O primeiro-ministro veio esta segunda-feira segurar o ministro das Finanças, depois de noticiada a investigação do Ministério Público por suspeita de recebimento indevido de vantagem. António Costa diz que Mário Centeno “em circunstância alguma sairá do Governo”, mesmo que venha a ser arguido. E classificou da “dimensão do ridículo qualquer investigação por causa de uma ida a um jogo de futebol”.
Em declarações aos jornalistas, num evento no Museu dos Coches em Lisboa, Costa foi confrontado com as buscas ao Ministério das Finanças, no final da semana passada, e declarou que mantém “toda a confiança” em Mário Centeno. O primeiro-ministro diz não ver “nenhum motivo” para que o ministro Centeno “saia do Governo” e desvaloriza mesmo a eventualidade de o seu ministro das Finanças poder vir a ser constituído arguido.
Ministro das Finanças investigado pelo crime de recebimento indevido de vantagem
Nesse caso, Costa considera que Centeno também não deve sair: “Não é por ser ou não arguido que se deve ou não permanecer no Governo”. Contactado esta segunda-feira pelo Observador, o Ministério Público mantém que “o inquérito não tem arguidos constituídos e está em segredo de justiça”. Mas o primeiro-ministro já acautela essa possibilidade, tentando desdramatizar a situação. Para Costa, se o seu ministro das Finanças for constituído arguido não vê “nenhum motivo para que saia do Governo”, até porque essa figura jurídica “existe para defesa dos direitos dos próprios”.
Naturalmente respeitamos atividade da justiça, ninguém esta acima da lei e justiça fará a investigação que entender, mas quem decide a composição do Governo sou eu e mantenho toda a confiança no professor Mário Centeno”.
Confrontado pelos jornalistas como o facto de três secretários de Estado, em julho, terem abandonado o Governo por serem também suspeitos do crime de recebimento indevido de vantagem, Costa defendeu que a situação é diferente. “Os secretários de Estado saíram a pedido dos próprios porque eles próprios requereram a constituição como arguidos, porque entendiam que naquelas circunstâncias precisavam de gozar de liberdade suficiente para se defenderem”.
O caso é, no entanto, semelhante, e uma das baixas foi até no gabinete de Centeno: o então secretário de Estado dos Assuntos Fiscais Fernando Rocha Andrade tinha ido a um jogo da seleção nacional de futebol, no Euro 2016, a convite da Galp. O mesmo aconteceu com Jorge Costa Oliveira, secretário de Estado da Internacionalização, e João Vasconcelos, secretário de Estado da Indústria. Os três governantes pediram a exoneração de funções quando estavam sob suspeita — tal como Centeno estará agora — e anunciaram, num comunicado, que iam “exercer o seu direito de requerer ao Ministério Público a sua constituição como arguidos”. Acabaram por sê-lo dias mais tarde.
O Observador questionou o gabinete do ministro das Finanças sobre se houve algum pedido de Centeno para ser constituído arguido neste inquérito, mas a resposta foi negativa. Se vier a acontecer, por decisão do Ministério Público, o primeiro-ministro não permitirá que o ministro saia, de acordo com o que disse esta segunda-feira. António Costa prepara o cenário e diz que, caso aconteça, isso “não fragiliza coisa nenhuma, porque o estatuto de arguido não significa mais nada do que direitos acrescidos de defesa do próprio”. E depois deixa uma crítica implícita ao Ministério Público, ao dizer que “talvez os portugueses tenham perdido a noção, pela forma como tantas vezes é usada a figura de arguido, que existe para defesa dos direitos dos próprios”, insistiu.
O primeiro-ministro continua na desdramatização do que ainda é só uma hipótese: “O Ministério Público é obrigado a investigar qualquer queixa e se necessita de ouvir a pessoa constitui arguido. Não é suspeito, é apenas alguém que foi objeto de uma queixa”. Entretanto, já aconteceram buscas ao Ministério das Finanças, confirmadas pelos Ministério Público, para “recolha de prova documental no âmbito de um inquérito em investigação no DIAP de Lisboa”.
Em matéria de Justiça, o primeiro-ministro começa por dizer que “naturalmente” respeita a “atividade da justiça, ninguém está acima da lei”, mas acaba por considerar da “dimensão do ridículo haver qualquer investigação por causa de uma ida a um jogo ou fazer qualquer acusação relativamente a decisões que não competem ao Governo mas a outras entidades”. Na investigação está em causa não só o pedido, ao Sport Lisboa e Benfica, de dois bilhetes (para Centeno e para o seu filho) para assistir ao Benfica-Porto da época passada, mas também a aceleração do processo de atribuição de isenção de IMI à Realitatis – Investimentos Imobiliários, S.A., uma empresa que tem como administradores os dois filhos de Luís Filipe Vieira: Tiago e Sara Vieira. Luís Filipe Vieira, presidente do Benfica, teria então intercedido para garantir que o prédio que a empresa dos filhos queria vender teria isenção de IMI mais rapidamente. Existem e-mails trocados entre o filho e Luís Filipe Vieira com queixas do atraso na Câmara de Lisboa do processo e também um outro em que Tiago Vieira agradece ao pai a intervenção para desbloquear a situação.
Se a nossa isenção valer o preço de um jogo de futebol… pelo amor de Deus!”
Mas Costa centra-se sobretudo na questão dos bilhetes para o futebol, dizendo que se trata de “um insulto para quem convida e para quem é convidado poder sequer pressupor que, quer o convite ou a aceitação do convite, possa diminuir a capacidade de isenção” de um governante. “Nos camarotes oficiais, há muitas vezes convites dos clubes”, insistiu o primeiro-ministro. Recorde-se que foi Mário Centeno que, através do assessor diplomático do seu gabinete, solicitou dois bilhetes para o Benfica-Porto de abril de 2017, um para si e outro para o seu filho.
Ministro das Finanças pediu lugares para si e para o filho para o Benfica-Porto da época passada
Costa até falou da sua experiência como autarca, altura “em que ia regularmente ao jogos internacionais e isso nunca pôs em causa” a sua “idoneidade e isenção”. No caso de Centeno que foi noticiado pelo Observador, o ministro não foi convidado, mas antes pediu bilhetes para assistir à partida na tribuna presidencial do Estádio da Luz.
Sobre o homem que tem à frente da pasta das Finanças e também, mais recentemente, na presidência do Eurogrupo, o primeiro-ministro diz que é de “enorme seriedade e dignidade” e que “tem prestado serviços de grande relevância para o país”. Também afirma que mantém “toda a confiança” e ainda faz uma afirmação, por mote próprio, sobre o impacto internacional deste caso. “Internacionalmente esta notícia tem tido muita repercussão”. Mas o que está em causa, diz, “não põe em causa o bom nome e seriedade de Mário Centeno”. Costa diz que a sua intervenção visa “tranquilizar os portugueses” e garante, mais uma vez, que “não será seguramente por causa desta história que deixará de ser ministro das Finanças”.