E agora? O que vai acontecer depois de José Sócrates ter sido formalmente acusado dos crimes de corrupção passiva de titular de cargo político, branqueamento de capitais, falsificação de documento e fraude fiscal qualificada? O que podem fazer os restantes 27 arguidos singulares (há mais 9 empresas que são arguidas enquanto pessoas coletivas), entre os quais Ricardo Salgado, ex-presidente do BES, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, ex-administradores da Portugal Telecom, Armando Vara, ex-administrador da Caixa Geral de Depósitos e antigo ministro socialista, Joaquim Barroca, empresário do grupo Lena, e Carlos Santos Silva, empresário, amigo e alegado testa-de-ferro do ex-primeiro-ministro?

A partir do momento em que é deduzida a acusação, sendo encerrada a fase de inquérito, qualquer um dos 28 arguidos singulares pode requerer a abertura da fase de instrução. Na prática, a segunda fase do processo penal é facultativa e corresponde a uma espécie de pré-julgamento, onde os arguidos podem não só contestar os factos que lhes são imputados pelo MP como também produzir prova, chamar testemunhas e pedir a junção de documentos que corroborem a sua versão dos factos. O objetivo é evitar a passagem dos autos para a fase de julgamento.

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Arguidos têm 50 dias para contestar a acusação

Em processos complexos como este, os arguidos têm até 50 dias para requererem a abertura da fase de instrução. A ter lugar, ela será conduzida por um dos dois juízes do Tribunal Central de Instrução Criminal — um tribunal especial que só acompanha os processos do DCIAP e do qual fazem parte, neste momento, os magistrados Carlos Alexandre e Ivo Rosa. Durante a fase de investigação, o juiz Carlos Alexandre foi o magistrado sorteado para acompanhar a Operação Marquês.

Depois de pesados todos os argumentos, factos e provas, o Tribunal Central de Instrução Criminal decidirá o futuro do processo, podendo proferir um despacho de pronúncia ou não pronúncia. No primeiro caso, os arguidos terão então de ir a julgamento. De acordo com o Código de Processo Penal, este cenário só se verifica quando o juiz de instrução tem a convicção de que existe uma probabilidade elevada de o arguido ser efetivamente condenado no final do julgamento.

Julgamento sem prazo para acabar

Existindo despacho de pronúncia, segue-se a fase de julgamento, que corre os seus termos num tribunal de primeira instância. Não existe nenhum prazo para o fim do julgamento nem limite para o número de testemunhas que os réus poderão escolher.

Em caso de condenação, os arguidos poderão recorrer para o Tribunal da Relação. Aí, se a decisão da primeira instância for confirmada, os arguidos poderão recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça numa condição: se tiverem sido condenados a uma pena de prisão superior a oito anos.

Há outro detalhe a ter em conta: se os factos imputados a determinado arguido forem confirmados pelo Tribunal de Relação, a matéria de facto já não pode ser alterada. Isto é, os arguidos podem recorrer para o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) mas esta instância só se pronunciará sobre matérias de direito — ou seja, sobre questões formais do processo. Exemplos: se determinada escuta usada na investigação respeita todos os procedimentos estabelecidos pela lei ou se os crimes pelos quais os arguidos foram condenados estão de acordo com os factos descritos na sentença.

Após uma eventual decisão do STJ, resta ainda a possibilidade de recurso para o Tribunal Constitucional. No caso desta instância, os advogados de defesa terão de alegar a inconstitucionalidade de alguma norma aplicada no processo ou de alguma interpretação legal feita pelas anteriores instâncias de recurso.

Esgotadas todas as hipóteses de recurso, a decisão transita em julgado. Isto é, torna-se definitiva, tendo os arguidos de cumprir a pena a que foram condenados. O caso dá-se por encerrado, ainda que os arguidos possam sempre recorrer para as instâncias europeias, pedindo uma indemnização ao Estado português — mas a pena nunca será alterada.

De acordo com diversos penalistas ouvidos pelo Observador, o trânsito em julgado de um processo desta natureza só se verificará daqui a quatro ou cinco anos — isto, num cenário muito otimista.

O que aconteceu no caso BPN

Restringindo a comparação com outros processos aos casos de criminalidade económico-financeira, é preciso reforçar que o cenário acima referido é, de facto, generoso. Basta dizer que o chamado processo principal do BPN, que também teve uma acusação assinada pelo procurador Rosário Teixeira, começou a 15 de dezembro de 2010 e terminou a 24 de maio de 2017. E só teve 15 arguidos.

Estes mais de seis anos de julgamento traduziram-se na audição de 170 testemunhas, entre as quais 77 que foram chamadas pelo Ministério Público, 79 pelas defesas dos arguidos e 35 testemunhas abonatórias. Aquando do último testemunho prestado em sede de julgamento, tinham decorrido 401 sessões, sendo que o total de sessões de trabalho ascendeu a 695 sessões de julgamento.

Outro exemplo de como o julgamento foi demorado: só entre o início das alegações finais, que decorreu em maio de 2016, e a leitura da sentença passou um ano.

Estes números derivam do facto de não existir limitação ao número de testemunhas que o MP ou as defesas podem chamar, bem como não existe qualquer limitação ao tempo de inquirição de cada testemunha ou arguido. Por exemplo, só uma testemunha do caso BPN foi ouvida em tribunal durante cerca de sete meses.

Caso BPN. Oliveira Costa recomeça a ser julgado em Lisboa num caso que já dura há quase cinco anos

No processo principal do BPN estava sob escrutínio a gestão levada a cabo pela administração de José Oliveira Costa que terá levado à prática de crimes tão diversos como fraude fiscal qualificada, burla qualificada, branqueamento de capitais falsificação de documento.