O bispo de Leiria-Fátima, D. António Marto, estava a preparar-se para entrar para a missa das 11h30 na Sé de Leiria — onde ia presidir ao Crisma — quando recebeu uma mensagem no voicemail. Era o Núncio Apostólico D. Rino Passigato, embaixador do Vaticano em Lisboa, que acabara de ver na televisão as novidades do dia vindas de Roma: o Papa nomeou 14 novos cardeais, incluindo o próprio D. António Marto.
“Foi uma surpresa”, admitiu D. António Marto numa conversa com jornalistas em Fátima. “Sou um homem de emoção, e como que as lágrimas me vieram aos olhos. Tive de me dominar para não dar a entender nada àqueles que me rodeavam”, sublinhou. Acabou por encontrar paz de espírito na ideia com que sempre encarou as várias nomeações ao longo da sua vida: “É um serviço que a Igreja me pede”.
A nomeação, garante, não é uma subida na hierarquia. “Não aspiro a lugares de poder”, afirmou o bispo, lembrando como no dia da sua ordenação o seu pai, que nem o queria ver padre, o chamou à parte para lhe dizer: “Que não te suba o poder à cabeça”. Por isso, quando questionado sobre se agora, que passa a fazer parte do grupo restrito que elege o Papa, ambiciona chegar à liderança da Igreja Católica, responde, entre risos: “Nem se coloca a questão”.
Para já, quer colaborar com o Papa Francisco na reforma da Igreja. Assumindo que a nomeação para cardeal é um “voto de confiança pessoal do Papa” na sua “humilde pessoa”, D. António Marto afirmou que apoia incondicionalmente o Papa. “Ele conhece bem o que eu penso e sabe que tem em mim um apoiante em toda esta reforma que está a fazer na Igreja”, para a tornar “mais evangélica, mais próxima, mais misericordiosa”. “Pode contar comigo”, garantiu.
[Reveja neste vídeo o best of da entrevista de vida que D. António Marto deu ao Observador há um ano]
A nomeação cardinalícia comporta ainda outras duas dimensões. Por um lado, trata-se de um pedido para que o bispo o ajude “no ministério de bispo de Roma e pastor da Igreja Universal”, para o qual precisa “de conselheiros, que constituem o colégio cardinalício”. Por outro lado, representa “uma maior ligação entre a Sé de Pedro e as igrejas particulares, uma maior ligação entre a Sé de Pedro a diocese de Leiria-Fátima”. Por isso, garantiu o D. António Marto, para a nomeação “terá contribuído a celebração do centenário [das aparições], em que o Papa experimentou ao vivo o que significa Fátima para a Igreja Universal e para o mundo”.
D. António Marto: “Representava melhor o diabo do que o anjo, ironia do destino”
Apesar de a nomeação para cardeal poder indicar que D. António Marto poderia sair de Leiria-Fátima para outros voos (em Portugal, o único bispo diocesano que é cardeal é o patriarca de Lisboa; todos os outros ocupam posições na Cúria Romana), o bispo garante que quer acabar o seu ministério ali mesmo, em Fátima. Mas não esconde: “Gostava de participar num conclave”.
A mensagem que quer deixar é de simplicidade. Por isso, vai continuar a vestir-se da mesma forma — “com a batina de bispo, sem aqueles vermelhos, sem aqueles chapéus cardinalícios”, que são “dispensáveis”. Mesmo a festa em que vai celebrar, na sua diocese, a subida a cardeal, depois da celebração no Vaticano, vai ser marcada pela “simplicidade e sobriedade”.
O bispo de Leiria-Fátima foi este domingo nomeado cardeal pelo Papa Francisco. Nascido em Tronco, no concelho de Chaves, D. António Marto tem 71 anos e foi um cético das aparições de Fátima e da religiosidade popular até ter lido pela primeira vez as Memórias da Irmã Lúcia. Mais tarde, em 2006, foi nomeado bispo de Fátima. Em 2017, recebeu o Papa Francisco no Santuário de Fátima para as celebrações do centenário das aparições. Agora, vai juntar-se a D. José Saraiva Martins, D. Manuel Monteiro de Castro e D. Manuel Clemente no grupo dos cardeais portugueses.
[Veja neste vídeo a partir do 1m30s o Papa Francisco a anunciar a nomeação do bispo de Leiria-Fátima]