A entrevista foi longa e Bruno de Carvalho falou de quase tudo. Ao seu estilo, claro. Esta noite, na SIC, o presidente do Sporting foi igual a si mesmo: entrou em confronto com o entrevistador, criou momentos de silêncio desconfortáveis quando as perguntas não lhe eram de feição, tratou o jornalista com paternalismo (e com algumas desconsiderações à mistura) e ainda deixou uma garantia: se quisesse, a Assembleia Geral de 23 de junho em que se votará a sua destituição nem sequer aconteceria. “Basta-me meter uma providência cautelar com a verdade sobre os factos e não há Assembleia Geral nenhuma.” Mas não o fará e os sócios do Sporting vão mesmo ser ouvidos.

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Um dos temas incontornáveis da entrevista era a crispação entre Bruno de Carvalho e o presidente da Mesa da Assembleia Geral (MAG) do Sporting, Jaime Marta Soares. E foi despachado logo de início: Bruno de Carvalho disse que para si “e para os outros membros da direção” do Sporting, “Jaime Marta Soares não é o presidente da MAG”. E os tribunais não dizem o contrário, insiste.

Temos uma mesa da Assembleia Geral que se demitiu e um presidente [da MAG] que se demitiu por duas ou três vezes e depois verificou que isso não ia ao encontro dos seus intentos”, disse Bruno de Carvalho.

Para o líder do Conselho Diretivo suspenso preventivamente, “Jaime Marta Soares demitiu-se e ao nível da lei basta fazer o que ele fez, vir a público dizer que estava demitido”. A comissão de gestão, disse, não existe. Assim como também não é um ato legítimo a sua nomeação por uma comissão de fiscalização que considera “ilegal” e que não pode fazer mais do que “gestão corrente”. “Acabou-se esta golpada no Sporting“, afirmou.

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Na próxima segunda-feira, Bruno de Carvalho vai começar uma guerra jurídica: anunciou que fará “todas as providências cautelares que tiver” de fazer — assim mesmo, no plural — “contra Jaime Marta Soares, contra isto tudo” e que as pessoas da comissão nomeada pelo presidente da MAG estão “absolutamente proibidas de entrar nas instalações do Sporting”.

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Se Bruno de Carvalho se referia à comissão de fiscalização que o suspendeu (e à qual o presidente do Sporting voltou a chamar “pelotão de fuzilamento”) ou à comissão de gestão cuja composição Marta Soares revelara há minutos, não foi claro. E o jornalista não perguntou. Depreende-se que o presidente do Sporting se referisse à segunda, que o substituirá enquanto estiver suspenso na direção do clube e, no caso de ser destituído pelos sócios, até à eleição dos sucessores.

Vai à AG ou não vai à AG?

Um dos momentos curiosos da noite foi quando Jaime Marta Soares foi entrevistado em direto na RTP3, enquanto Bruno de Carvalho ainda falava na SIC Notícias. O presidente do Sporting ainda falava à SIC Notícias e Marta Soares já reagia às suas palavras. “Bruno de Carvalho está a vitimizar-se, ele vai à Assembleia Geral se quiser”, foi uma das frases do antigo presidente da câmara de Vila Nova de Poiares. Outra: “Desafio Bruno de Carvalho, com simpatia e respeito, para que vá à AG.”

O argumento em discussão era simples: Bruno de Carvalho e o seu Conselho Direto preventivamente suspenso pode ou não comparecer à Assembleia de destituição de 23 de junho? Para Bruno de Carvalho, os estatutos são claros: estando suspenso, sem ter sido previamente ouvido, os estatutos dizem que não pode. O presidente não quer ser como os “picuinhas dos estatutos” mas não reconhece a Marta Soares legitimidade ou liberdade para fazer “prorrogativas” à lei interna do Sporting.

Do outro lado, o entendimento é outro: Bruno de Carvalho pode ser suspenso de sócio, sim, se o Conselho Fiscal e Disciplinar assim o entender. O Regulamento Disciplinar prevê a possibilidade — mas não a exige, entende a MAG (e discorda Bruno de Carvalho). O que é certo é que, por ser impossibilitado de ir ou por outro motivo, o presidente do Sporting deverá preferir assistir ao resultado da Assembleia Geral à distância. “Se Deus quiser, justiça será feita” no dia 23, disse ainda.

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O futebol, de Jorge Jesus (e o seu substituto) aos jogadores que “já deviam ter saído”

O futebol masculino, modalidade sem a qual o Sporting correria “o risco de ser campeão em tudo” este ano, também foi abordado. Porque Bruno de Carvalho continua a tomar decisões à frente da SAD dos leões, ou seja, continua a tomar decisões relativas à equipa de futebol sénior masculina (está suspenso preventivamente apenas como presidente do clube, não da SAD). Mas também porque foi a gestão deste dossiê que motivou críticas, dividiu sócios e serviu de argumento invocado nas cartas de pedidos de rescisão por justa causa de Rui Patrício, Daniel Podence, William Carvalho, Bruno Fernandes, Gelson Martins, Bas Dost e Rafael Leão.

“Já estava prevista a saída de vários dos jogadores” que rescindiram, disse Bruno de Carvalho. De todos, perguntou-lhe o entrevistador? “Do Rafael [Leão] não.”

Por exemplo o William e o Rui Patrício já deviam ter saído na época passada. Não saíram. Já se percebeu que foi um ato errado mas por minha vontade, sendo excelentes jogadores, já tinham saído na época passada.” Porque é que não saíram, então? “Foi considerado que eram absolutamente imprescindíveis para poderem sair.”

Sobre Jorge Jesus, Bruno de Carvalho falou pouco. Lembrou apenas que há uma cláusula de confidencialidade entre clube e treinador que impõe silêncio. Uma cláusula que, revelou em jeito de aviso, deixa de ser uma limitação para o próprio Bruno de Carvalho se deixar de ser o presidente do clube — porque o acordo é assinado entre o Sporting e Jorge Jesus, e não entre Bruno de Carvalho e Jorge Jesus. E defendeu ainda que o treinador não foi dispensado, houve uma “rescisão por mútuo acordo” e é “totalmente falso” que o tenha suspendido antes da final da Taça de Portugal, como Rui Patrício diz ter ouvido da boca de Jorge Jesus.

Do sucessor do treinador que Bruno de Carvalho foi buscar ao Benfica, cujo nome ainda não é conhecido, o presidente do Sporting falou um pouco mais. Não disse se era português ou estrangeiro, mas disse que estava escolhido e seria apresentado “na próxima semana”. O que Bruno de Carvalho disse foi que não convidou Luiz Felipe Scolari, Mano Menezes ou Ricardo Sá Pinto para o cargo, como foi veiculado na imprensa e afirmado por exemplo por um representante de Scolari. “O Sá Pinto e o Scolari são bons amigos e mando-lhes um grande abraço, desejo-lhes tudo de bom. O Mano Menezes não conheço”, disse ainda.

Bruno de Carvalho quis ainda dar “uma garantia aos sportinguistas”: de que os pedidos de rescisão de contrato por justa causa dos jogadores “vão cair todos” se continuar presidente. “Os jogadores não têm nada por onde se agarrar naquelas rescisões. E entraram por um caminho chato, mal aconselhados pelos advogados que não lhes explicaram as consequências jurídicas que o que escreveram tem, de calúnia e de difamação.” A principal mensagem quanto ao futebol? A de que o trouxe o Sporting a “este momento” foi “um acontecimento criminoso na Academia” e não a sua gestão ou a relação com os atletas.

A minha relação de proximidade com os jogadores de futebol passará a ser praticamente nula, passará a ser feita por Augusto Inácio. Excepto a nível de modalidades, aí vai-se manter.”

As tensões, a AG de destituição e a intervenção dos tribunais

Nas últimas semanas os atritos entre a Direção do Sporting, presidida por Bruno de Carvalho, e a Mesa da Assembleia Geral (MAG) do clube, presidida por Jaime Marta Soares, têm aumentado de intensidade. A Direção do clube, considerando a MAG e o Conselho Fiscal e Disciplinar demissionários depois de uma demissão em bloco nestes dois órgãos, entendeu ser responsabilidade sua nomear um órgão de fiscalização para assegurar a transição nos dois órgãos.

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Este órgão de fiscalização, nomeado por Bruno de Carvalho e presidido por Elsa Judas, chegou a convocar duas Assembleias Gerais (AG): uma para este domingo, 17 de junho, e outra para dia 21 de julho. Na primeira, o Conselho Diretivo tencionava submeter à aprovação dos sócios o Orçamento do Sporting para a próxima temporada e algumas alterações aos estatutos. Se aprovadas, estas iriam dotar a Direção do clube de poderes mais amplos. A segunda seria uma Assembleia Geral eleitoral, para eleger os novos membros dos dois órgãos demissionários (Conselho Fiscal e Disciplinar e Mesa da Assembleia Geral). Contudo, o tribunal considerou as AG ilegais, já que foram convocadas por um órgão cuja legitimidade a justiça não reconhece.

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Paralelamente a este processo, um outro conselho de fiscalização nomeado pelo ainda presidente da MAG, Jaime Marta Soares, decidiu suspender preventivamente (isto é, sem auscultação prévia dos suspensos) o Conselho Diretivo, dando aos seus elementos dez dias para responderem a uma nota de culpa. Marta Soares, o único que tem poderes para nomear comissões de gestão e fiscalização (como os estatutos preveem), alega ter visto a justiça confirmar que é ainda o presidente da MAG. Isto porque não se cumpriram os pressupostos estatutários necessários para Marta Soares ficar esvaziado de poder: não só a renúncia não foi comunicada oficialmente ao Conselho Fiscal do clube, como não foi ainda eleito nenhum sucessor.

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O entendimento do Conselho Diretivo de Bruno de Carvalho é outro, mas para já a MAG está a ganhar a batalha jurídica e viu as AG marcadas pelo órgão nomeado pelo presidente serem consideradas ilegais. No próximo sábado, dia 23 de junho, há uma Assembleia Geral marcada em que se irá votar a destituição de Bruno de Carvalho como presidente do Sporting. Até lá será uma comissão de gestão a gerir os destinos do clube. E, se Bruno de Carvalho for destituído, daí até às próximas eleições. Eleições que Marta Soares prometeu marcar logo dia 23, se o presidente for destituído, não prolongando assim o cenário de indefinição.

[Atualizado pela última vez às 23h30 do dia 16/07/2018]