Ratko Mladic foi esta quarta-feira condenado pelo Tribunal Penal Internacional a prisão perpétua por genocídio e crimes contra a Humanidade. O antigo general bósnio sérvio, de 75 anos, acabou expulso do tribunal por gritar com os juízes enquanto estes liam a sentença. Mas quem era este homem, que se autointitulava Deus e que ficou conhecido como “carniceiro dos Balcãs”?
Ratko Mladic nasceu a 12 de março de 1942 na aldeia de Bozinovci, no sudeste da Bósnia. Estudou na prestigiada Academia Militar de Belgrado e juntou-se ao Partido Comunista da Jugoslávia em 1965. Enveredou pela carreira militar quando a Jugoslávia ainda era uma federação de seis estados, cavalgou rapidamente por todas as patentes e chegou a general ainda antes da desunificação do país, em 1991.
No início do banho de sangue dos Balcãs, Mladic estava na Croácia a liderar as tropas jugoslavas em Knin e acredita-se que teve um papel fulcral no bombardeamento da cidade costeira de Zadar. Em 1992, assumiu o comando do 2.º Distrito Militar do Exército Jugoslavo – que se tornou o exército bósnio sérvio. Havia de o liderar até ao Acordo de Dayton, que estabeleceu a paz na Bósnia, em 1995. Entre os seus homens, Ratko Mladic despoletava fortes devoções e uma adoração que ia para lá do racional: muitos deles chegaram a jurar segui-lo até à morte.
Era omnipresente. Estava nas trincheiras, nos jogos de xadrez e nas altas torres de vigilância. Era conhecido por organizar concursos de flexões antes das batalhas, pedir pomposas paradas militares e manter-se estrategicamente próximo dos enviados especiais das Nações Unidas à Bósnia. Completamente obcecado pela história do seu país, olhou para a guerra na Bósnia – que matou mais de 100 mil pessoas e deslocou 1.8 milhões – como uma oportunidade de vingança dos 500 anos de ocupação turca e otomana da Sérvia. Via os muçulmanos bósnios como turcos e chamava-lhes isso mesmo como forma de insulto.
Completamente convencido do poder do seu exército, era conhecido por dizer aos seus soldados: “Quando vos dou garantias, é como se vos tivessem sido dadas por Deus”. Aliás, Ratko Mladic via-se como um ser superior aos demais mortais e começou a autointitular-se Deus. Numa ocasião, quando pedia permissão ao controlo aéreo para aterrar o seu helicóptero, declarou “daqui é Ratko Mladic – o Deus sérvio”.
Antes de liderar o assalto ao enclave muçulmano de Srebrenica, comandou as suas tropas durante o cerco a Sarajevo. Os habitantes da capital sérvia nunca vão esquecer a frase que gritava repetidamente aos soldados através de um sistema de rádio. “Queimem-lhes os cérebros!”, ordenava, sem se importar com quem o ouvia. A frase foi gravada e posteriormente reproduzida nas televisões de todo o mundo no dia seguinte.
Em 1995, o exército bósnio sérvio invadiu o enclave muçulmano de Srebrenica, protegido pelas Nações Unidas. O massacre, destinado a dizimar a população muçulmana, matou 7 mil pessoas. Horas antes, tinha distribuído doces pelas crianças que se juntavam na praça principal da cidade e assegurou-lhes que tudo ia ficar bem.
Um ano antes de invadir Srebrenica, a filha Ana suicidou-se. A BBC conta que a morte da filha tornou-o mais duro e implacável.
No seguimento do massacre, o governo dos Estados Unidos, liderado por Bill Clinton, ofereceu 5 milhões de dólares por informações que levassem à detenção ou condenação de Ratko Mladic em qualquer país. O general acabou por ser dispensado em dezembro de 1996 por Biljana Plavsic, a então presidente da República Bósnia Sérvia, que citava crimes de guerra como o principal motivo. Mas o seu objetivo era maior: queria cortar laços com o presidente sérvio Slobodan Milosevic, de quem Mladic era muito próximo. Em 2003, Plavsic foi condenada a 11 anos de prisão pelos seus próprios crimes de guerra.
Durante a guerra da Bósnia, Milosevic – que morreu em 2006 enquanto ainda era julgado no Tribunal Penal Internacional por genocídio – era reverenciado como o principal patrono dos bósnios sérvios, que abandonou quando assinou o Acordo de Dayton. No seguimento do compromisso de paz, Ratko Mladic fugiu para Han Pijesak, um antigo complexo militar na Bósnia que tinha sido construído por Tito para servir como abrigo em caso de ataque nuclear. Em conjunto com a mulher, Bosa, conformou-se com a vida caseira e doméstica e passava os dias ocupado com a criação de abelhas e cabras. O Independent conta que dava às cabras os nomes de políticos ocidentais que detestava – uma delas chamava-se Madeleine Albright, a antiga secretária de Estado norte-americana.
Sempre acompanhado de guarda-costas, saía do pinhal onde vivia somente em dias festivos, como o aniversário do exército bósnio sérvio. No final dos anos 90, quando era já perigoso ali viver e existiam rumores de que estava cercado, mudou-se para os subúrbios de Belgrado. Aí, tinha um quotidiano público e foi visto no casamento do filho, em jogos de futebol e nos cafés mais elitistas da cidade. Em 2002, já depois de Milosevic sair do poder, perdeu-se-lhe o rasto. Chegou a ser o procurado número um pelo tribunal de crimes de guerra das Nações Unidas e acabou por ser preso em 2011.
Esta quarta-feira, com 75 anos, o “carniceiro dos Balcãs” foi condenado a prisão perpétua por genocídio e crimes contra a Humanidade.