O PCP juntou-se a PSD e CDS para chumbar o banco de terras proposto pelo Governo, que ia albergar as terras sem dono, identificadas no decorrer do registo cadastral. O Executivo conseguiu aprovar três das propostas para a reforma florestal, mas acabou por ver chumbada uma das principais e logo às mãos de dois dos parceiros que tem no Parlamento, o PCP e os Verdes. O Governo diz agora que “procurará uma solução alternativa para o banco de terras”.
Na votação no último dia de plenário antes das férias parlamentares, os comunistas e os Verdes votaram contra a criação do Banco Nacional de Terras, bem como a direita. Apenas o Bloco de Esquerda ficou ao lado do PS. O Governo tinha tentado um acordo de última hora, para conseguir o apoio do PCP no cadastro simplificado e no banco de terras, mas, na votação final, o partido acabou por ficar a meio caminho.
Ao final da tarde, quando o Parlamento se preparava para as últimas votações, o Governo anunciou um acordo com bloquistas e comunistas para aprovar o novo pacote legislativo para a reforma florestal. O acordo foi alcançado in extremis e obrigou à cedência do Bloco de Esquerda.
Comecemos pelo início: na terça-feira, os bloquistas chumbaram, na especialidade, uma proposta que resultou do acordo entre PS e PCP. Que acordo era esse? O Governo comprometia-se a não incluir as terras sem dono no cadastro e no banco de terras, durante o período de um ano. Terminado esse período, o Governo previa regular a questão por decreto-lei. Inicialmente o Bloco opôs-se à solução. Só mais tarde, e depois do PCP ter ameaçado chumbar as duas propostas (cadastro e banco de terras) do Governo, o partido ponderou recuar. Pelo meio houve uma longa tarde de negociações intensas com o Executivo, com o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares a ser o mediador entre as várias partes.
Resultado das negociações? No final da tarde o Governo recuperava o acordo inicial com o PCP: nada de referências a terras sem dono no registo cadastral. Essas matérias só iam ser definidas por decreto, daqui a um ano, depois de experimentado o sistema de cadastro. Mas nessa altura, avisava já o Governo, o banco de terras seria criado nos moldes em que o Executivo e o Bloco propunham hoje: as terras identificadas como não tendo dono iam para o banco de terras.
O que fez o PCP na votação final? Aceitou que o cadastro de terras sem dono avançasse, apenas daqui a um ano e por decreto do Governo. Mas depois chumbou a criação do banco de terras nos moldes pretendidos por Governo e Bloco.
No final do dia, fonte do Governo falava em “balanço positivo” e em 10 diplomas da reforma florestal aprovados, em 12 propostos. Mas no Parlamento, dos quatro que por lá passaram, houve um que caiu e era central para a reforma. Sem banco de terras não há destino a dar às terras sem dono que forem identificadas do processo de cadastro de propriedades. Pelo menos para já. E isto porque a mesma fonte também garantiu que “o Governo procurará uma alternativa”.
Esquerda afinada no combate ao eucalipto. No resto, nem por isso
O que foi aprovado, além do sistema de cadastro? A criação de um novo regime jurídico para a arborização e rearborização, um novo sistema de informação cadastral simplificada e novas regras no sistema nacional de defesa contra incêndios. Veja aqui do que se trata:
Regime jurídico para a arborização e rearborização
Na prática, os três partidos que compõem a maioria parlamentar de esquerda chegaram a acordo para impedir o aumento da área de eucalipto em Portugal e novas plantações de eucalipto em zonas protegidas e agrícolas. Mas aqui há várias alterações impostas pelo Bloco de Esquerda à proposta inicial do Governo.
À cabeça, qualquer ação florestal com eucalipto vai passar a estar obrigada a autorização prévia do Instituto de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF) e desaparece a figura de deferimento tácito — que permitia, por exemplo, que na ausência de resposta da entidade responsável, os proprietários pudessem avançar.
Outro ponto relevante deste novo regime: as transferências de áreas de eucaliptos de zonas de interior para áreas no litoral — menos propensas a incêndios — vão implicar, na prática, uma redução da área de plantação. No primeiro ano, só será possível transferir 90%, no segundo ano, só será possível transferir 80%, e assim até ao quinto ano, em que se torna permanente a regra da permuta de 1 hectare por meio hectare, a solução encontrada a meio caminho entre socialistas e bloquistas: o Governo queria transferência direta (1 hectare do interior para 1 hectare no litoral) e o Bloco queria zero hectares de eucalipto na transferência.
E como se fiscaliza este processo? Também neste ponto o Bloco de Esquerda conseguiu introduziu uma alteração, definindo uma moratória à plantação de eucalipto em novas áreas, de acordo com a qual os novos povoamentos por permuta de área terão de obedecer às regras do ordenamento florestal e só serão possíveis após transposição dos Planos Regionais de Ordenamento da Floresta (PROF) para os Planos Directores Municipais. Ou seja, as autarquias terão assim um papel determinante nesta fiscalização.
Novo sistema de informação cadastral simplificada
De forma a resolver um problema que se arrasta há décadas em Portugal — perceber a quem pertencem de facto extensas áreas de terreno florestal — o Governo pretende criar um sistema mais simples de cadastro, envolvendo todas as entidades da Administração Pública e privados.
Nessa medida, o Executivo socialista aprovou um período excecional até final de 2018, durante o qual os proprietários, as autarquias locais e outras entidades públicas vão poder proceder ao cadastro de forma gratuita e sem sanções.
Para o efeito, pode ler-se na proposta de lei do Governo, vai ser “criado o procedimento especial de representação gráfica georreferenciada, o procedimento especial de registo de prédio rústico omisso e o procedimento de identificação, inscrição e registo de prédio sem dono conhecido. Prevê-se, ainda, que a representação gráfica georreferenciada possa ser apresentada para o registo de prédios rústicos já descritos”. A partir desse cruzamento de dados vai sendo desenhado o cadastro.
Nas negociações com o Governo, os bloquistas conseguiram que em caso de conflito nas delimitações dos terrenos por geometria georreferenciada — e até à resolução do litígio –, o registo das propriedades é feito a partir do ponto central georreferenciado do terreno, de modo a que o cadastro não fique bloqueado. Além disso, serão os organismos públicos, e não os proprietários, a fazer essa representação gráfica georreferenciada, sempre que existam registos do prédio.
Novas regras no sistema nacional de defesa contra incêndios
O Governo vai adotar ainda novas regras no sistema de defesa contra incêndios À cabeça, passa a ser obrigatória:
- Identificação de zonas críticas de incêndio;
- Remoção total ou parcial de biomassa florestal (que serve muitas vezes de combustível para a propagação do fogo) em zonas consideradas de risco;
- Interdição de acesso e circulação em zonas onde se verifique um índice muito elevado de risco de incêndio;
- Reforço da vigilância e da videovigilância.
- Além disso, o Executivo socialista vai ainda criar comissões de defesa da floresta, de âmbito distrital ou municipal, que serão responsáveis pela articulação, planeamento e ação em matéria de defesa da floresta. Serão responsáveis pela coordenação distrital enquanto estrutura de coordenação política em matérias de proteção civil.
Artigo atualizado com a votação final da reforma florestal do Parlamento