Ainda não é assumido, mas a queda da compra da Media Capital pela Altice é o desfecho mais provável depois da Autoridade da Concorrência ter “chumbado” os compromissos apresentados pelo grupo francês que é dono da Meo.

Apesar de manifestar “todo o interesse” e “empenho” em concretizar o negócio e de se mostrar disposta a prestar “todos os esclarecimento” ao regulador da concorrência, a Altice Portugal também comunicou que não está disponível para apresentar quaisquer outros compromissos. Considerando que os “remédios” que apresentou para atenuar o impacto negativo na concorrência e na pluralidade dos media, eram os “razoáveis”, o grupo descarta fazer novas propostas para ultrapassar a objeção da Autoridade da Concorrência, “pois se assim procedesse desvirtuaria os pressupostos do processo que dura já há cerca de um ano”.

Esta tomada de posição significa, na prática, que a Altice não estará disposta a fazer cedências ao que considera serem os objetivos estratégicos que pretendia com esta operação — Alexandre Fonseca, presidente executivo da Altive Portugal já tinha estabelecido como linha vermelha, a imposição de obrigações  “que limitassem a capacidade de executar o nosso projeto para a área dos conteúdos”. Logo, tudo o indica, a operação não vai passar na Autoridade da Concorrência. E como esta é uma condição de sucesso do negócio acordada com a Prisa, a compra da Media Capital Capital não deverá ir para frente. Isto porque as reservas levantadas pelo regulador da concorrência não são passíveis de ser ultrapassadas com uma eventual melhoria ou reforço dos compromissos já postos em cima da mesa pela Altice.

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De acordo com informação recolhida pelo Observador, os “remédios” da Altice aos problemas de concorrência detetados na primeira fase de avaliação desta concentração são de natureza comportamental, e dependem da boa vontade de quem está a gerir as empresas. Ou seja, não resolvem de forma estrutural os problemas apontados. E caso as intenções anunciadas não fossem cumpridas, os reguladores não teriam instrumentos para atuar, e dificilmente conseguiriam fiscalizar o seu cumprimento. Um alerta que foi logo feito pelo primeiro regulador que avaliou o negócio, a Anacom.

As propostas de alteração feitas pelo grupo francês, que só chegaram ao regulador da concorrência no início de maio, não alteravam a estrutura do negócio. Se o fizessem, provavelmente esvaziariam o interesse desta aquisição, justificada pela Altice com a necessidade de convergência entre empresas de telecomunicações e media para combater a força dos gigantes da Internet.

Fonte oficial da Autoridade da Concorrência confirma a posição negativa do regulador em relação aos compromissos propostos pela Altice — ainda que esta não seja ainda a avaliação final ao negócio de compra da dona da TVI. Os compromissos entregues apenas no final de abril “não protegiam o interesse dos consumidores, nem garantiam a concorrência do mercado“, explicou fonte oficial da Autoridade da Concorrência.

Um dos principais perigos apontados a esta operação resulta do facto de ser uma concentração vertical que junta um grande produtor de conteúdos, a TVI, que também dona da Pluricanal, um grande distribuidor desses mesmos conteúdos, através dos produtos e serviços da Meo, e ainda um dos maiores anunciantes com um dos principais destinatários do investimento publicitário. Para a AdC, com esta conjugação, “há um incentivo a que um operador de telecomunicações que controla um operador de media venha a aumentar os preços dos conteúdos ou excluir os concorrentes”.

Esta avaliação não significa por si só um chumbo à operação. A Altice terá oportunidade de se pronunciar e já manifestou que vai contestar o conteúdo da informação recebida na segunda-feira por considerar que não reflete “o impacto e a relevância dos compromissos assumidos pela Altice para a realização desta transação, aliás em linha com as melhores práticas de mercado e de outras autoridades europeias em transações similares”. Falta ainda ouvir os contra-interessados nesta operação, os operadores concorrentes da Meo e os grupos de media concorrentes da Media Capital, todos contra a operação. Só depois é que a Autoridade da Concorrência apresentará o seu projeto de decisão final que, sem os tais remédios mais estruturais, continuará a ser negativo.

Apesar do fim do caminho ser o mais provável, a Altice não deverá desistir da operação, até porque o acordo que fez com a Prisa não o permitiria. O grupo francês nunca assumiu que poderia deixar cair esta compra. Nem mesmo quando foi confrontado com uma crise de confiança no final do ano passado que levou a uma hemorragia na bolsa e ao anúncio de uma reestruturação das operações e uma mudança de pessoas nos lugares chave da administração. Logo, o ónus da queda da compra da Media Capital pela Altice ficará para a Autoridade da Concorrência. Mas também para a posição assumida por outros reguladores ou respetivos serviços técnicos que foram sempre negativos para a operação.

Antes do travão da Autoridade da Concorrência, a compra da Media Capital, a líder na área dos conteúdos televisivos e investimento publicitário, por parte da Meo, a maior operadora de telecomunicações em Portugal já tinha recebido dois cartões vermelhos. O primeiro foi dado pelo regulador das comunicações logo em setembro do ano passado. A Anacom avisou que a operação de concentração não era suscetível de ser remediada e que os reguladores não teriam instrumentos para vigiar eventuais remédios à operação, num parecer que não era vinculativo.

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O segundo cartão vermelho, ainda que não vinculativo, veio dos serviços técnicos do regulador da comunicação social. Apesar de a direção da ERC, reduzida a três elementos, não ter chegar a um acordo que viabilizasse um parecer vinculativo sobre o negócio, como determina a lei da concorrência, foram muitos os argumentos contra apresentados pelos serviços. E ninguém ficou surpreendido quando em fevereiro deste ano, a Autoridade da Concorrência tivesse colocado a operação em investigação aprofundada, uma espécie de cartão amarelo, devido às muitas dúvidas suscitadas.

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Para além destes alertas, fortes mas não vinculativos, o negócio enfrentou duros ataques por parte dos concorrentes no setor das telecomunicações, sobre a Vodafone, e em particular, a Nos que é detida pela Sonae também dona do jornal Público, mas também nos media, com a tomada de posição do presidente da Impresa. Chegaram a ser feitos apelos aos políticos para não permitirem a transação e o negócio acabou por ser também chamado ao Parlamento por iniciativa do Bloco de Esquerda que tem promovido várias audições.

Resta saber o que irá acontecer no rescaldo desta operação falhada, quer na Media Capital e na Prisa — o grupo espanhol que já tinha prometido aos credores o encaixe de 440 milhões de euros que ia receber pela venda da dona TVI — quer na própria Altice em Portugal que prometia fazer desta operação uma plataforma para mais investimento, em particular no setor dos media. Para já, a reação dos mercados foi negativa. As ações da Altice caíram 5% e as da Prisa deslizaram 3,35% esta terça-feira.