira de enfermagem deixou de contemplar o grau de enfermeiro especialista e respetivo salário. A Ordem dos Enfermeiros continuou porém a atribuir esse título de especialista em seis áreas distintas (comunitária; médico-cirúrgica; reabilitação; saúde infantil e pediátrica; materna e obstétrica e mental e psiquiátrica).

Para adquirir este título de especialista os enfermeiros têm de fazer dois a dois anos e meio de formação (teórica e prática) extra-laboral, cujos custos rondam os 6.000 euros, sendo que só o podem fazer quando já tenham dois anos de experiência profissional. Há, segundo a Ordem, 6.000 enfermeiros especialistas a exercerem no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

Bastonária fala em “tentativa de pressão”

Contactada pelo Observador, a bastonária da Ordem dos Enfermeiros, Ana Rita Cavaco disse ver esta posição do Governo como uma “tentativa desesperada de pressão e ameaça sobre os enfermeiros” que “só temos a lamentar”. “Estão no direito de pedirem o parecer à PGR, mas entendemos isso como uma ameaça e afronta.”

Os enfermeiros estão sempre ao lado do País, não aceitamos lições de sentido de Estado de Governo nenhum e espanta-nos muitíssimo que um governo de esquerda esteja a fazer este tipo de pressão porque ilegal é o que eles querem que os enfermeiros continuem a fazer.”

“E não compreendemos. O senhor ministro liga-me por tanta coisa menor e num tema com este nem nos respondeu aos ofícios, nem nos ligou a comunicar a decisão.”

Ana Rita Cavaco reitera assim a posição da Ordem, acrescentando que há “pareceres do nosso conselho de disciplina desde 2011” a dar razão a estes enfermeiros especialistas.

O último parecer sobre a matéria data do início deste ano e nele se conclui que “o enfermeiro, nas organizações de saúde, tem apenas a obrigatoriedade de desempenho de acordo com o conteúdo contratual estabelecido (na carreira de enfermagem e/ou no contrato de trabalho), não pode ser obrigado pela organização à prestação de cuidados de enfermagem especializados quando a sua contratação não é relativa a esse título, independentemente de ser titular de título de enfermeiro especialista reconhecido pela Ordem dos Enfermeiros”.

E mais. O autor do parecer refere que as instituições de saúde “devem vincular os enfermeiros especialistas, com título atribuído pela Ordem dos Enfermeiros, devendo fazer corresponder a categoria profissional e o respetivo reconhecimento salarial, ao seu título”.

“O conteúdo funcional correspondente à categoria de Enfermeiro, integrando funções objetivamente diferentes em natureza e qualidade, e eventualmente quantidade viola o princípio constitucional a trabalho igual salário igual e o princípio da igualdade material.”

“Este bloqueio só vai ceder quando o Ministério se reunir para negociar a carreira”

Mas aquilo a que a bastonária da Ordem dos Enfermeiros qualifica de “pressão” parece contudo não ter surtido efeito. Pelo menos para já. O enfermeiro Jorge Matias, que pertence ao movimento de enfermeiros especialistas em saúde materna e obstétrica, disse que os profissionais vão “manter a postura”. “Este bloqueio só vai ceder quando o Ministério da Saúde se reunir para negociarmos a carreira.”

Questionado sobre as obrigações e responsabilidades que um enfermeiro especialista tem dentro do bloco, Jorge Matias explicou que “não é um hospital que define o que um enfermeiro faz, mas a Ordem dos Enfermeiros”. E se os contratos não mencionam o título de especialista e se a remuneração não compensa essas competências acrescidas, ninguém os pode obrigar a desempenhar as funções, defendeu o enfermeiro.