Vários deputados do PSD estão revoltados com o facto do líder parlamentar do PSD — ao contrário do que fez o líder da bancada do CDS — não ter feito uma intervenção de homenagem a Luís Montenegro na despedida do antigo líder parlamentar antes do início do debate quinzenal. O ex-líder parlamentar, Hugo Soares, o antigo vice-presidente da bancada do PSD, Miguel Santos, e a ex-ministra Paula Teixeira da Cruz enviaram emails para todos os deputados do grupo parlamentar, onde falam de “tristeza“, “falta de respeito” e “falha grave” de Fernando Negrão por ter ficado em silêncio na despedida do antigo líder da bancada do Parlamento.

Na resposta, Fernando Negrão explica ao Observador que este grupo de deputados está a fazer uma “compreensão errada do que aconteceu”. O líder parlamentar lembra ainda que teve com Luís Montenegro “rigorosamente o mesmo comportamento do que com Passos Coelho“. E acrescenta: “Achei que não devia fazer diferente do que fiz com Passos Coelho. Fiz exatamente igual. O elogio dentro do tempo do PSD e não fora desse tempo.”

Apesar dos argumentos de Negrão, o ex-líder parlamentar do PSD, Hugo Soares, registou no email ao qual o Observador teve acesso, que a despedida de Luís Montenegro foi feita apenas “pela voz do presidente da Assembleia da República e do líder parlamentar do CDS”. Hugo Soares manifesta uma “indignação interior” e aponta uma “falha grave” ao facto do Grupo Parlamentar do PSD “não ter usado da palavra naquela circunstância e momento como se impunha.” E ainda acrescentou: “Hoje não me senti representado [pela direção da bancada] com tamanha distração”.

Também a antiga ministra da Justiça e deputada Paula Teixeira da Cruz lamentou, igualmente num email enviado a todos os deputados do PSD, “a falta de reconhecimento, a falta do que é devido a quem tanto lutou, a falta de respeito por quem soube unir uma bancada parlamentar como um líder amado“. Paula Teixeira da Cruz escreveu ainda que “a grandeza mede-se nos momentos difíceis” e que neste caso não a viu.

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Miguel Santos, passista e coordenador político da campanha de Santana Lopes, também confessou aos colegas de bancada por email que vê com “lamento e tristeza” que “no momento de plenário em que a despedida é referida, no momento em que a simples homenagem é feita, o elogio tenha surgido somente da parte do líder parlamentar do CDS”.

O deputado do PSD recordou “o costume nestes momentos em que todos os grupos parlamentares proferem algumas palavras, mais ou menos convictas, de elogio”. E acrescentou no mesmo email, que o PSD até o fez na despedida de um deputado comunista: “Recordo a despedida do deputado Honório Novo do PCP, em que todos os grupos parlamentares (eu, pelo PSD) cumprimer este costume, com maior ou menor convicção”.

Na sua última intervenção em plenário, em forma de interpelação à mesa, Luís Montenegro, começou por se confessar orgulhoso com o seu percurso parlamentar: “Ponho hoje um ponto final em 16 anos de exercício de trabalho parlamentar. Confesso que foi uma honra muito grande, um orgulho, um privilégio servir o país nestas funções”. Do fundo da bancada — ele que esteve sempre na primeira fila nos últimos cinco anos quase até à eleição de Rio — Montenegro enviou uma “saudação especial a todo o mundo parlamentar”, no qual inclui “os membros do Governo, os deputados, os assessores, jornalistas e todas as pessoas que assistem aos nossos trabalhos”.

Na despedida — à qual Costa parecia pouco interessado, estando muitas vezes ao telefone ou na conversa com Pedro Nuno Santos –, Luís Montenegro agradeceu a Nuno Magalhães, líder parlamentar do CDS durante os tempos da troika, por o ter ajudado a suportar no Parlamento “o único Governo de coligação em democracia que conseguiu aguentar uma legislatura até ao fim”.

Após apelar aos seus colegas deputados para se manterem longe da tentação do populismo, o antigo líder parlamentar deixou uma frase para ser incluída mais tarde em livros de discursos: “Levo comigo a convicção de que o populismo é o pai da mediocridade e a mediocridade é a mãe da pobreza”.

Logo de seguida, Nuno Magalhães fez questão de deixar uma palavra a Luís Montenegro, querendo desfazer o mito de que na política não se fazem amigos: “É mentira e esses amigos podem ser de partidos diferentes”. O líder da bancada do CDS disse ser “um privilégio” trabalhar com Montenegro, lembrando que tiveram de “trabalhar algumas vezes com divergência, umas públicas, outras menos”, mas que “mesmo na divergência” procuraram uma “convergência”.

Da bancada do PSD não houve mais nenhuma palavra. Ferro Rodrigues ainda fez um pequeno compasso de espera, mas avançou para o quinzenal: “Não havendo mais inscrições, avançamos para a ordem do dia”. Só as bancadas da direita aplaudiram Luís Montenegro. O Governo também não tirou as mãos da mesa.

Também esta quinta-feira, Luís Montenegro foi recebido pelo presidente da Assembleia da República, Ferro Rodrigues, quase com honras de antigo líder partidário. O mesmo aconteceu no hemiciclo, antes de começar o debate quinzenal com o primeiro-ministro: fez uma intervenção de despedida. No hemiciclo, antes de lhe dar a palavra, Ferro Rodrigues enalteceu a “cordialidade e lealdade para com os adversários” que Montenegro teve e desejou-lhe “os maiores sucessos”.

Um jantar com honras de “ex” e futuro líder

Passos nem era para falar, mas acabou por fazer uma breve intervenção na despedida de um amigo, num jantar onde foi para retribuir a “gratidão” demonstrada pelo seu antigo líder parlamentar: “Há pessoas a quem rapidamente se reconhece o talento. O Luís é uma delas“. O jantar foi no Café Inn, um restaurante junto ao rio, sem o líder Rio, mas com 150 pessoas, que incluíram ex-líderes do PSD (Passos e Marques Mendes), atuais dirigentes (como o líder parlamentar Fernando Negrão), homens do aparelho (como Miguel Relvas) e até o presidente da Caixa Geral de Depósitos, Paulo Macedo. A despedida de Luís Montenegro de deputado teve assim mais pompa que a de Passos Coelho e aconteceu assim em dois atos: um jantar, na quarta-feira à noite e uma última intervenção no Parlamento. Para todos ficou claro que não foi um adeus, mas a primeira pedra para uma futura candidatura a líder.

A informação oficial é de que foram “amigos” da bancada da organizar o jantar e não o próprio Montenegro, mas tudo foi feito com o conhecimento do antigo líder parlamentar. Luís Marques Mendes era uma das intervenções planeadas por ter sido o cabeça de lista do círculo de Aveiro nos três primeiros mandatos de Montenegro como deputado.

A ligação é tão forte e tão antiga, que, dos 150 presentes, Marques Mendes era talvez a única pessoa que esteve no casamento do antigo líder da bancada do PSD. Na intervenção, o antigo presidente do PSD elogiou a “coragem” de Montenegro por “dirigir um grupo parlamentar num momento difícil como foi o da intervenção da troika, tendo conseguido manter o grupo unido e coeso”, mas também “pela coragem de, goste-se ou não, ter feito uma intervenção corajosa no Congresso crítica do líder que acabara de ser entronizado.”

A fibra de Montenegro, para Mendes, está assim também na forma como enfrentou Rio. E estar na calha para o pós-Rio nem sequer foi um elefante na sala, foi mesmo tema das intervenções. Até do líder parlamentar escolhido por Rui Rio, Fernando Negrão, que como avançava a Rádio Renascença esta quinta-feira, confessou numa intervenção no jantar: “Todos sabemos que o Luís vai longe.” O antigo ministro da Educação Couto dos Santos falou também na qualidade de antigo cabeça de lista do círculo de Aveiro, e como avançou a mesma rádio desejou que a saída de Montenegro no Parlamento fosse apenas um “curto interregno” na vida partidária. E apelou: “Precisamos de ti ao serviço da política”.

O próprio Montenegro — que costuma dizer que se um dia que quiser ser candidato não pede autorização a ninguém — também não teve problemas em alimentar futuros voos mais altos. O antigo líder da bancada assumiu que alimentou a ideia de que um dia podia representar os presentes (como líder do partido), mas atirou que isso é um cenário que “tanto pode acontecer como não.” Todos lhe reconheceram talento para ocupar o cargo e Passos até lembrou a forma como Luís Montenegro teve muitas vezes de decidir, sozinho, quais eram os temas a agendar, já que, o então primeiro-ministro, com a sua veia institucionalista, fazia questão de separar o Governo da bancada quando estava no Governo. Talvez por isso, Passos não tenha tido problemas em dizer que lamentava que Montenegro não continuasse em funções.

Luís Montenegro ouviu ainda Marques Mendes a elogiá-lo pela “dedicação”, “competência” e “consistência” na intervenção política. O antigo líder social-democrata disse ainda que Montenegro é “dos políticos do PSD com melhor preparação política” e com um “pensamento estruturado“.

Sobre o convite a Rui Rio para estar presente as informações são contraditórias. Fontes da organização do jantar, garantem que o líder foi convidado (através de Fernando Negrão) e que na quarta-feira à hora do almoço ainda não tinha dado a resposta de se estaria presente. Já fontes próximas de Rui Rio limitam-se a confirmar que o líder estava em Lisboa, mas teve um “jantar pessoal” que já estava previamente agendado. Certo é que Montenegro não convidou pessoalmente Rui Rio.

Montenegro sai mas vai andar por aí: na TSF, na TVI 24 e no Expresso. Uma rádio, uma televisão e um jornal. Não precisará, por isso, do Parlamento para ter palco.

Artigo atualizado às 21h17 com a revolta de vários deputados da bancada do PSD